12.3.05

Fiel e Verdadeiro

Em seguida, vi o céu aberto, e apareceu um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro. Ele julga e combate com justiça.
Apocalipse 19. 11.

Eu tenho uma visão do Apocalipse diferente da maioria dos cristãos. Enquanto muitos tentam decifrar os mistérios simbólicos do fim dos tempos em sua leitura do livro, eu sempre tento entender o que o texto significa para os seus leitores nos dias em que foi escrito e, daí, tento extrair algum sentido, alguma mensagem para minha vida. Não acho que eu preciso saber nada sobre tempos e dias que o Senhor reservou para Si em Sua autoridade. E acho que a minha perspectiva deve estar correta porque foi isso que Jesus disse aos discípulos (At. 1. 7). Acredito que, dessa maneira, faz sentido o alerta de Jesus para estar sempre vigilante: eu não preciso tentar interpretar sinais e símbolos. Logo, não leio o Apocalipse buscando por isso. Busco por mais.
O texto foi escrito em um momento em que a Igreja estava sendo perseguida no Império Romano. Diz a tradição que Pedro e Paulo já haviam sido martirizados na capital sob ordem de Nero. A situação está tão caótica que João recupera o gênero do Apocalipse: uma linguagem simbólica para fugir da censura dos romanos, mas que fizesse sentido para os cristãos perseguidos.
Nesse particular momento, os cristãos começam a perder suas porque estão sendo cada vez mais mortos. Parece que Deus não está nem aí para eles. Mas, então, João vê o céu aberto! Esse texto me lembra outra passagem:
Então o Senhor disse: Eu tenho visto como o meu povo está sendo maltrado no Egito; tenho ouvido o seu pedido de socorro por causa dos seus feitores. Sei o que estão sofrendo. Por isso desci para libertá-los do poder dos egípcios e para levá-los do Egito para uma terra grande e boa. Ex. 3. 7 – 8.
Como em Apocalipse, o Êxodo trata de um momento em que o povo está sob a opressão de um império tirânico e Deus deixa muito claro que não longe lá no céu, mas que é um Deus que vê a opressão sofrida pelo Seu Povo, ouve as suas orações aflitas, conhece o sofrimento e, por isso, desce a fim de livrar o seu povo.
A visão de João remete a essa verdade: Deus vê a situação em que Seu Povo se encontra, Ele ouve a Sua oração, conhece o Seu sofrimento e não fica impassível, mas desce dos céus para livrar o Seu povo. João está lembrando à Igreja, que sofre por causa da opressão do Império Romano, que o Seu Deus não anda longe, lá no céu, mas se importa até o ponto de descer a fim de livrá-lo.
Jesus está lembrando que a história do povo não se passa longe da Sua direção e do Seu conhecimento, mas que apesar de todo sofrimento chegará o dia em que Ele intervirá a fim de livrá-lo e pôr fim a esta história.
Mas o texto dá alguns nomes ao Senhor Jesus, o cavaleiro que vem montado naquele cavalo branco. O primeiro desses nomes é Fiel e Verdadeiro.
A Palavra de Deus nos diz que Deus é Fiel, e ainda que sejamos infiéis, Ele permanece Fiel. Todas as pessoas podem variar de humor, podem voltar atrás em decisões, mas a Palavra de Deus nos diz que Deus não é homem para que minta. Deus não volta atrás do que Ele determina, no que Ele quer. Nele não há sombra de dúvida ou variação.
Além disso, dizer que Ele é Fiel e Verdadeiro, no texto, é dizer que Ele julga com justiça. Ele age com verdade, o julgamento dEle é justo, a ação dEle é perfeita, ainda que não possamos compreender todas as coisas envolvidas. Podemos crer e confiar que o Deus fala sobre nós se cumprirá, porque Ele mesmo é a Verdade. Sua Palavra é Fiel e Verdadeira.
Para o povo que estava sempre oprimido pelo Império Romano, era precioso saber que Aquele Cavaleiro era Fiel e Verdadeiro, e, por isso, julgava e combatia com justiça. Para nós é precioso saber que o Senhor não vive distante de nossos problemas e de nossas lutas. Ele não fica impassível diante do que sofremos, mas Ele descerá a fim de nos livrar. Combaterá com justiça e nos dará aquilo que estabeleceu para nós. Podemos crer integralmente nisso porque, afinal, Ele é o Fiel e Verdadeiro.

