Tudo o que é meu é teu, e tudo o que é teu é meu; e a minha natureza divina se revela por meio daqueles que me deste. (...) Que eles sejam teus por meio da verdade; a tua mensagem é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei. (...) E peço que todos sejam um. E assim como tu, meu Pai, estás unido comigo, e eu estou unido contigo, que todos os que crerem também estejam unidos a nós para que o mundo creia que tu me enviaste.
João 17. 10, 17, 21
Esta tarde eu assisti um filme que me incomodou profundamente. Anjos do sol me fez sair do cinema e correr para o banheiro, segurando as lágrimas, engolindo em seco. Um verdadeiro e direto soco no estomago. Crueza e dureza realística de um cotidiano do país.
Já aqui, no quarto do hotel, comecei a refleti sobre a dura realidade representada naquela hora e vinte de filme (acho que se o filme fosse maior, eu morreria de impotência). E comecei a me questionar sobre onde estamos, nós, que nos afirmamos cristãos? Onde estamos, aqueles que se dizem discípulos de Jesus? Como podemos querer ser aqueles que refletem a natureza divina se não temos feito diferença para transformar essas histórias contadas no filme – tão duras e tão reais.
O nome de Jesus aparece em alguns momentos. Quando o personagem de Chico Diaz está transportando mais uma leva de garotas compradas para exploração sexual, o caminhão que faz o transporte leva à frente o nome de Jesus pregado no pára-brisa. Acho que não é um papel muito diferente que temos feito nesse país. No máximo somos pára-brisas.
Nessa manhã via um dos muitos programas evangélicos que a tevê exibe aos sábados de manhã. Nele se relatava a “grande vitória” que foi para a igreja a revogação das mudanças que o código civil impunham aos estatutos eclesiásticos, no fim de 2004. Isso é um absurdo. As vitórias que as igrejas comemoram são aquelas que dizem respeito aos seus próprios umbigos. Convencer uma bancada evangélica que, a partir do seu presidente, agora é conhecida como sanguessuga, a lutar por uma mudança legal para preservar a igreja é o máximo que as igrejas estão fazendo de luta. Enquanto isso, crianças são vendidas pelos próprios pais para exploração sexual.
Algumas igrejas se contentam em alimentar e vestir os mendigos e moradores das ruas. Eu não quero me contentar com isso. O Rio de Janeiro não é só violência, nem é só beleza natural. É mendicância também. Hoje faz dois meses que estou hospedado em um hotel aqui no Centro da cidade. Meus vizinhos de calçada são dezenas de moradores de rua. Um senhor dorme, cercado por suas caixas e coberto de seus panos, a poucos metros da porta do hotel. Outra senhora dorme na esquina da Rio Branco. Até planta em jarro ela tem em seu canto. E quando eu penso no que a nossa sociedade é capaz de fazer aos seus velhos e no tamanho da desigualdade que impera nessas ruas, vejo que o evangelho não tem que ser pregado nessas ruas: ele tem que ser vivido em ações concretas de transformação social. Eu hoje tenho mais orgulho de ser parte da Petrobras do que de ser parte da Igreja Cristã no que diz respeito transformação e mudança da realidade dos que sofrem neste mundo, neste país.
Até em coisas aparentemente mais fáceis, estamos sofrendo para que alguém acredite que somos de Cristo. Uma dessas coisas é a comunhão interna das comunidades. Quem não conhece uma história como essa, que voltou a se repetir com uma pessoa de minha família: o irmão está gravemente enfermo, tendo que se submeter a uma cirurgia extremamente delicada e de risco de morte. Fica, depois, uma semana no hospital. Depois, mais três semanas com uma sonda. Por fim, quando a sonda é retirada, mais uma semana no hospital. Visitado por alguns líderes, sua falta não é sequer sentida pelo resto da comunidade. Que nem sequer é informada da doença do irmão.
E peço que todos sejam um. E assim como tu, meu Pai, estás unido comigo, e eu estou unido contigo, que todos os que crerem também estejam unidos a nós para que o mundo creia que tu me enviaste. Como o mundo crerá, se não conseguir nos comportar como verdadeiros discípulos? Às vezes penso que as comunidades, inclusive a que estou, não tem a menor vontade de que o mundo creia. Não se move nessa direção e vive de maneira que impede que isso aconteça.
