5.11.05

Igreja?

Você é Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e nem a morte poderá vencê-la.
Mateus 16. 18

Quero fazer uma confissão: ando muito decepcionado, magoado e desanimado com a igreja. Se podemos fazer um corte didático, separando entre a Igreja e as igrejas, quero esclarecer que minha decepção é com a última – aquela que escrevemos com o “i” minúsculo. Estou decepcionado e desanimado com as nossas instituições eclesiásticas. E isso tem perturbado toda a minha vida. A igreja, que deveria ser a comunhão dos santos, fonte de restauração para o cansaço da nossa vida, se tornou, pelo menos no meu caso, um lugar de desestímulo. Desde que ouvi – como já partilhei nesse espaço – que uma liderança de minha igreja disse que não se importava se eu iria me tornar “co-pastor” em uma outra igreja – eu não iria mais pregar ou ensinar ali. Ele, em outras palavras, me convidou para deixar a igreja. Isso, percebi esta semana, me magoou. Não tenho ânimo para freqüentar os encontros de minha igreja – que para mim deixou de ser comunhão dos santos. Mas tenho ido porque essa tem sido a vontade expressa de Deus para a minha vida.
Tenho me decepcionado com o mundanismo que tomou posse da igreja. As pessoas procuram mundanismo nas músicas que são ouvidas, nas palavras que são ditas, nas roupas que são vestidas, em usos e costumes que são endossados ou abolidos. Para mim, o maior indício de mundanismo presente em nossas igrejas se dá no nível das relações de poder. A Bíblia não tem sido mais – será que foi um dia? – o padrão para as relações entre lideranças e liderados em nossas instituições. A política que temos vivido reproduz as formas de governo e mando do mundo lá fora. As palavras que são pregadas, as teses que são defendidas, as decisões que são tomadas, estão eivadas da ideologia dos governos mundanos. A maior prova de mundanismo para mim é usar os padrões de relações do mundo. E os padrões aparecem com mais nitidez quando, para defender a manutenção da ordem e da autoridade dos líderes, suas decisões prezam mais pela imagem do que pela justiça. Em nome de coerências, cassam-se vozes. E a primeira voz cassada é a de Jesus: Como vocês sabem, os governadores dos povos pagãos têm autoridade sobre eles e mandam neles. Mas entre vocês não pode ser assim. Pelo contrário, quem quiser ser importante, que sirva aos outros, e quem quiser ser o primeiro, que seja o escravo de todos. Porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvar muita gente (Mc. 10. 42 – 45). A crise da igreja é a crise de surdos que não sabem mais ouvir as palavras de Jesus sobre como deve ser a relação entre líderes e liderados.
Ter constatado ao longo dos anos que a instituição tem muito de igreja e pouco da Igreja sugou minhas forças. Dois anos atrás, passei experiência semelhante, mas minha fidelidade ao Senhor da Igreja me sustentou. Mesmo que tenha ido muito perto da porta de saída da Igreja. Dessa vez, eu fui perto da porta de saída da igreja. Na Igreja, pela graça do Senhor, eu sei que estou firmemente seguro pelas mãos do Mestre. Na igreja, eu só estou porque Ele é quem manda. Até da parte da liderança já fui instigado a sair.
Enquanto as igrejas podem ir mal, a Igreja do Senhor jamais vai. Você é Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e nem a morte poderá vencê-la. Firmada sobre a certeza do Senhorio de Cristo e sob o Seu poder, nem a morte, nem o inferno, nem qualquer principado ou potestade pode roubar um pingo que seja de sua vitalidade. Podemos ver igrejas indo mal, mas jamais ouviremos falar da Igreja sem vida, porque a sua vida é o Senhor.
Essa Igreja é a comunhão dos santos, é o Corpo das testemunhas fiéis, dos mártires, dos bem-aventurados que têm fome e sede de justiça, que pertencem a Deus. É essa Igreja que se ajuda mutuamente e cresce junto, perfeitamente ajustada, até a maturidade de Cristo Jesus. É esta Igreja que se espalha pelos quatro cantos da terra, levada pelo Vento do Espírito, tornando conhecida em toda a glória do Senhor que se revela em Jesus. Esta Igreja vai bem e permanecerá para sempre. As igrejas têm um ciclo de nascimento e morte. Elas passaram. São abaladas pelas crises. Podem até morrer, sem que isso seja prejuízo para o Reino ou para a Igreja.
Estou desanimado com as igrejas – com a minha igreja. Jamais com a Igreja. O culto da Igreja, a vida da Igreja, a comunhão da Igreja, o testemunho da Igreja, a pregação da Igreja e a ação da Igreja continuam vivos, continuam firmes, continuam impactando vidas. A Igreja continua sendo agência do Reino, plena do Espírito. Quando quero encontrá-la, vou a igrejas, abro meu coração diante do Pai, e O louvo e sirvo com amor. Apesar de mim e das igrejas.

