6.8.05

O sustento

Não acabará a farinha da sua tigela, nem faltará azeite no seu jarro até o dia em que eu, o Senhor, fizer cair chuva.
1 Reis 17. 14

Sempre admirei o profeta Elias. A sua história traz uma série de detalhes que só servem para nos mostrar a grandeza de Deus ao mesmo tempo em que destaca a profunda humanidade de Elias. Este profeta é um sujeito capaz de, momentos depois de realizar uma grande obra para o Senhor, como o fez no monte Carmelo (1 Rs. 18), fugir em depressão para o meio do nada, tendo que ser resgatado por Deus em pessoa (1 Rs. 19). Instabilidade e humanidade maior seria impossível.
Elias aparece do nada no texto bíblico. Nem genealogia lhe é atribuída. Esse homem de Deus é simplesmente o tesbita, da região de Gileade (1 Rs. 17. 1). E aparece, com autoridade do Espírito, anunciando ao perverso rei Acabe que Deus estava trazendo, sobre Israel, uma seca de alguns anos, seca que durará até que eu diga para cair orvalho e chuva de novo (1 Rs. 17. 1).
Os dias de Elias são dias difíceis. Os fiéis podem ser contados nos dedos. O povo se desviou para seguir os cultos da fertilidade, com direito a orgias de todos os graus, em honra a Baal. No meio dessa profunda crise, Deus decide usar um homem desconhecido e, provavelmente, desacreditado. Sem família, sem genealogia, sem terras, sem bens, Elias, de um ponto de vista humano, não seria considerado muita coisa no contexto judeu. Mas é esse homem que o Senhor decide usar.
Mas aquilo que Deus quer aprontar para o Seu povo é de uma dureza tal que mesmo um fiel como Elias termina por ser vítima e alvo do mesmo castigo que é dirigido àquele povo de duro coração. Deus traz um período de seca e fome em Israel. E esse castigo deve ter despertado no coração do profeta a ansiedade ao pensar como será que ele mesmo conseguirá sobreviver sem água ou alimento.
É nessa hora que Deus ensina a Elias, e nos ensina por tabela, que é profundamente capaz de sustentar os fiéis nas mais inóspitas e complicadas circunstâncias. Deus mostra o Seu cuidado com o profeta providenciando um sustento sobrenatural em dois momentos nos anos de seca. Em primeiro lugar, o sustento maravilhoso da parte do Senhor se manifesta junto ao riacho de Querite. Ali Elias pode beber daquela água enquanto a seca não lhe esgota. E, mais maravilhoso, passa a ser alimentado sobrenaturalmente por corvos que lhe trazem carne e pão a cada manhã.
Depois que a estiagem seca o rio, Deus envia o profeta até a região de Sarepta onde ordenara que uma viúva, mãe de um filho único, lhe sustentasse enquanto durasse a seca. O grande problema é que aquela mulher não tinha muita coisa a oferecer. Aliás, desesperada da vida, ela diz ao profeta que vai comer o pouco que lhe resta com seu filho e esperar a morte. É nesse instante que Deus manifesta, mais uma vez, o Seu cuidado sobrenatural com o profeta. Não acabará a farinha da sua tigela, nem faltará azeite no seu jarro até o dia em que eu, o Senhor, fizer cair chuva.
Quantas vezes, olhando ao nosso redor, a única que conseguimos constatar é estiagem. E estiagem é sempre acompanhada de desolação e morte. Já temos falado disso em outros momentos. Olhamos para os lados e não conseguimos mais ver a Água da Vida gerando vida e frutos nas pessoas à nossa volta. Tudo seco, tudo morto, podemos nos desesperar porque nos sabemos fiéis, mas não conseguimos encontrar nenhum outro fiel com vida. A falta d´água ao nosso redor gera um ambiente e atmosfera de morte e dor.
A seca à nossa volta pode nos desesperar porque podemos acreditar que ela nos alcançará e matará. Não vemos possibilidade de sobrevivência em terreno tão inóspito. Como saciaremos a nossa sede nesse lugar? Como mataremos a nossa fome? Como poderemos sobreviver a tão terrível situação?
Tem dias em que me sinto assim. Como se o mundo à minha volta estivesse se acabando. Como se todo o sustento possível estivesse se esvaindo, sem que houvesse nada que eu fosse capaz de fazer para impedir. Aliás, parece que Deus mesmo gerou essa situação de morte à nossa volta. E me questiono como poderia sobreviver nesse ambiente? Se não consigo ver a ação do Espírito Santo, da Água da Vida, como posso matar minha sede espiritual? Se não consigo constatar a presença do Pão da Vida, como posso saciar minha fome de Deus?
É nessas horas que temos de lembrar que Deus sustenta os Seus fiéis. E de maneira sobrenatural. Em nenhum instante, nos três anos e meio de seca, Elias passou necessidade. Foi sustentado diretamente pelas mãos de Deus, através de corvos e através da viúva. Podemos crer que, mesmo que estejamos no ambiente espiritualmente mais inóspito, Deus é capaz de nos sustentar diretamente e de maneira sobrenatural. Não nos deixará perecer, mesmo que pareça não haver mais chances de sobrevivência.
Além disso, se dependermos dessa forma do sustento de Deus nas horas mais difíceis, é provável que estendamos a Sua bênção até que alcance outras pessoas à nossa volta. No meio da seca, sendo sustentados diretamente pela mão de Deus, podemos alimentar e saciar a sede de outros a nossa volta. O sustento de Elias em Sarepta também foi o sustento da viúva e de seu filho. A bênção de cuidado, de proteção e de vida que Deus derramou sobre o profeta, se estendeu também àquela mulher e seu filho. De igual modo, quando recebemos a vida do Senhor no meio do ambiente de morte em que muitas vezes estamos, é provável que outros possam ser abençoados conosco recebendo vida e sendo mantidos vivos pelo cuidado de Deus.
Os dias de Elias eram dias que pareciam dias de morte, dias de fim de história. Mas esse homem sem história entrou na história de Israel para fazer diferença. E começou por fazer diferença em uma pequena e sofrida família de Sarepta. Começou desafiando o poder inescrupuloso do rei Acabe. Começou sendo mantido e sustentado pelo próprio Deus. Não acabará a farinha da sua tigela, nem faltará azeite no seu jarro até o dia em que eu, o Senhor, fizer cair chuva.