Onde vamos parar? Como e quando seremos discípulos verdadeiros do Mestre Jesus? Do Cordeiro, Filho de Deus, Raiz de Davi? Ou será que vamos esperar que Deus nos tire da Videira e enxerte alguém que possa dar fruto?
2.9.06
28.8.06
Fazendo pecar
Sempre vão acontecer coisas que fazem com que as pessoas caiam em pecado, mas ai do culpado! Seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no mar com uma grande pedra de moinho amarrada no pescoço do que fazer com que um destes pequeninos peque.
Lucas 17. 1 – 2
Essa mensagem é um alerta, até mesmo contra mim mesmo. Eu não me vejo como muito apropriado porta-voz de uma palavra assim. Não me sinto muito são ou santo para falar coisas tão duras. Por isso sei que, mais do que qualquer coisa, essa é uma palavra que se dirige contra mim, pecador e mentiroso como sou.
Diante da santidade gloriosa do Senhor, não podemos ter muitas ilusões. Não podemos ter muitas ilusões de bondade ou boas ações. Temos que ter consciência de que somos, antes de tudo, pecadores que merecem nada menos que a mesma condenação da parte do Senhor. E rasgando o coração e confessando a culpa, somente podemos nos lançar aos pés do Senhor, dependendo de Sua graça e Seu perdão.
Depois de uma introdução em que confesso meu incômodo em falar algo como o que vou falar, devo confessar também que Deus me conduziu a falar isso. Sem dúvida.
No início do ano passado, vivi uma experiência bem interessante, que devo ter partilhado nesse espaço. Era o responsável pelo estudo junto aos adultos no retiro de carnaval. Tentando levar algo que me dissesse respeito – daquelas coisas que Deus estava fazendo comigo – resolvi estudar com o grupo capítulos específicos de Celebração da Disciplina, de Richard Foster. Queria estudar oração e meditação, tentando dar à temática o caráter prático que Foster aplica no seu livro.
Para resumir o relato, a reação de alguns líderes da igreja me assustou quando propus exercícios de meditação. Como se fossem criações do próprio demônio. O que quero destacar aqui é que o argumento usado para me impedir de fazer o exercício naquela manhã, pelo líder em questão, é que tínhamos no grupo um jovem casado com pouco tempo de igreja. Ele seria imaturo para vivenciar aquela experiência. A desculpa era preservá-lo.
O efeito, no entanto, foi o oposto. Aquele rapaz por pouco, naquele dia, não deixou a igreja. Ele ficou decepcionado com a maneira grosseira e prepotente como eu fui interrompido pelo referido líder da minha antiga igreja. Foi pouco, foi uma ação da graça de Deus, que permitiu que aquele rapaz e sua família permanecessem na igreja naquele momento.
Recentemente, fiquei sabendo, tendo sido informado pelo próprio, que ele agora era Testemunha de Jeová. Procurando saber o que acontecera, descobri que aquela ação maligna que tentou afastá-lo de Jesus no ano passado, finalmente obteve sucesso. Levado por boatos infundados, um outro líder daquela igreja deixou de falar com o jovem – ambos eram colegas de trabalho. O resultado é que o salão do Reino o recebeu bem. E hoje ele diz que encontrou a verdade.
Sempre vão acontecer coisas que fazem com que as pessoas caiam em pecado, mas ai do culpado! Seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no mar com uma grande pedra de moinho amarrada no pescoço do que fazer com que um destes pequeninos peque. Nada impede que eu e você nos ponhamos no lugar desses líderes que foram responsáveis pelo pecado e desvio daquele jovem. Eu morro de medo disso, devo falar com clareza. Eu morro de medo de ser o responsável por alguém que se perca, como essa família. Porque as palavras de Jesus contra esses são duríssimas. Eu temo por mim, caso caia nesse pecado, mas temo muito mais pelo resultado das ações de líderes e igrejas que se tornam responsáveis pelo afastamento e pecado destes pequeninos. Se os que se desviam são culpados de se afastarem, mais culpados me parecem ser aqueles que os lançam nessa situação: seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no mar com uma grande pedra de moinho amarrada no pescoço.