4.11.05

Ortodoxia?

Os mestres da Lei e os fariseus têm autoridade para explicar a Lei de Moisés. Por isso vocês devem obedecer e seguir tudo o que eles dizem. Porém não imitem as suas ações, pois eles não fazem o que ensinam.
Mateus 23. 2 – 3

Terminei minha devocional hoje me sentindo profundamente apaixonado. Queria gritar, porque meu coração parecia que ia explodir dentro do meu peito. Era uma mistura de prazer, de fome, de sede, de alegria, de entusiasmo, de quase êxtase. Fazia tempo que não me sentia assim e já sentia falta. Fazia tempo que tentava reencontrar essa experiência, esse sentimento, quase perdido. Achei que não mais o acharia. Pensei que estava condenado a uma religião intelectual pelo resto de meus dias. Mas o Senhor me mostrou que não.
Tudo o que não precisamos é de uma experiência religiosa restrita a aspectos intelectuais, racionais, tão somente. Vida religiosa com ortodoxia e perfeitamente cabível dentro de um sistema intelectual era aquela que viviam os fariseus. E que fez com que eles fossem condenados pelas palavras do Senhor Jesus. Porque vida restrita ao intelecto não muda a vida, não é de verdade vida. Para que uma verdade transforme a nossa existência ela precisa ser plenamente experimentada por nossos sentimentos e emoções. Vida com Jesus é uma experiência de fé e relacionamento, não uma confissão teológica.
Os mestres da Lei e os fariseus têm autoridade para explicar a Lei de Moisés. Por isso vocês devem obedecer e seguir tudo o que eles dizem. Porém não imitem as suas ações, pois eles não fazem o que ensinam. Os que têm uma vida religiosa ortodoxa dessa maneira são aqueles que podem ser reconhecidos pelo preciosismo e correção de sua teologia e ensino, mas o vazio de sua espiritual. A confissão mais correta dos lábios não corresponde a uma vida profunda com o Senhor.
Uma parte da crise da Igreja atual é essa. Se de um lado da crise temos um contingente de fiéis que privilegiam a experiência e esquecem de fundamentá-la em termos bíblicos – assim dando espaço para que surjam absurdos os mais diversos –, do outro aparecem as melhores teologias vazias de conteúdo. Latas vazias que podem fazer muita zoada, mas trazer pouca mensagem. Tanto de um lado, quanto do outro.
O que não precisamos é de uma religião que, institucionalizada, se importa mais com a preservação de regras e teologias corretas e coerente do que com a vivência de uma fé plena do poder derivado da comunhão íntima com o Pai. Uma parcela de culpa dessa crise que vivemos é nossa, protestantes históricos, que temos privilegiado tão somente a fé intelectualizada e o princípio de correção de valores, em detrimento de uma fé realmente viva que possa trazer transformação. Teologias corretas são conservativas. A transformação do mundo, missão da igreja e dos discípulos de Cristo, só pode acontecer se for conduzida por uma legião de corações apaixonados que experimentam a vida com o Senhor todos os dias, todos os instantes.
Não precisamos de mais intelectuais. Não precisamos de mais dogmática. Precisamos de corações dispostos a se entregar, por inteiro e apaixonadamente, ao Senhor Jesus, alimentando dia a dia um relacionamento íntimo e pessoal – pela fome, pela sede, pelo prazer, pela alegria, pelo êxtase de se ver na presença do Deus vivo.

