14.1.17

O Amor que salva

Vocês conhecem a graça generosa do Senhor Jesus Cristo. Ele era rico, mas deu tudo por nós. Tornou-se pobre para que nós nos tornássemos ricos.
2 Coríntios 8. 9


O nome do Amor é entrega.

François Varillon dizia que Deus é o Amor Todo-Poderoso e que Ele era capaz de fazer qualquer coisa que o Amor fosse capaz de fazer. O Seu Poder está restrito ao Seu Amor. Afinal, “Deus é amor” (1 Jo 4. 8), provavelmente a melhor definição conceitual de Sua Pessoa nas Escrituras.

Mas a melhor história de amor de Deus, que fatalmente confirma o Seu Amor Todo-Poderoso, é a Encarnação de Jesus.

Jesus é reconhecido pelos primeiros cristãos como Aquele em quem estava toda a plenitude da Divindade (Cl 2. 9), a perfeita semelhança de Deus (Hb. 1. 3) que montou sua tenda entre nós na pessoa de seu Filho (Jo. 1. 14). Deus só pode ser visto quando olhamos para Jesus.

Para viver essa história de Amor e de Entrega, Jesus se esvaziou de si mesmo (Fp. 2. 6-8). O seu esvaziar-se é sua entrega. Sua entrega é o Amor que salva.


Vocês conhecem a graça generosa do Senhor Jesus Cristo. Ele era rico, mas deu tudo por nós. Tornou-se pobre para que nós nos tornássemos ricos.


A salvação começa no Amor que se entrega e que, para se entregar, se esvazia. Era rico, mas deu tudo por amor a nós. Tornou-se pobre para que, pela graça, fossemos ricos do seu amor.

O Amor que salva é o amor que se entrega integralmente ao ser amado.

O Amor que salva é o amor que não tem por seu nenhuma coisa, mas vive em função do outro, para resgatá-lo, transformá-lo.

O Amor que salva é o amor que vê o outro em primeiro lugar. É o que toca o outro e, ao tocá-lo, muda o outro.

O Amor que salva é o amor que relativiza as leis, as regras e a moral em favor da vida do outro.

O Amor que salva é o amor que risca a terra e liberta a adultera - não só do seu pecado, mas especialmente do destino a que lhe reservou a lei escrita.

O Amor que salva é o amor que se torna impuro, tocando a mulher do fluxo de sangue, o esquife do filho da viúva, a mão da filha de Jairo - torna-se impuro pela cura e salvação.

O Amor que salva é o amor que faz no sábado o que a lei proíbe porque o sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado.

O Amor que salva é o amor que partilha a mesa com pecadores e a escória social, porque amor só é amor se amar aquele que ninguém mais ama.

O Amor que salva é o amor da entrega radical e absoluta, do esvaziamento completo, do empobrecimento em favor da vida do outro.

O Amor que salva é o amor que enche de graça o mundo. Enche de beleza, de paz, de liberdade, de inspiração, de amor.

O Amor que salva é o amor que nos impulsiona a irmos e fazermos coisas ainda maiores que essas.

O Amor que salva é o amor que nos faz amar - com entrega, esvaziamento, empobrecimento -, e, amando, vivermos mergulhados no Rio de Amor, que pode ser a nossa forma de conhecer a Deus.

13.1.17

Uma vida que não é pequena

A vida que Deus dá não é pequena: vocês é que a vivem de modo pequeno. Digo isso com franqueza e com grande afeição. Abram a vida! Comecem a vivê-la plenamente!
2 Coríntios 6. 12-13



O que é a vida e o que faz com que ela valha a pena?

Paulo nos diz que ela não é pequena - quando se apequena é por nossa própria responsabilidade. Temos a chave da porta que abre a vida para que seja vivida plenamente.

A vida verdadeira tem em si um toque de eternidade. Passamos a viver no mundo, no tempo, com a inspiração e o movimento em direção ao que é eterno. Ao Eterno.

A vida verdadeira é aberta quando podemos encontrar, perceber, vivenciar plenamente a Realidade Última da existência. Quando não fugimos, escondidos por máscaras ou por véus, nem de nós mesmos nem do Deus em Quem nos movemos e existimos.

A vida verdadeira se experimenta na transparência, no diálogo, na intimidade e no serviço. Quando plenamente assumimos o nosso quinhão nessa vida.