Eu falei que uma mensagem dessa é desconfortável para um pecador como eu. Eu sei do risco que corro de ser, eu mesmo, alguém como esses líderes. Eu sei que posso me pôr, facilmente, sob o juízo do Deus vivo. Mas você também pode. Pode, inclusive, já ter agido assim antes. É tempo ainda de se arrepender e de se reconhecer o pecador que é. É o momento de ter a postura daquele publicano, que nem levantava o rosto para o céu. Batia no peito e dizia: “Ó Deus, tem pena de mim, pois sou pecador!” (Lc. 18. 13), não a postura dos fariseus que faziam discípulos e, depois, os tornam duas vezes mais merecedores do inferno do que eles mesmos (Mt. 23. 15). É hora de buscar a graça e o perdão de Deus. É o momento de se chegar a Ele. Antes que não seja mais possível.
Lucas 17. 1 – 2
Essa mensagem é um alerta, até mesmo contra mim mesmo. Eu não me vejo como muito apropriado porta-voz de uma palavra assim. Não me sinto muito são ou santo para falar coisas tão duras. Por isso sei que, mais do que qualquer coisa, essa é uma palavra que se dirige contra mim, pecador e mentiroso como sou.
Diante da santidade gloriosa do Senhor, não podemos ter muitas ilusões. Não podemos ter muitas ilusões de bondade ou boas ações. Temos que ter consciência de que somos, antes de tudo, pecadores que merecem nada menos que a mesma condenação da parte do Senhor. E rasgando o coração e confessando a culpa, somente podemos nos lançar aos pés do Senhor, dependendo de Sua graça e Seu perdão.
Depois de uma introdução em que confesso meu incômodo em falar algo como o que vou falar, devo confessar também que Deus me conduziu a falar isso. Sem dúvida.
No início do ano passado, vivi uma experiência bem interessante, que devo ter partilhado nesse espaço. Era o responsável pelo estudo junto aos adultos no retiro de carnaval. Tentando levar algo que me dissesse respeito – daquelas coisas que Deus estava fazendo comigo – resolvi estudar com o grupo capítulos específicos de Celebração da Disciplina, de Richard Foster. Queria estudar oração e meditação, tentando dar à temática o caráter prático que Foster aplica no seu livro.
Para resumir o relato, a reação de alguns líderes da igreja me assustou quando propus exercícios de meditação. Como se fossem criações do próprio demônio. O que quero destacar aqui é que o argumento usado para me impedir de fazer o exercício naquela manhã, pelo líder em questão, é que tínhamos no grupo um jovem casado com pouco tempo de igreja. Ele seria imaturo para vivenciar aquela experiência. A desculpa era preservá-lo.
O efeito, no entanto, foi o oposto. Aquele rapaz por pouco, naquele dia, não deixou a igreja. Ele ficou decepcionado com a maneira grosseira e prepotente como eu fui interrompido pelo referido líder da minha antiga igreja. Foi pouco, foi uma ação da graça de Deus, que permitiu que aquele rapaz e sua família permanecessem na igreja naquele momento.
Recentemente, fiquei sabendo, tendo sido informado pelo próprio, que ele agora era Testemunha de Jeová. Procurando saber o que acontecera, descobri que aquela ação maligna que tentou afastá-lo de Jesus no ano passado, finalmente obteve sucesso. Levado por boatos infundados, um outro líder daquela igreja deixou de falar com o jovem – ambos eram colegas de trabalho. O resultado é que o salão do Reino o recebeu bem. E hoje ele diz que encontrou a verdade.
Sempre vão acontecer coisas que fazem com que as pessoas caiam em pecado, mas ai do culpado! Seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no mar com uma grande pedra de moinho amarrada no pescoço do que fazer com que um destes pequeninos peque. Nada impede que eu e você nos ponhamos no lugar desses líderes que foram responsáveis pelo pecado e desvio daquele jovem. Eu morro de medo disso, devo falar com clareza. Eu morro de medo de ser o responsável por alguém que se perca, como essa família. Porque as palavras de Jesus contra esses são duríssimas. Eu temo por mim, caso caia nesse pecado, mas temo muito mais pelo resultado das ações de líderes e igrejas que se tornam responsáveis pelo afastamento e pecado destes pequeninos. Se os que se desviam são culpados de se afastarem, mais culpados me parecem ser aqueles que os lançam nessa situação: seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no mar com uma grande pedra de moinho amarrada no pescoço.