Temos propósito?

O que ninguém nunca viu nem ouviu, e o que jamais alguém pensou que podia acontecer, foi isso o que Deus preparou para aqueles que o amam. Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo.
1 Coríntios 2. 9 – 10

Andava pela praça de alimentação de um shopping e comecei a pensar nas pessoas à minha volta. Na verdade, uma pergunta me veio à mente: será que cada uma dessas pessoas – que eu nunca vi antes e, provavelmente, não verei depois – tem alguma noção do propósito de sua existência? Em outras palavras, eu me perguntava se temos vivido as nossas vidas motivados por algum propósito em particular ou se vivemos de qualquer maneira. Será que temos propósito em viver? Seremos conscientes dele?
Muita gente busca razões para viver. Alguns cativam sonhos românticos e põem neles os motivos para existirem e se manterem existindo. Alguns transformam sua existência no desejo de terem sucesso ou fazerem dinheiro. Outros, de maneira mais nobre, dedicam suas vidas em assistir os mais necessitados; fazem da caridade sua razão de viver. Mas tenho a impressão que a maior parte de nós vivemos sem refletir, um pouco que seja, na razão de nossa existência. Somos levados a roldão pelos acontecimentos da vida. Nem temos controle, nem temos compreensão, nem temos sequer vontade de fazermos e agirmos de forma diferente.
Mais tarde, refletindo sobre isso e pensando no texto bíblico, enquanto dava aula no Centro de Treinamento Missionário, me lembrei que só há uma coisa que pode nos dar e nos fazer entender o propósito fundamental de nossa vida, o único propósito, que é viver para o Senhor. A gente só pode vir a descobrir isso se for por meio de uma experiência de conhecimento pessoal com Deus, na Pessoa de Cristo. Para alguns, Deus é um conceito e o conhecimento de Deus se resume a uma questão intelectual, resumida na capacidade de falar umas palavras e ler um livro. Mas os que realmente experimentam o conhecimento de Jesus e Seu reino entendem fácil que – ainda que aquelas coisas façam parte do bolo – andar com o Pai e conhecê-Lo é muito mais uma experiência mística e pessoal. Vida com Jesus é relacionamento muito mais que intelectualidade, porque o conhecimento intelectual sem o relacionamento pessoal não significa nada, não traz significado nem propósito para a vida.
O que ninguém nunca viu nem ouviu, e o que jamais alguém pensou que podia acontecer, foi isso o que Deus preparou para aqueles que o amam. Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo. Na aula, falávamos sobre a realidade do Reino de Deus manifesto em Cristo e cabível de ser experimentado pelo ser humano. Esse Reino traz em si a contradição do já-presente mais ainda-não-consumado. O Reino já está presente, ainda que não se manifeste em plenitude. Mas ele já é experimentado por aquele que entra em relacionamento com o Senhor, porque o Espírito vem a esse crente, habita em seu coração para estabelecer esse relacionamento. E esse relacionamento que traz o Reino para o nível do já-presente em nossas vidas. Já-presente, ele nos conduz a experimentar as riquezas das bênçãos do Senhor, a conhecer a grandeza daquilo que já recebemos nas regiões celestes. O prazer que temos de andar na presença do Senhor é algo de extremamente inefável para o homem. Só podemos, exultantes de alegria – incapazes de palavras –, celebrar a bênção e a riqueza do Reino em nós.
É disso que fala o texto de Coríntios. O Reino já está presente, ainda que ainda-não em plenitude. Mas podemos experimentar o que já temos e ainda vamos ter por meio do Espírito que habita em nós e enche a nossa vida. O que ninguém jamais viu ou compreendeu e é reservado para aqueles que conhecem a Deus – e essa parte a gente nunca presta atenção – não é um segredo inalcançável para nós. Pelo contrário: já começamos a experimentar no nosso dia a dia com o Pai e o Espírito já nos revelou esse segredo: Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo.
Esse segredo é o que faz diferença entre uma vida que tem propósito e é consciente dele de uma vida que é levada a roldão. Isso significa que mesmo aqueles que correm em busca de um propósito, por mais nobre que ele seja, não tem qualquer propósito real na vida nem faz qualquer coisa de relevante enquanto não descobrir que a vida de verdade é vivida na dimensão do Reino. Reino que já veio em Jesus, que ainda se consumará depois desse tempo, mas que já pode ser experimentado – o que muda a nossa vida – no dia a dia de quem investe em conhecer e a andar na dimensão do Espírito que habita em nós e se relaciona conosco.