A vida amanhece e acorda, encontrando cor e coração, beleza e arte, quando se encanta com toda a magia da existência - de uma onda no mar ao choro de um bebê, quando percebe todos os traços da eternidade no ordinário, no cotidiano, no comum.

A vida é vivida plenamente quando pode ser impulsionada pelo Espírito de Deus, quando é alimentada pela fé em Jesus, quando vivenciada de verdade no mundo.

Ela é tudo e não é simples, mas pode ser encarada com mais simplicidade, com mais força, com mais graça, com mais paz.

A vida é o sopro de Deus no meio da existência. Ele fez isso segundo o relato do Gênesis para trazer à vida um corpo inanimado (Gn. 2. 7). Ele faz isso na visão de Ezequiel (Ez. 37, 9-10). E Jesus repete o gesto para insuflar o Espírito nos discípulos (Jo. 20. 22). O Espírito é o sopro da vida de Deus no meio da existência.

A existência é feita de limites. Somos limitados culturalmente, do ponto de vista da educação. Somos limitados em nossos corpos, em nossa alma. Somos limitados pela dor, pela doença. E temos o maior limite de todos diante de cada um de nós: a morte.

Viver uma vida plena, verdadeira, com toques da eternidade, é a forma de transcender a todos os limites. A beleza, a arte, o amor, a paz, a graça nos levam além.

O sopro de Deus é a garantia de que podemos abrir as portas da vida para vivê-la até além dos limites. O toque do eterno em nós é a certeza que temos de que a vida nos impulsiona e nos carrega para além de nós mesmos, para além dos limites, para além do que nos faz frágeis e pequenos.

A vida, o ministério, a morte e a ressurreição de Jesus nos asseguram que é possível ir além - ainda que ir além seja, de verdade, doloroso.

Que fujamos de nós. Que recebamos o sopro do Espírito. Que vivamos na dimensão de Jesus, indo além dos limites numa vida que signifique bem mais do que apenas experimentar uma existência neste mundo.

12.1.17

A morte foi derrotada

Finalmente foi a Morte derrotada pela Vida!
1 Coríntios 15. 54


O francés Michel Henry diz que a verdade do cristianismo não é o túmulo vazio, ou a encarnação, ou a morte de Jesus. Henry diz que a verdade do cristianismo é que homens e mulheres acreditaram que Jesus, morto na cruz no conluio entre religiosos e romanos, ressuscitou e está vivo. Há uma sutil diferença, mas uma diferença que pode impactar tudo: o fundamental não é o túmulo vazio mas a experiência de que Jesus está vivo.

Eu posso encontrar o túmulo vazio, posso comprovar a ressurreição e posso nunca ter a experiência de que Jesus está vivo.

Crer que a verdade do cristianismo é o fato histórico da ressurreição pode nos conduzir a uma desenfreada busca por encontrar provas de que ela houve. A possibilidade dessa busca racional me afastar da experiência espiritual com o Jesus vivo é concreta.

Crer que a verdade do cristianismo é a fé de que Jesus está vivo pode mudar nossas vidas. Sou cristão porque creio que Ele está vivo.

Ter a experiência de que Jesus está vivo é vencer a morte no dia a dia. Porque, “finalmente foi a morte derrotada pela vida!”

Impossível para mim não comparar tais questões ao meu recente quadro de saúde.

Pela quarta vez em oito anos eu vivenciei um ciclo depressivo - dessa vez, o mais grave, não apenas pela reincidência como também pelo enorme tempo que eu levei para iniciar um tratamento de verdade.

Entre setembro e novembro de 2016 a situação ficou ainda mais grave e eu confesso ter perdido as contas das minhas tentativas de morrer. Entrei em tratamento médico apenas no fim de outubro.

Sem muito esforço, ao esticar meus dedos, eu era capaz de tocar a morte naqueles dias. Sentia a minha vida frágil, por um fio, e foi muito difícil não sucumbir. A única imagem que me vinha como comparação da fragilidade de minha vida naqueles dias eram os últimos dias de vida de minha avó, em 2015, quando a gente via sua vida se esvaindo, e um pequeno fio cada vez mais frágil segurando-a por aqui.

A morte era vívida. E doía muito.

Como se sai desse cenário de morte?