11.3.05

Do fundo do poço

Esperei com paciência pela ajuda de Deus, o Senhor. Ele me escutou e ouviu o meu pedido de socorro. Tirou-me de uma cova perigosa, de um poço de lama. Ele me pôs seguro em cima de uma rocha e firmou os meus passos. Ele me ensinou a cantar uma nova canção, um hino de louvor ao nosso Deus. Quando virem isso, muitos temerão o Senhor e nele porão a sua confiança.

Salmo 40. 1 – 3

Existem situações que nos paralisam e tiram do sério. Lutas terríveis que de tão difíceis que são, não conseguimos expressá-las ou explicá-las com muita clareza. Situações em que parece que chegamos ao limite, que estamos no fim da estrada.

É terrível se ver envolvido por uma lama densa, na escuridão profunda. Tentamos dar passos para sair dali, mas nem sabemos para que lado fica a saída nem conseguimos a firmeza necessária para caminharmos. Escorregamos. Caímos. Tropeçamos. Tudo parece perdido no fundo desse poço. Profundo poço que tira de nós qualquer perspectiva de que possamos escapar pelo mesmo buraco por onde caímos. Resta-nos um calmo desespero, do silêncio, da escuridão, dos passos incertos, da situação sem saída. Do choro mudo.

Calmo desespero porque logo percebemos que, quanto mais nos debatemos inutilmente, mais afundamos no charco em que nos encontramos. Se lutarmos muito com nossas próprias forças, o resultado será nos afogarmos nesse lamaçal. Se lutarmos com nossas forças, o resultado será fatal. O que fazer quando não há saída?

Anos atrás passei por uma situação assim. Sentia-me morto. Achava que tudo estava acabado. Fui mais fundo que podia sequer imaginar. Achava que em outros momentos já havia tocado o fundo do poço. Ilusão. O fundo do poço é sensação de morte iminente, nada na vida faz mais sentido, os sonhos foram destruídos, planos se acabaram. Tentava me mover para sair disso, mas como resultado afundava mais. Tentava andar em busca de uma saída, mas o chão escorregadio e inseguro em que estava me derrubava de novo. Sentia que ia me afogar. Sentia que seria o meu fim. Sentia o cheiro da morte iminente. Estava acabado.

Confesso que não tive muita paciência para esperar o socorro do Senhor. Mas não me restava outra coisa a não ser essa espera ansiosa. Não imaginava que a Palavra de Deus me pudesse ser tão real quanto naqueles dias. Quando estamos no fundo do poço, nos afundando e afogando nesse lamaçal, podemos esperar pacientemente: o Senhor virá em nosso socorro no momento oportuno.

Estava em uma cova perigosa, andando vacilante sobre a lama. Ele me tirou de uma cova perigosa, de um poço de lama. Ele me pôs seguro em cima de uma rocha e firmou os meus passos. Ele mudou a minha história. Estou certo de que Deus é capaz de fazer isso. Pôr os nossos pés sobre a Rocha firme. Possibilitar-nos a liberdade de movimento, o ar refrescante de fora do poço em que temporariamente nos encontrávamos. Aquela atmosfera viciada do lamaçal, pela ação do Senhor, dá lugar ao ar puro do Vento do Espírito, renovando nossas forças.

Quando estamos no fundo do poço, geralmente não conseguimos contemplar qualquer perspectiva de saída. Mas podemos esperar com paciência. Deus não muda e não nos abandona. Ele deseja pôr em nossos lábios uma nova canção em tributo à libertação que Ele sempre nos propicia. Ele deseja nos dar a liberdade para que disso testemunhemos com alegria. Ele nos livrará e quando virem isso, muitos temerão o Senhor e nele porão a sua confiança. Peça socorro ao único que pode fazer alguma coisa. Ele escutará. Ele responderá.