2.11.05

A coisa certa a fazer

O próprio Cristo (...) deixou o exemplo, para que sigam os seus passos.
1 Pedro 2. 21

Quem assistiu Meu nome é Radio vai lembrar que ao ser perguntado porque se dedicava tanto para ajudar o jovem Radio, o treinador Harold Jones sempre respondia que aquela parecia a coisa certa a se fazer. Ainda que depois venhamos a descobrir uma outra motivação por trás das ações daquele homem, a mensagem que o filme passa é que devemos agir dessa maneira porque essa é a coisa certa a fazer.
Lembrei-me dessa frase hoje. Uma irmã de quem gosto muito, mãe de uma ex-namorada, está internada desde ontem pela manhã em uma UTI aqui de Natal. E eu estive lá ontem e hoje à tarde. Passei algumas horas ali com a família. E comecei a me perguntar porque fazia aquilo, uma vez que aquela família, pelo menos aparentemente, não tem mais nada a ver comigo. E entendi que estava fazendo aquilo porque aquela era a coisa certa a fazer. É muito difícil estar com uma família com um parente no hospital, mas essa família precisa saber que não está só, que existe alguém com quem pode contar, a quem pode abrir o coração, existe alguém que ora com eles e por eles. Fui ao hospital nessa tarde orando para que a minha presença fizesse diferença na vida de todos e para que viesse a abençoá-los de alguma forma. Essa é a coisa certa a fazer.
É assim que eu penso que devemos agir todos os que têm Cristo no coração. Somos chamados para fazer a coisa certa, independente da circunstância em que estejamos. Às vezes, a coisa certa é apenas estar ao lado de uma família que sofre, sem falar nenhuma palavra. Às vezes, fazer a coisa certa é falar com dureza a um ente querido que precisa se conscientizar a respeito de uma verdade. Às vezes, fazer a coisa certa é infligir dor a alguém que amamos pelo bem dessa pessoa. Às vezes, fazer a coisa certa é não fazer ou falar coisa alguma. Às vezes é estar presente; às vezes é faltar. Enfim, fazer a coisa certa é fazer o que Jesus faria, seguir-lhe os passos.
O próprio Cristo (...) deixou o exemplo, para que sigam os seus passos. Como cristãos, fomos chamados para fazermos o certo, mesmo quando esta não for a nossa vontade. Porque, como cristãos, somos chamados a viver de acordo com o exemplo deixado por Jesus e seguir os seus passos.
Nesses dias tenho pensado e escrito muito sobre o nosso chamado para ser bênção na vida dos outros. E esse chamado corre em profunda relação com a nossa capacidade de sermos discípulos fiéis a Jesus, andando nos rastro dos passos que Ele deixou na vida. Somos chamados a sermos os “pequenos Cristos” na vida dos outros, por nenhum outro motivo a não ser porque essa é a coisa certa a fazer.
Nossa vocação e dependência do Espírito serão máximas quando as nossas ações não tiverem nenhuma outra motivação, a não ser a verdade de que fazemos o certo porque não temos qualquer opção de não agirmos assim. A plenitude do Espírito se manifestará quando formos capazes de agir, em toda e qualquer circunstância, apenas porque era a coisa certa a fazer. Seremos bênção porque seremos santos. Seremos santos porque nenhuma motivação, a não ser o amor, estará em nossos corações. Será o esvaziamento pleno da razão humana e o enchimento total com a presença de Deus. Assim, seguiremos o exemplo de Cristo. E só assim, faremos sempre a coisa certa porque ela será a única coisa que poderemos fazer.