O caminho é múltiplo (tratamento médico, psicológico, amor, amizade), mas todos eles apontam para o fato de que, em Jesus, a morte foi derrotada pela vida!

Lembro de um domingo, em um dos meus piores momentos, em que cheguei em uma igreja e escrevi um pedido de oração: Cura. Após o culto, fomos a uma lanchonete e comecei a me incomodar enormemente com aquela situação: tudo parecia muito vivo e divertido, mas para mim estava absolutamente sem graça. Sai de lá amaldiçoando a doença e dizendo a um amigo que não aguentava mais estar doente e achar sem graça momentos tão bons como aquele.

A vida estava chamando.

Dali por diante, a vida, e não mais a morte, me envolveu com seus braços amorosos.

A experiência de Jesus vivo, vencedor da morte, voltou a fazer sentido para mim.

Naquela noite, na minha vida, a morte foi derrotada.



A vida anuncia
que renuncia à morte
(Perdoando o Adeus, O Teatro Mágico)



11.1.17

Confiem em mim

Não permitam que esta situação os aflija. Vocês confiam em Deus, não confiam? Confiem em mim
João 14. 1



Minha filha de 7 anos, ao mesmo tempo que tem um fascínio, tem muito medo de animais domésticos. Em algum momento de seus primeiros anos de vida aquela admiração que toda criança tem por bichos foi substituída por um pânico desmedido.

Algum tempo atrás, quando eu estava morando e trabalhando em Fortaleza, ela sofria deveras na casa da família que nos apoiava por causa dos gatos. Era preciso que os pobres bichanos estivessem sempre trancados atrás de portas para que minha filha pudesse ter o mínimo de deslocamento no apartamento.

Certa ocasião, estimulamos seu contato com os animais. Uma das gatas é cega. Minha filha ficou sentada, segura, em um colo. A gata, cega e segura, em outro. Só assim a gata conheceu uma manifestação de afeto por parte de minha filha - num ambiente extremamente controlado e protegido por nós, adultos em quem ela confia.

Isso foi possível porque ela se sentia segura - tão segura que não fazia sentido ter medo nenhum. Só então pode enfrentar a situação.

É disso que fala Jesus:


Não permitam que esta situação os aflija. Vocês confiam em Deus, não confiam? Confiem em mim


Jesus nos convida a sentarmos em seu colo, a nos deixarmos ser protegidos por Ele, deixarmos que Ele nos envolva em seus braços e controle toda a situação. Nessa situação, como uma criança guardada no colo de seu pai, por que ficaríamos aflitos com quaisquer circunstâncias que nos envolvam?

Se vivenciarmos as piores circunstâncias, se formos ameaçados pelas piores aflições, se enfrentarmos as piores dores, se formos atacados das piores formas, se o pior acontecer conosco, o colo do Senhor fará enorme diferença.

Enfrentar o mal sozinho pode gerar aflições sem medida.

Enfrentar o mal estando nos braços do Senhor será como minha filha acariciando a gata cega de nossos amigos - não há mais motivo de ter medo porque toda a circunstância está sob controle, não por nós, mas pelo Senhor. E Ele é forte suficientemente para nos proteger.

Um dos passos para termos mais calma e condições de enfrentar as inevitáveis aflições que a vida nos traz é entender que estamos envoltos e protegidos pelo Senhor.

Nem sempre vamos perceber isso. Nem sempre vamos ver sua mão e seu colo a nos proteger.

Mas parte do nosso caminho de fé é saber disso mais e mais:


Não permitam que esta situação os aflija. Vocês confiam em Deus, não confiam? Confiem em mim

10.1.17

Não imponha seu relacionamento

Cultivem o relacionamento com Deus, mas não o imponham aos outros. 
Romanos 14. 22


Quando eu me tornei evangélico, duas décadas atrás, eu me tornei ainda mais chato do que já era. Não apenas pelo desejo de converter cada amigo e pessoa da família, mas pela forma de atuação que adotei para que isso acontecesse: "encontrei a verdade, logo você está no erro e precisa entender isso de uma vez, se não vai terminar no inferno”.

Agindo assim, eu ofendi amigos e familiares por mais de uma vez, inclusive minha própria mãe. De todos os modos, tentava impor a quem não queria meu modo de ver as coisas e de crer em Deus.