5.8.05

Meu maior desejo

Que a sua felicidade esteja no Senhor! Ele lhe dará o que o seu coração deseja.
Salmo 37. 4

É claro que eu tenho sonhos e projetos para a minha vida, mas dia a dia não tenho feito outra oração, se não uma que cresce em intensidade: Senhor, não cumpre os meus sonhos, mas antes os Teus sonhos sobre minha vida! Digo isso logo de início porque é realmente assim que vejo o sentido deste pequeno verso do Salmo 37: Deus vai realizar o que o nosso coração deseja à medida que o nosso prazer estiver no Senhor, porque, então, o que nosso coração desejar será o desejo do próprio coração de Deus. Mais que isso. Na verdade só posso entender esse verso ter sentido se o sentido for afirmar que não devemos ter outro desejo em nosso coração a não ser o desejo de viver no prazer da companhia íntima do Pai. Que a sua felicidade esteja no Senhor! Ele lhe dará o que o seu coração deseja.
Obviamente, então, não posso acreditar que esse verso possa ser usado para que, de alguma maneira, afirmemos que Deus tem a obrigação de realizar qualquer dos sonhos que temos acalentado nas nossas almas. Na verdade, o único sonho que Deus se obriga a realizar nesse verso é o sonho de corações que desejem saciar a extrema sede e fome de andar em comunhão e intimidade do Senhor. O único desejo que podemos ver cumprido por esse verso é o desejo de corações que só queiram uma coisa na vida: mais e cada vez mais do conhecimento de Deus, Sua intimidade e o prazer de Sua companhia.
É isso que se expressa no louvor de Ana Paula Valadão:
Meu maior desejo é
Saber quem Tu és em mim
Preciso tanto Te conhecer
E responder ao Teu amor
Sei que posso alcançar
Teu coração com meu louvor

Nada vai me separar
Do Teu amor que está em Jesus
Em todo o tempo Te adorarei
Na alegria ou na dor
Sei que posso alcançar
Teu coração com meu louvor

Quero tocar-Te
Quero mover Teu coração
Quero atrair Teus olhos
Com a minha adoração

(“Quero tocar-Te”)