10.3.05

Crescimento

Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor.
Filipenses 2. 12

Tem gente que se converte, assume uma vida com Deus, certos compromissos com a Igreja, mas se põe em uma preocupante e delicada situação de total inércia. Para essas pessoas, o seu grau de comprometimento com a vida cristã se esgota na freqüência aos cultos e demais serviços da igreja, na prática de algumas virtudes e gestos cúlticos. E basta. Não há mais nada que almejam, nem outra coisa que seja necessária. Sua vida se resume a esse filme. E não lhe cobrem muito porque acredita que já faz mais que o suficiente.
Mas uma olhada na Bíblia vai nos mostrar o quão longe da verdade está essa postura. A vida cristã é uma vida dinâmica. O marco inicial da igreja foi o derramar do poder (dinamis) do Espírito Santo. Ser cristão e ter o Espírito é ser dinâmico, porque a dinamite do Espírito não pode nos deixar parados, quietos, estagnados. Por isso, a verdadeira vida espiritual cresce. Nossa espiritualidade nunca terá hoje a maturidade de ontem, nem amanhã a de hoje, se aprendermos a viver na dimensão do poder/dinamite do Espírito.
A verdadeira espiritualidade cresce. Não é estagnada nem se dá por satisfeita com o que já alcançou ou com que já tem. Cresce e busca ainda mais do Senhor e do Seu Poder. É preciso crescer e estar disposto para isso. É preciso, então, desenvolver a nossa salvação.
Dizer que é preciso desenvolver a salvação não significa, em absoluto, colocar nas mãos do cristão a responsabilidade por sua condição de salvo. Não significa que o homem possa fazer qualquer coisa ou que haja qualquer coisa em si que possa conduzir à salvação. Desenvolver a salvação é expressão que traduz a necessidade de crescimento na vida cristã. A verdadeira espiritualidade não se conforma em estar parada, mas quer sempre mais de Deus, quer sempre estar mais perto dEle, quer sempre maior intimidade. Quer crescimento.
A verdadeira espiritualidade deixa de lado as coisas que para trás ficam e caminha sempre na direção do alvo, em busca do prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Desse modo, crescer, desenvolver a salvação, significa pôr em prática a natureza de nova criatura salva. Há uma ênfase comunitária nesse processo: crescer na vida espiritual é viver de modo digno da vocação para que a igreja continue saudável.
O caminho da salvação foi traçado: Jesus morreu pelos nossos pecados. Quem nele crer será salvo. Aquele que crer e for feito nova criação em Deus buscará sempre uma vida de aprofundamento na santidade do Senhor. Se você se sente satisfeito com o que é e com o que tem, há algo errado. Mas há jeito e tempo para mudança.
Deus não definiu essas coisas para fazermos sozinhos. É Ele quem age através de nós. Porque é Deus quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade (Fp. 2. 13). Deus faz isso, criando em nós o desejo (tanto o querer) e agindo para torná-lo prático em nossas vidas (como o realizar). Ele nos deixa desejosos de crescer e obedecer e nos capacita para tanto. E age de acordo com a sua sempre boa vontade.
É da vontade de Deus que desenvolvamos a nossa salvação porque a verdadeira espiritualidade sempre cresce e sempre buscará o crescimento.

9.3.05

A injustiça da Graça

Dia desses eu conversava com uma jovem senhora. Ele me procurou após uma aula na Igreja para me interrogar a respeito do conceito cristão da Graça. O pastor havia falado há pouco que recebíamos todas as coisas de Deus por meio da Graça. Isso significava que não merecíamos nada que recebemos, mas vivíamos em uma nova dimensão de Graça em Jesus Cristo.

Aquela senhora não conseguia aceitar isso de modo nenhum. Primeiro, ela começava a achar que esse conceito de Graça é injusto, porque permite ao pior criminoso que se depare com ela ser restaurado e regenerado, passando a viver uma nova vida. Mais que isso: permite a esse sujeito ser salvo da morte eterna. Eu confirmei que, em certo sentido, a graça é profundamente injusta, já que preserva a todos nós que somos criminosos diante do Pai.

