Isaías 58 me fala sobre libertação. Na verdade, fala sobre culto e práticas ascéticas - no caso, o jejum -, em sua relação com as práticas de justiça e libertação.
O terceiro Isaías esclarece que o culto, por si, nada significa. Iahweh não chama Seu povo para cultuar, mas para promover a justiça.
Tenho sempre a impressão que mensagens assim serão sempre atuais - porque tenho a impressão que sempre haverá uma força gravitacional que puxará os cristãos para uma prática de fé ensimesmada, uma vez que ela é melhor do que o risco que se corre quando se decide seguir a prática de jejum que o Senhor diz escolher: "romper os grilhões da iniquidade, soltar as ataduras do jugo, por em liberdade os oprimidos, despedaçar totalmente os jugos, repartir o pão com o faminto, recolher em casa os desabrigados, vestir o nu e não fugir de sua responsabilidade frente aos que necessitam".
A vida de fé não é aquela que ocorre no culto ou em seus momentos devocionais. O terceiro Isaías não é condescendente com ninguém: a vida de fé é necessariamente uma vida de compromisso com a libertação.
Por isso mesmo é que um cristão deve chorar quando vê aqueles que se dizem seus representantes defendendo ideias e práticas que nada têm a ver com a essência do que deveria ser sua prática de fé.
São cristãos os que fazem discursos apaixonados pelo direito de andar armados, pela redução da maioridade penal, pela violenta repressão da juventude marginalizada. São cristãos que lutam contra os direitos de camadas e camadas de excluídos, especialmente os LGBTs.
De cortar o coração cenas de cristãos celebrando no Congresso a aprovação da redução da idade penal na Comissão Especial da Câmara. De indignar a alma as imagens de cristãos gritando palavras de ordem contra sua mais recente invenção: a ideologia de gênero, uma desculpa perversa e piedosa para que seu direito de ser homofóbico e promover a violência simbólica contra gays, lésbicas e trans - aquela que alimenta todos os dias a morte de LGBTs Brasil afora. Fazem o mal contra as minorias achando que, com isso, fazem culto a Deus. São como ovelhas sem pastor, perdidos nas mensagens de ódio que os afastam daquilo que o Senhor anuncia como seu culto e sua fé.
Sua história me faz lembrar de uma parábola que Jesus conta no evangelho de Lucas:
"“Esforcem-se para entrar pela porta estreita, porque eu digo a vocês que muitos tentarão entrar e não conseguirão. Quando o dono da casa se levantar e fechar a porta, vocês ficarão do lado de fora, batendo e pedindo: ‘Senhor, abre-nos a porta’. “Ele, porém, responderá: ‘Não os conheço, nem sei de onde são vocês’. “Então vocês dirão: ‘Comemos e bebemos contigo, e ensinaste em nossas ruas’. “Mas ele responderá: ‘Não os conheço, nem sei de onde são vocês. Afastem-se de mim, todos vocês, que praticam o mal!’ “Ali haverá choro e ranger de dentes, quando vocês virem Abraão, Isaque e Jacó e todos os profetas no Reino de Deus, mas vocês excluídos" (Lucas 13:24-28 NVI).
Isso me faz ter pena dos que se dizem seguidores de Cristo mas se colocam, na prática de fé, fora de uma festa que Jesus faz e fará com os excluídos.
Esta noite eu sonhei com Marco Feliciano. Por alguma razão o sonho me conscientizou de que ele, como opressor, também precisa ser libertado da relação de opressão.
Em algum momento, eu dizia no sonho que estenderia a mão da comunhão a Feliciano, não porque concorde com ele, mas porque ele precisa ser libertado da religião doentia em que se entranhou. Uma religião de poder - não no sentido espiritual, mas político mesmo.
Feliciano e similares fazem tantas coisas em nome do Senhor, mas estão presos na sua própria religião, incapazes de entender o jejum que Iahweh escolheu, incapazes de ver que são os que eles perseguem que festejam com Jesus, enquanto ele e seus pares vivem seus infernos pessoais fora do banquete da salvação com Jesus.
A opressão é uma relação. Quando nós promovemos a libertação, libertamos oprimidos e opressores de seu peso.
O Reino de Deus deveria ser lugar para LGBTs e Felicianos. Por enquanto, tem sido lugar só dos primeiros.