Eu, infelizmente, não era o único. Aliás, todos nós talvez conheçamos pessoas que seguem agindo de tal modo - e não apenas no âmbito evangélico. Conheço gente de diferentes formas de credo que se esforçam ao máximo para impor aos outros suas particulares formas de crença.

É provável que eu mesmo ainda me comporte assim.

Aos Romanos, Paulo diz


Cultivem o relacionamento com Deus, mas não o imponham aos outros.


Se é fundamental cultivar o relacionamento com Deus, também o é não impor a ninguém tal relacionamento. Podemos não agir como nos dias inquisitoriais em que a conversão forçada era condição de sobrevivência, mas fazemos parecido quando impomos a fé: “se não, você vai para o inferno”.

Cultive o relacionamento com Deus. O caminho é simples, ainda que possa não ser fácil: oração diária, meditação na Palavra de Deus, louvor e vida comunitária.

Ore diariamente porque a oração muda seu coração e é a oportunidade de estar mais perto diante do Eterno.

Leia e medite nas Escrituras, crendo que por meio delas o Senhor pode falar com você e instruir seu caminho.

Louve ao Criador, agradeça Suas obras, Seu cuidado, Sua presença, Sua santidade.

Mergulhe na vida com outros irmãos porque um amigo afia outro amigo (Pv. 27. 17)

Nenhum desses passos é fácil de dar, mas ninguém é capaz de cultivar relacionamento ou conhecer alguém sem gastar tempo com essa pessoa, até mesmo quando essa pessoa é o Eterno.

O que as Escrituras apontam é que esse relacionamento se estrutura no amor, vem do amor e conduz a mais amor. Por isso mesmo, não o imponham aos outros.

Aos Coríntios, Paulo deixa claro que o amor não combina com nenhum egoísmo - o que também significa que o amor nos conduz a nos preocuparmos primeiro com os outros.


O amor se preocupa mais com os outros que consigo mesmo.
1 Coríntios 13. 5



Quem se preocupa primeiro com os outros não pode pensar em impor nenhum tipo de padrão de pensamento ou comportamento individual a eles. Respeita-os e deixa-os livres, porque o amor é liberdade. “Ponham o interesse próprio de lado”, diz Paulo aos Filipenses (Fp. 2. 4).

Quando queremos impor nosso padrão de relacionamento com Deus aos demais provamos que fazemos isso por interesse próprio, egoísmo, porque nos consideramos a nós mesmos como superiores aos demais, nosso modo como correto, e convencer os outros é reforçar nossa posição egoísta.

O convite das Escrituras é simples: cultive o relacionamento com o Eterno e ame o próximo como a si mesmo. Quem ama não impõe, mas respeita a liberdade. Quem ama permite que o outro seja livre, tome suas decisões, faça suas escolhas. E quem ama importa-se com o real desejo do outro mais do que com sua própria vontade.

Cultive seu relacionamento com Deus e ame.

Deixe que ele cuida do resto.

9.1.17

Sem desistir

Não havia esperança, mas Abraão creu.
Romanos 4. 18



Harrison Odjegba Okene é nigeriano. Em 2013 ele foi o único sobrevivente do naufrágio da embarcação Jascon 4. Onze pessoas morreram.

Okene foi encontrado vivo 60 horas depois do naufrágio, tendo sobrevivido graças a um bolsão de ar em que ficou submerso.

Cozinheiro do barco, Okene orava: “Oh, Deus, pelo teu nome salva-me… sustenta a minha vida”.

Sua situação era, verdadeiramente, sem esperança.

A poesia do texto paulino, que vem de Abraão, que aponta para Okene e que nos estimula a cada um de nós, é que diante de situações sem esperança, ainda podemos crer na salvação de Deus. Como Abraão, Okene creu e soube prosseguir esperando e esperançando a libertação e a liberdade.

Duvido que você já não tenha estado neste lugar em que olha para todos os lados e não vê nenhuma saída, nenhuma possibilidade, que não se lhes apresente nenhuma esperança de salvação.

Será que você já se viu em um lugar tão apertado e sufocante quanto o que manteve Okene vivo por 60 horas? Você já sentiu que não poderia resistir mais e que, mesmo estando vivo até ali, mais cedo ou mais tarde aquele lugar seria sua tumba - ali você cairia morto?