1.11.05

Sacríficio

E o amor é isto: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e mandou o Seu Filho para que, por meio dEle, os nossos pecados fossem perdoados.
1 João 4. 10

Eu me acostumei com o fato de que minha mãe é capaz de fazer qualquer coisa por mim. Já vi minha mãe deixar de comer para que eu pudesse me alimentar. Já vivemos momentos difíceis, sob diversos aspectos, que ensinaram a mim o tamanho do amor que minha mãe tem por mim e a intensidade dos sacrifícios que ela é capaz de fazer em meu favor. Diante disso, sou consciente de que qualquer coisa que um dia vier a fazer por ela não equivalerá a tudo o que minha mãe já fez e já abriu mão por mim. Assim é minha mãe, como são a maioria das mães, dispostas a fazer qualquer coisa pela felicidade de seus filhos, capazes de sacrifícios máximos.
Penso que esse amor é o mais próximo que podemos chegar de compreender o amor de Deus por nós. E não é uma coisa que só diz respeito ao amor de mãe, como se os pais não fossem também capazes de qualquer coisa por seus filhos. E nisso eu relembro um filme que assisti ontem à noite – ao lado de minha mãe – protagonizado por Denzel Washington: Um ato de coragem. É a estória de um pai capaz de fazer qualquer coisa para salvar a vida de seu filho. Capaz até de morrer no lugar do filho, apenas para lhe dar uma chance de vida. Pais são seres capazes de grandes sacrifícios de amor.
O paralelo é óbvio. Se os pais humanos, limitados e pecadores, são capazes de fazer qualquer coisa em favor dos seus filhos, o que poderemos esperar da parte do Pai Celeste em nosso favor? O que o personagem de Denzel Washington – John Q – faz no filme pelo filhinho ilustra o que Deus está disposto a fazer por nós, seus filhos. John Q chega perto de dar cabo da própria vida em favor do filho. Deus não chegou perto: Ele deu a Sua própria vida na cruz para que eu e você tivéssemos a chance de viver uma vida ainda mais real na presença dEle. Não precisamos ficar esperando uma grande ação sacrificial de nosso Pai: ela já foi-nos dada. Agora é a hora de conhecê-la e crer nela. Deus já provou o Seu amor por nós, do qual o amor dos pais é apenas uma ligeira sombra.
E o amor é isto: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e mandou o Seu Filho para que, por meio dEle, os nossos pecados fossem perdoados. O que o texto nos diz, por fim, é que esse amor é algo totalmente gratuito. Não é uma escolha que nós fazemos, não é algo que é construído por nossas forças. O amor se origina em Deus e se manifesta em sacrifício em nosso favor. Se podemos amar, se os pais podem amar com amor semelhante ao que manifesta John Q no filme, é porque esse amor nasceu em Deus, o Pai Celestial. O amor flui dEle e existe por meio dEle. Ele, que é em Si o amor. Ele, que está sempre disposto a fazer qualquer coisa para o bem dos seus filhos. Ele, que com Seu próprio sacrifício – na pessoa do Filho unigênito – nos deu vida, perdão e nos mostrou o que é realmente o amor.