Nossa conversa foi ficando mais difícil quando eu lhe mostrei que nenhum ser humano é menos indescupável diante de Deus. Nenhum de nós é perfeito e a perfeição é o padrão exigido por Deus. Mostrei o que Tiago fala: Porque quem quebra um só mandamento da lei é culpado de quebrar todos (Ti. 2. 10). Desse modo, dizia eu, do ponto de vista de Deus eu e o pior dos criminosos que ela pudesse imaginar estávamos no mesmo patamar. Ela tentou argumentar, mas eu lhe mostrei ainda que Paulo, um homem reconhecidamente santo, um apóstolo, costumava se classificar como o mais miserável dos homens, o pior dos pecadores.

Essa conversa me fez pensar em algumas coisas. Mas a principal delas é a convicção de que uma verdadeira espiritualidade se admira com a Graça de Deus. Quando conhecemos o Senhor e olhamos para dentro de nós mesmos, é impossível não ficar repleto de admiração com a Graça do Senhor.

A nossa noção de justiça é retributiva. Por isso, quando vemos os nossos erros, muitas vezes, temos no coração a convicção de que a coisa certa que deveria acontecer era sermos punidos em nós mesmos pelas nossas faltas. Olhamos o que fizemos e ainda fazemos, e percebemos que cada falha, cada erro, cada pecado nos torna criminosos diante de Deus. Cada pecado nosso clama por justiça. Clama por punição. É impossível passar, nessas horas, sem se sentir absorto pela Graça. Mesmo que eu mereça a condenação pelos meus pecados, toda a condenação já foi cumprida por Jesus. Desse modo, não há mais condenação possível. Como posso aceitar passivamente isso? Os que não conhecem a Jesus vão, então, pagar penitências ou, se forem espíritas, esperar a purgação dos seus erros em uma outra vida.

Diversas vezes, em diversos momentos, cresce em meio peito um sentimento indignado de injustiça. Como Deus pode ser tão amoroso comigo? Como Ele pode me amar, apesar de quem eu sou? Como Ele pode me perdoar, a mim, tão pecador? Mas é assim. E eu não posso fazer nada, graças a Deus. Deus me ama de tal maneira que foi capaz de entregar Seu Único Filho, Jesus, para que morresse a minha morte a fim de que eu tivesse vida. Essa é a Graça Imensurável do Senhor.

A verdadeira espiritualidade se admira com a (injusta) Graça de Deus. Se deparar com o Senhor e experimentar a sua Graça, o seu Amor gratuito, o perdão imerecido, o seu toque de vida, leva-nos a uma vida de real espiritualidade. Um viva comunhão com o Senhor de toda terra. Firmada na Graça.

8.3.05

Somente da Cruz

Mas eu me orgulharei somente da Cruz do nosso Senhor Jesus Cristo. Pois, por meio da Cruz, o mundo está morto para mim, e eu estou morto para o mundo.

Gálatas 6. 14.

Quando Paulo lhes escreve, os gálatas estão enfrentando um problema bem específico. Os judaizantes, vindos de Jerusalém, estavam querendo pôr sobre os gálatas a necessidade de circuncidarem-se e seguirem a Lei apenas para propagandearem o seu próprio sucesso e a vanglória pessoal. Pregavam uma mensagem de sucesso e vitória, onde cristão não precisaria passar por lutas e por perseguições: era só se adequar um pouco ao padrão de vida aceito pelo mundo. Qual o problema de se fazer judeu, se isso vai evitar que soframos perseguição? Eram bem recebidos porque incitavam uma vida de tranqüilidade: Eles fazem isso somente para não serem perseguidos por causa da Cruz de Cristo (Gl. 6. 12). Desfeito o escândalo da Cruz, nem os judeus nem os gentios teriam motivos para perseguirem a Igreja.

Mas Paulo tem uma resposta incisiva e inquietante para essa pregação: Mas eu me orgulharei somente da Cruz do nosso Senhor Jesus Cristo. Pois, por meio da Cruz, o mundo está morto para mim, e eu estou morto para o mundo.