Nas horas em que me entrego ao maior desejo que minha alma pode ter, o próprio Senhor, abro mão de qualquer ansiedade que possa tentar me roubar a paz. Não é possível andar preocupado com qualquer coisa quando compreendemos e vivemos a dimensão de almas e corações que suplicam, cada dia intensamente, por estarem com o Seu Pai. Porque nenhum outro desejo, nenhuma outra preocupação são tão sérias que nos desloquem da certeza de que o maior prazer e felicidade que podemos constituir para nós mesmos é desejar, ardentemente e de todo coração, saber quem é o Senhor. Amar o Senhor em toda a Sua plenitude. Lançar-se aos braços de Pai tão amoroso. São essas atitudes que fazem de nós pessoas repletas da certeza de que nossos caminhos se encontram nas melhores mãos: as mãos de nosso Pai Celeste. Então, se o Seu amor é infinito por nós, se Seu poder é inigualável, se Ele sabe o que é melhor para nós, por que nos afligirmos pela realização de sonhos e desejos que Ele conhece tão bem e dirige de maneira melhor ainda?
Confie sua vida às mãos do Senhor, arda de desejo por Ele e só por Ele, e deixe o resto de lado. O seu coração terminará sendo moldado, ao ponto de que se questionará por que ansiar tanto por tanta coisa se o melhor já está conosco: a companhia do Pai? Aí, o maior desejo de nossos corações será, realmente, ter mais do Senhor e ser mais do Senhor. E dessa forma abriremos mão da vontade de decidir nosso caminho, sabendo que, como gosto de dizer, passaremos a ser como penas conduzidas pelo Vento do Espírito, cada vez mais ao centro de Sua vontade. Totalmente dependentes e entregues a Ele. Que a sua felicidade esteja no Senhor! Ele lhe dará o que o seu coração deseja.

4.8.05

Não correspondido

Vá e ame uma adúltera, uma mulher que tem um amante. Ame-a assim como eu amo o povo de Israel, embora eles adorem outros deuses e lhes ofereçam bolos de passas.
Oséias 3. 1.

Amo alguém que não me ama. Estou falando em romance mesmo. Um dia me percebi apaixonado e essa paixão começou a sufocar meu coração porque eu a sabia não correspondida. E é detestável um amor não correspondido. Como todo amor espera ser amado, você sofre quando não é. Isso já é dor profunda, que só piora quando olhamos de lado e vemos nosso amor sendo o amor de outras pessoas a quem tem amado.
Eu amo alguém que não me ama e tenho clamado ao Senhor que tire de meu peito este sentimento. Ninguém gosta de sofrer. Como a cada dia me convenço da inviabilidade deste romance – ela nunca me amará, mas amará outros –, tudo o que mais desejo é desistir desse amor. Porque conheço a dor lacerante de vê-la ao lado de outro, ou de pretender outro e preterir a mim. Não sou louco de querer sofrer. Quero desistir dela e desse sentimento. E logo, de preferência. Mas ainda a amo e sofro por esse amor não correspondido.
Sentimento semelhante podia ser encontrado em Oséias. Ele é um profeta interessante. O Senhor o chamou a sentir na própria pele a dor causada por um amor não correspondido, o amor do Senhor por Sua amada – o Seu povo. O chamado de Oséias era viver uma vida de metáfora do relacionamento de Deus com o Seu povo, amando uma mulher que não o amava. Do mesmo modo que temos experimentado amar uma mulher que não nos ama – e ama outros –, o Senhor sofre a mesma dor por nós, quando o deixamos de lado. Oséias falava com autoridade porque falava de algo que conhecia de fato: a dor da traição, do amor não correspondido.