Sobre fazer diferença

Quando morreu, ninguém sentiu falta dele
2 Crônicas 21. 20

Semana passada assisti, de novo, um filme da minha infância, As sete caras do Dr. Lao. Para quem não conhece ou não se lembra, o filme é ambientado em uma cidade do oeste americano, em algum ponto do século XIX. Nessa cidade chega o circo mágico do chinês Dr. Lao [fala-se Ló]. O espetáculo, que dura duas noites e muda a vida das pessoas na cidade de Abilone, tem sete personagens mágicos que a gente termina descobrindo se tratarem de uma só e a mesma pessoa: são as sete caras do Dr. Lao – Merlin, Pan, o Abominável Homem das Neves, a Medusa, a Serpente Gigante e Apollonius de Tyana, além do próprio Lao.
Apollonius de Tyana é um sábio, cego, que pode ver o futuro das pessoas. Atendendo uma cliente no espetáculo, mulher que é um dos personagens mais irritantes do filme – apaixonada pelo vilão da estória, termina manifestando uma sinceridade cruel: anuncia à pobre mulher que ela vai viver o resto de sua vida sozinha e morrer solitária. E ao morrer, não deixará nenhuma obra ou lembrança para a posteridade. Ninguém se lembrará dela, sua existência não terá feito diferença. Se ela jamais tivesse nascido, nada seria diferente no mundo. Palavras duras.
Essa estória me fez pensar. Deus não nos chamou para vivermos uma vida irrelevante. Ele não nos fez Seus servos, não nos tornou Seu povo, para que nossa passagem pelo planeta fosse indiferente. Ele nos trouxe ao Seu conhecimento para que a Sua presença em nossas vidas, diferentes por causa disso, viesse a fazer diferença nos ambientes em que vivemos, onde andamos, por onde passamos. Ele nos chamou para fazermos diferença na vida das pessoas que nos cercam. Ele nos vocacionou a viver na dimensão do Seu Espírito, na perspectiva da eternidade, tomados por Sua presença e poder. Ele nos chamou para sermos extraordinários.
É isso me encanta em textos como o Salmo 84, que não me canso de repetir e meditar: Quando eles passam pelo Vale das Lágrimas, ele fica cheio de fontes de água, e as primeiras chuvas o cobrem de bênçãos (Sl. 84. 6). Deus nos chamou para uma vida de relacionamento com Ele. Vida que faz a diferença onde estivermos: cheios de Sua presença, mesmo sem precisar abrir a boca, transformamos os vales secos e de morte em fontes de vida. É essa vida que desejo viver.
Quando morreu, ninguém sentiu falta dele. Esse é um dos textos mais tristes da Bíblia. É o outro lado da moeda. Deus nos chamou para viver vidas que fazem a diferença, mas muitos vivemos de tal maneira que ninguém sentiria a nossa falta se sumíssemos. Porém, há algo que pode ser ainda pior e é o que acontece com o rei Jeorão. Ele não é alguém cuja vida não fez diferença. No entanto, fez diferença para pior e os seus súditos comemoraram a sua morte. Ele ter partido foi um alívio! Esse é o tipo de marca que nenhum de nós deseja deixar.
Sempre fico pensando nas marcas que as pessoas têm deixado em minha vida, nas marcas que as pessoas têm deixado na sociedade e na história humana. Geralmente, aqueles que mais fazem questão de “aparecer” terminam sendo renegados ou esquecidos. Suas existências, por mais que tentem, não fazem diferença. Outros tanto lutam por reconhecimento que terminam como Jeorão, deixando péssimas marcas na vida das pessoas, que não vêem a hora de se livrar deles. Somente uns poucos, coração quebrantado, espírito humilhado diante do Pai, cientes de que dependem em tudo absolutamente do Senhor – e, por isso, famintos e sedentos por Ele – fizeram e fazem a diferença no mundo. Suas marcas são eternas porque foram feitas pelo próprio Deus. Esse grupo tem poucos nomes na história, dos quais podemos destacar gente como Francisco de Assis, talvez Lutero ou Martin Luther King, Jr.. Alguém mais?
Eu e você estamos nessa. Diante de nós a escolha por qual tipo de marca queremos deixar. De início, precisamos entender onde estamos neste momento, respondendo o que aconteceria se desaparecêssemos do mundo agora. Depois, teremos a opção da escolha. Eu pretendo escolher o caminho da cruz. E você?