A primeira coisa que Paulo diz é que tem alguma coisa por que se orgulhar. Mas é algo muito diferente do orgulho e da vanglória manifestos pelos pregadores judaizantes. Se há alguma coisa pela qual Paulo pode sentir orgulho é pela Cruz. Para entender a profunda implicação disso, precisamos pensar no que significava morte de Cruz.

A crucificação era a forma mais cruel e torturante de execução promovida pelo Império Romano. Ao ponto de que cidadãos romanos, por pior que fossem seus crimes, não poderiam ser condenados à morte de Cruz. A Cruz era o tipo de morte daquelas pessoas que não eram consideradas gente por Roma. Era a morte de gente desqualificada. Após dias de agonia, a pessoa terminava morrendo sufocado pelo próprio peso que o impedia de respirar. Era uma forma humilhante de morte. Também do ponto de vista religioso, já que as Escrituras diziam que era maldito o que ficava pendurado no madeiro.

Há algum sucesso humano na Cruz? Há alguma glória e orgulho? De jeito nenhum. Na Cruz só se vê a derrota humana. Do ponto de vista do homem, nada podia ser mais humilhante e desqualificante do que a crucificação. Na Cruz há derrota do homem e há o pecado do homem. Para Paulo, a Cruz representa a morte de qualquer anseio por sucesso ou reconhecimento mundano.

A degradante e humilhante Cruz não é lugar para vanglória, mas nela se revela o nosso pecado e o quanto não somos merecedores de qualquer coisa que venha de Deus. A glória da Cruz de Cristo está na vitória de Cristo. Jesus venceu na humilhação e no abandono da Cruz. Diante da Cruz do Senhor, o homem é humilhado e Jesus é exaltado. Não há espaço para vanglória.

Paulo vai mais fundo ainda. Muito mais do que se orgulhar da Cruz de Cristo, ele se identifica com essa Cruz. Aquela não é apenas a Cruz do Senhor, mas é agora também a Cruz de Paulo, por meio da qual o mundo está morto para mim, e eu estou morto para o mundo.

Os judaizantes pregavam o sucesso mudano, como muitos pregadores eletrônicos de nossos dias. Paulo nega isso a tal ponto que se põe crucificado com Cristo, morto com Ele. Paulo se identifica com a humilhação de Cristo para poder participar da Sua vitória: Tudo o que eu quero é conhecer a Cristo e sentir em mim o poder da sua ressurreição. Quero também tomar parte nos seus sofrimentos e me tornar como ele na sua morte, com a esperança de que eu mesmo seja ressuscitado da morte para a vida (Fp. 3. 10 – 11). O caminho da glória e da vitória de Deus passa pela Cruz.

A mensagem da Cruz tem perdido adeptos em nossos dias. Ninguém quer saber mais de desafios e compromissos da comunidade do Crucificado. Vitória e sucesso são as únicas coisas que muitos de nós buscamos. Vitória e sucesso do ponto de vista mundano, traduzido em bênção, bens e boa vida.

Na perspectiva de Deus, vitória é, antes de tudo, realização através da comunhão com Deus. É realização antes de tudo, não bênçãos. É comunhão com o Senhor, não galardões. É o Reino de Deus, que é justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Rm. 14. 17).

7.3.05

Na dimensão correta

Pois a Lei do Espírito de Deus, que nos trouxe vida por estarmos unidos com Cristo Jesus, livrou você da lei do pecado e da morte.

Romanos 8. 2.

Agostinho dizia que havia um temor servil e havia um temor casto, enquanto enfatizava que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria. O temor servil seria aquele que faria, por exemplo, um ladrão passar-se por regenerado, não cometendo nenhum crime porque teria certeza de que seria apanhado e sofreria a pena devida. Se este homem tivesse uma oportunidade de cometer um crime que jamais pudesse ser descoberto, ele o faria sem pestanejar.

O temor casto, ao contrário, se fundamentaria no amor e na essência do caráter. Enquanto o primeiro faria o que é certo pelo temor de ser punido e sofrer as duras penalidades, o segundo age da maneira correta porque é a única que conhece. Este tem um temor casto que se firma no amor.