Eu falei que uma mensagem dessa é desconfortável para um pecador como eu. Eu sei do risco que corro de ser, eu mesmo, alguém como esses líderes. Eu sei que posso me pôr, facilmente, sob o juízo do Deus vivo. Mas você também pode. Pode, inclusive, já ter agido assim antes. É tempo ainda de se arrepender e de se reconhecer o pecador que é. É o momento de ter a postura daquele publicano, que nem levantava o rosto para o céu. Batia no peito e dizia: “Ó Deus, tem pena de mim, pois sou pecador!” (Lc. 18. 13), não a postura dos fariseus que faziam discípulos e, depois, os tornam duas vezes mais merecedores do inferno do que eles mesmos (Mt. 23. 15). É hora de buscar a graça e o perdão de Deus. É o momento de se chegar a Ele. Antes que não seja mais possível.
27.8.06
Sobre Jonas
Assim como o profeta Jonas foi um sinal para os moradores da cidade de Nínive, assim também o Filho do Homem será um sinal para a gente de hoje.
Lucas 11. 30
Quando eu leio esse trecho do evangelho, um detalhe me chama muita atenção. Apesar de ser Jonas o profeta do povo de Deus e ser anunciado que é um sinal dele que Jesus dará, é o povo de Nínive quem se levantará para julgar aquela geração de judeus (Lc. 11. 32), porque se converteu diante da pregação do profeta.
A história do profeta Jonas reproduz o grande conflito da fé que perpassa toda a história da revelação: o conflito entre religiosidade e fé. No Antigo Testamento, a história de alguns livros nos remetem a esse conflito entre os religiosos legalistas e aqueles que entenderam o valor da graça e da fé em Deus. Um exemplo disso é pensar no livro de Jó. Enquanto os legalistas judeus defenderiam em diversos momentos que o ser judeu e o cumprir a Lei seriam condições únicas para a salvação e a vida com Deus – enquanto o sofrimento somente poderia ser entendido como castigo contra os ímpios –, Jó é um reconhecido servo fiel ao Senhor, mesmo não sendo judeu e sofrendo terríveis coisas ao longo de seu livro. Ser servo de Deus não é, então, exclusividade de um povo que se conhece como Seu povo, nem cumprir a Sua Lei pode ser entendido como garantia de vida boa.
Jonas, como Jó, fala-nos dessa dimensão de conflito entre a vida de fé e a religião. Jonas é o profeta do povo de Deus que tem a ilusão de que pode determinar quem pode ou não pode servir a Deus, tal qual todos os legalistas da história. Ele se recusa a ir pregar a Palavra de Deus aos ninivitas porque os considera indignos de ouvir a mensagem do Senhor – muito mais de se converterem. Ele é tão impregnado dessa mentalidade que pede a morte quando constata a conversão do povo inimigo, no fim do livro (Jn. 4. 2 – 3).
Muitos, no seio da igreja, têm se comportado como verdadeiros profetas no espírito de Jonas. Talvez não sejam capazes de admitir publicamente, mas definem em seus corações e em suas práticas que determinados tipos de pessoas não podem nem nunca farão parte do povo de Deus. Nem que para isso a alternativa seja deixá-los fora do círculo de evangelização da igreja.
Lembro de uma ocasião em que estava na Escola Dominical de uma igreja onde os jovens definiam que determinados pecadores de dentro e de fora da igreja jamais fariam parte daquela comunidade. Arvorados no espírito do profetismo legalista, o grupo de jovens determinavam quem podia e quem não podia ser alvo da graça de Deus.
No livro de Jonas a grande lição é a nós mesmos, para que não nos sintamos mais especiais, por sermos parte de um povo que leva o nome de Deus. Porque as grandes lições de fé vêm daqueles que são externos a esse povo. Primeiro, Jonas, o santo profeta do povo de Deus, é um grande desobediente, quando, em vez de abrir mão dos preconceitos, prefere fugir a obedecer à ordem do Senhor.