A relação da Esposa com o Senhor, nesses dias de Oséias, era de pura formalidade e aparência. Como aqueles casamentos que já acabaram há bastante tempo, mas em que os cônjuges tentam manter uma vida de aparência. No caso de Israel, o povo mantinha seus rituais no templo, mas, ao mesmo tempo, estava traindo sua relação com Deus em cada um dos locais de culto pagão que podia ser encontrado no seu território. Tal coisa fica clara quando Deus fala ao povo o que realmente é necessário no relacionamento entre eles, em vez da formalidade ritualística: Eu quero que vocês me amem e não que me ofereçam sacrifícios; em vez de me trazer ofertas queimadas, eu prefiro que o meu povo me obedeça (Os. 6. 6). Nesse, como em qualquer casamento, tudo o que se quer é ser amado, não viver aparências.
O casamento do profeta era perfeita ilustração. Deus o mandou amar uma prostituta, uma mulher que o traía de noite e de dia. Mas, ainda assim, o profeta a amava: Por muito tempo, você vai esperar por mim. Durante esse tempo não se torne prostituta, nem se entregue a um amante. E eu também esperarei por você (Os. 3. 3).
Mas há uma enorme diferença entre os nossos amores não correspondidos e o amor de Deus por um povo que só lhe vira as costas. Eu quero desistir. Eu quero abandonar tudo. Não vale a pena cultivar um amor que não dará em nada. Mas Deus não faz assim. Ele nunca desiste de Seu povo amado. E o livro de Oséias também conta essa história. Mesmo que, de início, os nomes dos filhos do profeta traduzam o sentimento de Deus com o Seu povo, isso vai mudar. Oséias tem uma filha e é obrigado a chamá-la de Não-Amada, porque não terei mais amor pelo povo de Israel e não o perdoarei (Os. 1. 6). Em seguida lhe nasce um filho: Ponha no menino o nome de Não-Meu-Povo, pois o povo de Israel não é mais o meu povo, e eu não sou mais o Deus deles (Os. 1. 9). Mas isso não é definitivo, porque Deus, ao contrário de mim, não desiste de um amor não correspondido: E eu amarei aquela que se chama Não-Amada; para aquele que se chama Não-Meu-Povo eu direi: “Você é o meu povo”, e ele responderá: “Tu és o meu Deus” (Os. 2. 23).
Estou apaixonado, como Oséias, por uma mulher que se recusa a me dar o seu amor. É triste, doloroso, terrível, porque fomos feitos para amar e sermos amados. Por isso, tudo o que peço a Deus é a remoção deste sentimento da profundeza de meu coração.
Ainda bem que Deus não pensa como eu a respeito do Seu amor, tantas vezes não correspondido, por nós. Seu amor é puramente gratuito, eterno e profundamente apaixonado. Por isso, luta sempre para conquistar o povo a quem ama. Por isso, Ele jamais vai deixar de amar Sua Esposa Amada. Jamais vai parar de lutar por mim e por você, porque é profundamente apaixonado por nós: Quando Israel era criança, eu já o amava e chamei o meu filho, que estava na terra do Egito. Porém, quanto mais eu o chamava, mais ele se afastava de mim. O meu povo ofereceu sacrifícios ao deus Baal e queimou incenso em honra dos ídolos. Mas fui eu que ensinei o meu povo a andar; eu os segurei nos meus braços, porém eles não sabiam que era eu que cuidava deles. Com laços de amor e de carinho, eu os trouxe para perto de mim; eu os segurei nos braços como quem pega uma criança no colo. Eu me inclinei e lhes dei de comer. (...) Israel, como poderia eu abandoná-lo? Como poderia desampará-lo? Será que eu o destruiria, como destruí Admá? Ou faria com você o que fiz com Zeboim? Não! Não posso fazer isso, pois o meu coração está comovido, e tenho muita compaixão de você (Os. 11. 1 – 4 e 8).