Agostinho aplica isso falando de nossa relação com Deus. De um lado, teríamos homens que vivem vidas corretas apenas pelo temor do castigo. Assumem a vida cristã porque temem o inferno. Se este não existisse, sua vida seria outra. Do outro lado, pessoas assumem seu compromisso unicamente por amor. Temem a Deus e O honram porque descobriram que não há nada mais precioso do que isso.

Essa reflexão sempre me faz pensar na relação entre moral e ética. Do ponto de vista da Cruz, a relação entre moral e ética estabelece três tipos de homens. O primeiro é o que vive na dimensão da moral. A Lei de Deus é algo que, externamente, lhe cobra um comportamento digno. Moralista e formalista, este homem leva, na aparência, uma vida correta. Faz tudo de acordo com os preceitos morais que regem a vida em sociedade e que, cremos, vêm da Lei de Deus. Mas sua vida é superficial. Não teve uma experiência pessoal que tenha transformado o seu interior. É cristão, mas muito provavelmente nem sabe o que isso significa no fundo de sua alma. Seu compromisso é moral. Faz as coisas que julga corretas motivado pelo medo. Nem só o medo da punição de Deus, mas principalmente por medo da punição da Igreja. Ouve a voz da Igreja dizendo o que fazer, porque não sabe ouvir a voz de Deus.

O segundo tipo de sujeito é o que faz a sua própria ética. Não se preocupa com leis morais, nem ouve ninguém. Seu único árbitro é a própria consciência. Faz o que julga o melhor para si, sem importar com suas conseqüências para outros. É o sujeito autônomo. Sua única Lei é a consciência. Não ouve a moral, mas também não ouve a Deus. O autônomo pode ser alguém que a sociedade julgue que vive uma vida correta, como também pode ser que não, já que ele não julga ter a responsabilidade de prestar contas com ninguém. Pode entrar na Igreja, mas mesmo aí nem ouvirá a Igreja nem muito menos ouvirá a voz de Deus. Só ouvi a si mesmo. Este é aquele de quem Paulo fala: Por isso as pessoas que têm a mente controlada pela natureza humana se tornam inimigas de Deus, pois não obedecem a Lei de Deus e, de fato, não podem obedecer a ela. As pessoas que vivem de acordo com a sua natureza humana não podem agradar a Deus (Rm. 8. 7 – 8).

O terceiro sujeito é o que foi alcançado pela graça transformadora de Deus. Não pauta sua vida nem pela moral, nem pela própria consciência apenas. Esse sujeito é aquele, que alcançado pela salvação de Cristo, vive na dimensão da qual fala Paulo: Pois a Lei do Espírito de Deus, que nos trouxe vida por estarmos unidos com Cristo Jesus, livrou você da lei do pecado e da morte (Rm. 8. 2). Esse tem a vida interior transformada pela Palavra de Deus. Ele não pode ouvir sua consciência apenas porque a sua consciência está marcada pela Lei do Senhor, a Lei do Espírito e da Vida. A Palavra de libertação e de serviço. A Lei de Deus não é externa a si, mas foi impressa com letras de fogo no Seu coração. Agora, Ele mesmo é conduzido pelo Senhor. Quando esse tempo chegar, farei com o povo de Israel esta aliança: eu porei minha lei na mente deles e no coração deles a escreverei; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo. Sou eu, o Senhor, quem está falando. Ninguém precisará ensinar o seu patrício nem o seu parente, dizendo: “Procure conhecer a Deus, o Senhor”. Porque todos me conhecerão, tanto as pessoas mais importantes como as mais humildes (Jr. 31. 33 – 34).

Esse sujeito transformado fica sem opção. A vontade, a Lei, a Palavra de Deus foi impressa na sua consciência. Ele conhece o Seu amor. Seu caráter está sendo transformado. Santificado, vive sua vida na dimensão da vontade de Deus. A Lei de Deus não lhe é exterior, por isso não vive na dimensão moral. Não dá ouvidos ao seu coração, marcado pelo pecado, mas a transformação interior de coração promovida pela Lei do Espírito da Vida, que imprime em sua consciência a Palavra do Senhor lhe dá uma dimensão de vida cristã diferenciada. É real. É transformada. Está na intimidade do Senhor.