Em seguida, ainda no barco, ele dorme enquanto todos pedem pelas suas vidas diante da tempestade que abate a embarcação. Ele dorme, enquanto os que não são parte do povo de Deus oram. Depois, para descobrir a causa do castigo, ele se confessa ao grupo e diz que o jeito é jogá-lo ao mar, como um sacrifício para saciar a ira de Deus. Mais uma vez, a reação daqueles homens que não conheciam a esse Deus e não eram parte do Seu povo – ao contrário de Jonas – parece mais adequada. Eles relutam em fazer um sacrifício humano. Somente cedem quando constatam que Jonas era o profeta do Deus vivo, filho do Seu povo. Ou seja, era mais provável que ele, não os demais, soubesse o que era preciso para saciar a ira de Deus naquele momento. Ainda assim, não o jogam do barco sem uma oração de clemência: Ó Senhor Deus, não nos castigues com a morte por tirarmos a vida deste homem. Pois és tu, ó Senhor, quem está fazendo isso, e o que está acontecendo é da tua vontade (Jn. 1. 14).
Jonas foi incapaz de orar pelo bem coletivo quando dormia no barco, mas ao ser tragado pelo grande peixe, ora pela própria vida. Depois de três dias, o peixe o cospe na praia e ele se vê obrigado a ir pregar em Nínive. Não demonstra qualquer arrependimento nem quanto aos preconceitos que o levaram a essa situação, nem quanto à fuga em desobediência. Ao contrário, o povo de Nínive se arrepende de sua condição pecadora, se converte e Deus os perdoa. O profeta do povo de Deus não se arrepende nem muda de atitude, enquanto um povo inteiro, que não leva o nome do Senhor, nos ensina mais em sua atitude de arrependimento e conversão.
O sinal de Jonas, segundo o que fala Jesus, é o arrependimento dos ninivitas. Essa é uma palavra contra os Jonas dos dias de Jesus, os fariseus legalistas, que não admitiam que pecadores, publicanos e prostitutas pudessem ser alvo do amor de Deus. São esses, junto com os ninivitas, que se levantaram para julgar fariseus e legalistas de toda espécie. Às vezes, ser povo de Deus não garante outra coisa, senão o juízo. Às vezes, as atitudes de adorador podem ser encontrados em gente que muitas vezes não queremos no nosso meio, em nossas igrejas.
O sinal de Jonas é a conversão dos ninivitas. Mais do que isso, é mostrar aos judeus legalistas – e aos muitos cristãos legalistas entre nós – que a salvação não é propriedade exclusiva de ninguém. Ela está disponível, gratuitamente, em Jesus, a quem se achegar para beber a Água Viva que só Ele dá.
Lucas 11. 30
Quando eu leio esse trecho do evangelho, um detalhe me chama muita atenção. Apesar de ser Jonas o profeta do povo de Deus e ser anunciado que é um sinal dele que Jesus dará, é o povo de Nínive quem se levantará para julgar aquela geração de judeus (Lc. 11. 32), porque se converteu diante da pregação do profeta.
A história do profeta Jonas reproduz o grande conflito da fé que perpassa toda a história da revelação: o conflito entre religiosidade e fé. No Antigo Testamento, a história de alguns livros nos remetem a esse conflito entre os religiosos legalistas e aqueles que entenderam o valor da graça e da fé em Deus. Um exemplo disso é pensar no livro de Jó. Enquanto os legalistas judeus defenderiam em diversos momentos que o ser judeu e o cumprir a Lei seriam condições únicas para a salvação e a vida com Deus – enquanto o sofrimento somente poderia ser entendido como castigo contra os ímpios –, Jó é um reconhecido servo fiel ao Senhor, mesmo não sendo judeu e sofrendo terríveis coisas ao longo de seu livro. Ser servo de Deus não é, então, exclusividade de um povo que se conhece como Seu povo, nem cumprir a Sua Lei pode ser entendido como garantia de vida boa.