31.10.05

Guarda-chuva

(...) já estou ouvindo o barulho de muita chuva.
1 Reis 18. 41

Nossa vida com Deus não precisa de guarda-chuvas! Deus me falou isto claramente neste domingo: eu não posso me permitir caminhar de guarda-chuva enquanto sigo com Jesus. Ele tem uma chuva abundante a derramar sobre nós, o som do que virá já se ouve, e não podemos perder a chance de nos molharmos nessa água. Já se ouve esse som inquietante, já estou ouvindo o barulho de muita chuva: é hora de fechar os guarda-chuvas e deixá-los de lado.
Nessa noite eu perguntava a Deus porque vinha me sentindo tão seco, tão árido, desde um tempo atrás. E fui, então, perceber que a terra de meu coração estava morrendo, sem água e vida. O Senhor havia retido Seu fluir sobre mim? Reparei que não. Então, qual seria o problema? Um guarda-chuvas aberto. Às vezes nossa vida se resseca, não porque o Senhor não a está abençoando com chuvas de águas da vida, mas porque não temos permitido que essa chuva toque o nosso solo. Temos interposto obstáculos diversos a essa ação da graça do Senhor. Abrimos guarda-chuvas e não tomamos banho dessa água.
Não raras vezes celebro quando a chuva me pega pelo caminho, antes de chegar em casa, e me vejo encharcado por aquela água abençoada que vem das nuvens. Em primeiro lugar, porque, em geral, a chuva que cai nos refresca. Eu curto o banhar calmo e constante das nuvens do céu. Gosto de sentir aquela água pura lavando meu rosto, aliviando o calor e o cansaço. Eu gosto de tomar banho de chuva. Talvez por isso tenha perdido o único guarda-chuva que tive em anos: não gosto de impedir a água de me molhar.
Mas percebi que tenho feito exatamente o que não gosto no que se refere à minha vida espiritual. O Senhor tem derramado abundante chuva de Sua presença, mas eu tenho erguido empecilhos que impedem que a Sua Água penetre o solo de minha vida e revitalize meu coração. Estou morrendo, ressequido, porque tenho usado, inadvertidamente, guarda-chuva espiritual.
Esse guarda-chuva pode ser o nosso ritualismo que impede que o Senhor traga algo novo na vida de Sua chuva sobre nós. Podemos impedir o fluir da água do Senhor também com os nossos pecados. O nosso formalismo pode ser o nosso guarda-chuva. Nossas crenças, tipo afirmar que tal coisa não é possível porque eu não acredito nela, podem se constituir em obstáculos para que a chuva do Senhor alcance o nosso coração. Precisamos jogar fora os nossos guarda-chuvas, sejam eles o que forem. Só assim a presença de Deus, derramada em nós, fará o que tem de fazer em nossas vidas.
(...) já estou ouvindo o barulho de muita chuva. Elias havia falado em nome do Senhor de que haveria um período de seca intensa no reino de Acabe. E houve, por três anos e meio. Nesse dia, após enfrentar os profetas de Baal e do poste-ídolo, ele finalmente ora para que a chuva volte. Antes mesmo de orar, ele manda que o rei se apronte porque vem água e muita água. E vai interceder. Podemos ver aqui uma imagem do que temos feito tantas vezes em nossa vida cristã: vivemos um período de seca espiritual e começamos a clamar para que Deus nos avive e derrame sobre nós a Sua chuva, nos restaurando e trazendo vida. E o Senhor está sempre disposto a ouvir a nossa oração e nos abençoar, se o nosso pedido é pelas melhores coisas: pelo Espírito Santo.
Mas do que adiantaria tanta água em resposta a prece de Elias se algum obstáculo viesse impedir a chuva de molhar a terra? A terra iria continuar seca e morta. Do mesmo modo, se orarmos a Deus pedindo o Seu derramar profundo em nossos corações, precisamos cuidar para que não tenhamos qualquer guarda-chuva aberto em nosso ser impedindo que esse derramar alcance a terra de nosso coração, trazendo de volta a vida, revitalizando as nossas forças pela Sua graça.