O desafio do Senhor para nós é escaparmos das garras do moralismo e da autonomia. Lamentavelmente muitos dentre nós vivem na dimensão desse temor servil ou da independência total de tudo e de todos, como se não houvesse um Deus a Quem prestar contas. Mesmo dentro das igrejas cristãs. O desafio do Senhor é que abramos o coração, rasguemo-lo em arrependimento, e clamemos para que o Espírito nos marque a mente, o coração e a consciência com a Sua Lei e Palavra. Para que vivamos vidas libertas, na dimensão da intimidade do Senhor, conhecendo-O pessoalmente, buscando-O cada dia mais, se servindo com alegria e liberdade. Assim, ninguém precisará ensinar o seu patrício nem o seu parente, dizendo: “Procure conhecer a Deus, o Senhor”. Porque todos me conhecerão, tanto as pessoas mais importantes como as mais humildes. O desafio é descobrir e viver no temor casto, regido pelo amor, do Senhor. Que é princípio da sabedoria.

6.3.05

A Cruz

Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.

Mateus 10. 34.

Eu realmente acredito na relevância e possibilidade de um diálogo interreligioso, firmado no respeito mútuo. Isso para mim, no entanto, não deve significar qualquer perspectiva ecumênica ou que eu possa concordar, em absoluto, que todas as religiões sejam setas que apontem para o mesmo Deus. Na verdade, não acredito que qualquer religião faça isso, como também não acredito que ser discípulo de Jesus é se filiar a qualquer credo.

O problema é outro. Jesus não veio ao mundo para outra coisa senão a Cruz. A Cruz é espada, é divisão. A Cruz revela que a fé em Cristo é exclusivista. A relação com Deus unicamente acontece por meio da Cruz de Cristo. Não há outra possibilidade, não existem outros caminhos. A Cruz é divisão, separando a fé em Cristo de qualquer sentimento religioso. A Cruz transforma o discipulado do cristão e qualquer religião em opções auto-excludentes. Na Cruz, o cristão se distingue de qualquer fiel de qualquer outra religião. A Cruz é espada.

A hora de Jesus chegou na Cruz. A Cruz de Cristo é o julgamento do pecado humano. É a radicalidade do ministério dEle. Por isso, até concordo que perceberíamos que o ensino de Cristo se repete em outras religiões, mas o centro do ministério de Cristo e da revelação de Deus não estão aí: Essas coisas a gente encontra na Cruz. O mistério, do qual Paulo fala, está na Cruz. A Cruz é o centro de tudo, mais do que qualquer palavra. Ali, na Cruz, Ele levou sobre Si as nossas dores, os nossos pecados, o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele.

Isso não está disponível a todo homem. A Cruz faz separação, divide, é espada. Jesus mesmo disse: Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele CRÊ não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo. 3. 16). O que Paulo explica, escrevendo aos Romanos: Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo (Rm. 10. 9).

O problema do homem não é ensino, nem é moral. O problema do homem é teológico. O pecado nos afastou de Deus e nos condenou à destruição eterna. Deus proveu um meio de redenção: Jesus Cristo, o Seu Filho. Para isso, é preciso crer e confessar. Não adianta viver de maneira correta, sem tomar parte do sacríficio de Jesus, que é o Caminho único. Só se toma parte desse Caminho, desse sacrifício, crendo nEle e confessando a Ele.

Por isso, a Cruz e fé em Cristo são espada. Dividem os homens. Separam os discípulos de Jesus de todo e qualquer religioso. Quem assume o Caminho da Cruz se distingue e se exclui dentre os outros. O Caminho de Cristo é Caminho de separação e de divisão.

Por isso, pregamos esse Evangelho, que se resume em Cristo e este crucificado. Porque é a única esperança do homem de andar com Deus. Não é religião, mas o centro da vida e ministério de Jesus: a Cruz.