Você já olhou para um cenário em que não havia nenhuma razão para continuar crendo, nenhuma esperança, que tudo apontava para a sua desistência?


Não havia esperança, mas Abraão creu.


Talvez seja esse o mais difícil dos exercícios de fé: crer contra todas as circunstâncias, crer mesmo que nada lhe dê motivo para acreditar, crer quando o cenário, as pessoas, o entorno dizem que isso é insensato, impossível, inviável.

Não cremos, nessas circunstâncias, porque nossa fé é uma crença imatura que funciona como pensamento positivo virando uma chave do universo para que o impossível aconteça.

Cremos, nessas circunstâncias, porque o único jeito de suportar a impossibilidade, a inevitabilidade, o fim certo é com fé. Cremos porque a fé é o que pode nos dar energia e força para lidar com tamanha dor. Cremos porque é a fé que nos liga à intimidade com Deus.

Não cremos porque estamos certos de que sempre seremos milagrosamente libertados, mas porque, como disseram os amigos de Daniel ao rei,


Sua ameaça não nos assusta. Se nos jogar na fornalha, o Deus a quem servimos pode nos salvar não só da fornalha como de qualquer outra coisa. E, mesmo que ele não o faça, não importa, ó rei. Ainda assim, não vamos servir aos seus deuses nem adorar a estátua de ouro que mandou erguer (Daniel 3. 16-18).


Mas por crermos, não desistimos. E, ao desistir, podemos ser surpreendidos porque as coisas não acabaram.

Já imaginou se Okene houvesse desistido na 59o hora de espera?

Quantos de nós já fomos alcançados por algo inesperado porque continuamos a crer?

E você imaginou o que teria perdido se tivesse desistido?

 

8.1.17

Que eu possa dançar

Põe uma música alegre para mim,
conserta meus ossos quebrados, para que eu possa dançar.
Salmo 51. 8



Com razão, boa parte das pessoas imaginam os religiosos, particularmente os cristãos, como pessoas sem graça, com dificuldades para se divertir, alienados da vida e do mundo.

Para muita gente, ser religioso é ser sério e severo, é ter pouco espaço para o sorriso, para o lúdico, para a celebração festiva. É ter a face rígida de Bento XVI e não o sorriso festivo de Francisco.

No mundo protestante isso talvez fique ainda mais evidente. Desde a Reforma, a severidade como característica da religiosidade cristã está em disputa. Parte da Reforma, por exemplo, abdicou da música, qualquer música, nos cultos e na vida.

Os protestantes norte-americanos que evangelizaram o Brasil impuseram às igrejas certas tradições completamente alheias aos nossos trópicos festivos. Até hoje parece muito anacrônico deparar-se com um púlpito repleto de ternos e gravatas, sem cor, sem brilho e sem ludicidade em nossas igrejas.

Parece anacrônica ainda haver gente que encara a festa e a dança como pecados.

O Salmo 51 é um cântico de confissão de pecados e pedido de restauração. A tradição o atribui a Davi, logo depois do adultério com Bate-Seba e o homicídio de Urias.

É no contexto de confissão de pecados que o salmista pede a Deus:

Põe uma música alegre para mim,
conserta meus ossos quebrados, para que eu possa dançar.


Enquanto as igrejas investem na severidade, no terno cinza, no rosto sem sorriso, o salmista pede a Deus que o perdoe (“conserta meus ossos quebrados”), ponha no som uma música alegre para que ele dance. O salmista reconhece em Deus a fonte do lúdico, da festa, da música, da dança, da celebração.

Tive grandes experiências com Deus reconhecendo minha cultura, a música que mexe no meu íntimo, a festa que diz respeito a mim.

Lembro de um divisor de águas em um dos tradicionais forrós que encerravam as reuniões da Fraternidade Teológica Latino-Americana. Ao som de “Espumas ao vento”, dancei com minha amiga Gidália. Deus tocou-me fundo: “esse é você e não fuja disso: você é do Nordeste, é do Forró, é da Festa”. Eu senti como se meu sangue pulsasse ao som da zabumba e do triângulo, uma experiência que mudou a minha vida.

O salmista vem da tristeza do pecado e pede a Deus que toque uma canção para que Ele dance. O perdão enche o coração de alegria, a restauração nos leva à festa, a cura nos faz dançar.

O DJ é o próprio Deus.

Fantástico isso, não?