Jonas, como Jó, fala-nos dessa dimensão de conflito entre a vida de fé e a religião. Jonas é o profeta do povo de Deus que tem a ilusão de que pode determinar quem pode ou não pode servir a Deus, tal qual todos os legalistas da história. Ele se recusa a ir pregar a Palavra de Deus aos ninivitas porque os considera indignos de ouvir a mensagem do Senhor – muito mais de se converterem. Ele é tão impregnado dessa mentalidade que pede a morte quando constata a conversão do povo inimigo, no fim do livro (Jn. 4. 2 – 3).
Muitos, no seio da igreja, têm se comportado como verdadeiros profetas no espírito de Jonas. Talvez não sejam capazes de admitir publicamente, mas definem em seus corações e em suas práticas que determinados tipos de pessoas não podem nem nunca farão parte do povo de Deus. Nem que para isso a alternativa seja deixá-los fora do círculo de evangelização da igreja.
Lembro de uma ocasião em que estava na Escola Dominical de uma igreja onde os jovens definiam que determinados pecadores de dentro e de fora da igreja jamais fariam parte daquela comunidade. Arvorados no espírito do profetismo legalista, o grupo de jovens determinavam quem podia e quem não podia ser alvo da graça de Deus.
No livro de Jonas a grande lição é a nós mesmos, para que não nos sintamos mais especiais, por sermos parte de um povo que leva o nome de Deus. Porque as grandes lições de fé vêm daqueles que são externos a esse povo. Primeiro, Jonas, o santo profeta do povo de Deus, é um grande desobediente, quando, em vez de abrir mão dos preconceitos, prefere fugir a obedecer à ordem do Senhor.
Em seguida, ainda no barco, ele dorme enquanto todos pedem pelas suas vidas diante da tempestade que abate a embarcação. Ele dorme, enquanto os que não são parte do povo de Deus oram. Depois, para descobrir a causa do castigo, ele se confessa ao grupo e diz que o jeito é jogá-lo ao mar, como um sacrifício para saciar a ira de Deus. Mais uma vez, a reação daqueles homens que não conheciam a esse Deus e não eram parte do Seu povo – ao contrário de Jonas – parece mais adequada. Eles relutam em fazer um sacrifício humano. Somente cedem quando constatam que Jonas era o profeta do Deus vivo, filho do Seu povo. Ou seja, era mais provável que ele, não os demais, soubesse o que era preciso para saciar a ira de Deus naquele momento. Ainda assim, não o jogam do barco sem uma oração de clemência: Ó Senhor Deus, não nos castigues com a morte por tirarmos a vida deste homem. Pois és tu, ó Senhor, quem está fazendo isso, e o que está acontecendo é da tua vontade (Jn. 1. 14).
Jonas foi incapaz de orar pelo bem coletivo quando dormia no barco, mas ao ser tragado pelo grande peixe, ora pela própria vida. Depois de três dias, o peixe o cospe na praia e ele se vê obrigado a ir pregar em Nínive. Não demonstra qualquer arrependimento nem quanto aos preconceitos que o levaram a essa situação, nem quanto à fuga em desobediência. Ao contrário, o povo de Nínive se arrepende de sua condição pecadora, se converte e Deus os perdoa. O profeta do povo de Deus não se arrepende nem muda de atitude, enquanto um povo inteiro, que não leva o nome do Senhor, nos ensina mais em sua atitude de arrependimento e conversão.
O sinal de Jonas, segundo o que fala Jesus, é o arrependimento dos ninivitas. Essa é uma palavra contra os Jonas dos dias de Jesus, os fariseus legalistas, que não admitiam que pecadores, publicanos e prostitutas pudessem ser alvo do amor de Deus. São esses, junto com os ninivitas, que se levantaram para julgar fariseus e legalistas de toda espécie. Às vezes, ser povo de Deus não garante outra coisa, senão o juízo. Às vezes, as atitudes de adorador podem ser encontrados em gente que muitas vezes não queremos no nosso meio, em nossas igrejas.
O sinal de Jonas é a conversão dos ninivitas. Mais do que isso, é mostrar aos judeus legalistas – e aos muitos cristãos legalistas entre nós – que a salvação não é propriedade exclusiva de ninguém. Ela está disponível, gratuitamente, em Jesus, a quem se achegar para beber a Água Viva que só Ele dá.
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