3.8.05

Não é o fim

Se o Senhor estivesse aqui, o meu irmão não teria morrido!
João 11. 21 e 32

Estou relendo um livro que vai ser resenhado por meus alunos de Introdução à Bíblia: Jesus antes do cristianismo, de Albert Nolan. Desde a primeira vez que o li, fiquei fascinado com a sua simplicidade e delicadeza em tratar de questões exegéticas e teológicas que, em geral, são polêmicas. Mas essa discussão se transmuta, no texto deste frei sul-africano, em uma gostosura de se ler tremenda.
Nolan discute, em certo ponto, acerca de milagres. E uma das posições se conforma com aquilo que estive pensando em partilhar hoje: O mundo é criação de Deus e qualquer coisa que aconteça no mundo, comum ou extraordinária, é parte da providência de Deus. (...) Na Bíblia, milagre é fato extraordinário entendido como extraordinário ato de Deus, uma de suas obras poderosas. (...) O mundo está cheio de milagres para quem tem olhos para vê-los (pp. 55 – 56). Olhos para ver! Tenho repetidas vezes falado aqui sobre olhos para ver o milagre que Deus quer fazer e está fazendo em nossas vidas e ao redor de nós. Muitas vezes não nos falta outra coisa que não a capacidade de vermos.
Para mim, esse parece o caso de Marta e Maria. Elas não se tocam da parcialidade de sua capacidade de visão espiritual. Se o Senhor estivesse aqui, o meu irmão não teria morrido! Ambas sabem que estão diante do Filho de Deus, poderoso para ter evitado a morte de seu irmão. Mas sua visão é por demais parcial. Elas não conseguem perceber outra coisa se não que tudo tenha acabado. A fala de Marta e Maria para Jesus é que tudo acabou. Seu irmão está morto e não há mais nada a fazer, a não ser chorá-lo.
Estive pensando hoje sobre isso, como dizia. Tem dias que a gente olha de um lado a outro e percebe que tudo acabou. Olhamos em volta, em busca de nossos planos, nossos sonhos, nossos desejos, nossa vida e só encontramos a impressão de que tudo chegou ao fim, de que não há mais nada a ser feito, a não ser chorar e enterrar os mortos. Como aquelas duas mulheres, só conseguimos dizer: Se o Senhor estivesse aqui, o meu irmão não teria morrido!
Pior é quando, estando esmagados e feridos, em busca de qualquer esperança, ainda não totalmente destruídos em nossas expectativas, vêem até nós amigos e irmãos para nos dizer que tudo acabou. Em vez de palavras de ânimo, eles nos trazem a notícia do fim, do não. É uma terrível experiência ter a companhia de pessoas que querem nos contaminar com a sua própria miopia espiritual. Dizem que há um não definitivo imperando contra nós. Não podem perceber que Deus está aí, pronto a agir, pronto a fazer o milagre. Não esperam mais nenhuma intervenção divina. Mas o mundo está aí, repleto de milagres a ponto de acontecerem diante de olhos que os queiram ver.
Marta e Maria estavam míopes. Não podiam perceber o contra-senso de sua lamentação. Ora bolas: se Jesus era poderoso para evitar a morte de Lázaro, porque não o seria para ressuscitá-lo? O seu irmão vai ressuscitar! (Jo. 11. 23). Incrédula e míope, Marta responde saber que ele vai, mas apenas no dia final. Não era disso que Jesus estava falando, mas ela não conseguia perceber. Estava diante do Deus de todo Poder, mas não conseguia perceber o significado disso tudo: Eu sou a ressurreição e a vida (Jo. 11. 25). Jesus não poderia ser mais explícito. O poder da vida está em Suas mãos porque Ele mesmo é Sua fonte. Ele pode ressuscitar quem quiser porque Ele mesmo é a Ressurreição! Ele é o Poder de Deus. Ele é a Glória do Senhor. Ele é o Soberano. Tem o universo e suas leis nas mãos. Não há impedimentos contra Ele, nem qualquer “não” definitivo. Deus estava ali em Jesus: não era o fim da história. Marta parece, finalmente, começar a compreender: Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim nunca morrerá. Você acredita nisso? Sim, Senhor! – disse ela. – Eu creio que o Senhor é o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo (Jo. 11. 25 – 27).
No decorrer do texto, fica claro que Jesus abre os olhos das duas mulheres, tirando-as da miopia espiritual. Elas agora podem ver o milagre acontecer ante seus olhos: Eu não lhe disse que, se você crer, você verá a revelação do poder glorioso de Deus? (Jo. 11. 40). E Jesus ressuscitou Lázaro.
Não acredite sempre que lhe disserem que o fim chegou. Enquanto não houver uma palavra de Deus dizendo que é não, não se deixe levar pela miopia que lhe cega os olhos para ver o milagre de Deus acontecendo, a manifestação do poder glorioso de Deus. Deus tem um milagre para realizar em sua vida. Ele quer realizar um ato extraordinário sobre toda situação que não inspira mais confiança ou esperança. Ele espera por olhos que possam ver o milagre. Ele quer abrir esses olhos. É hora de crer e esperar. Não se deixe levar pela fala daquelas duas mulheres: Se o Senhor estivesse aqui, o meu irmão não teria morrido! , pois ainda não é o fim.

2.8.05

Confissão

Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e façam oração uns pelos outros, para que vocês sejam curados.
Tiago 5. 16

Em dezembro de 2000 fui apresentado a uma dor que logo eu descobriria chata e constante em minha vida. Era uma dor no nervo ciático, dor que irradia pela perna, passando pelo músculo glúteo. Após muitas idas e vindas, descobri que era causada por uma protrusão discal, uma espécie de deformidade do disco vertebral que pressiona o nervo, causando a dor. Essa dor foi ininterrupta, sem exageros, de dezembro de 2000 até agosto de 2001.
Nestes meses, não houve uma hora, um momento, um instante sequer em que eu não a sentisse. Às vezes em maior intensidade, às vezes em menor intensidade, mas a dor sempre estava lá. Limitando os meus movimentos e as minhas condições de vida. Cansando-me e provocando uma tremenda irritação.
Lembro de uma noite em que, saindo do seminário com uma colega, íamos assistir a uma peça de teatro, mas o ônibus atrasou por horas. Em pé, no terminal de Parangaba em Fortaleza, a dor só aumentava. Voltei para casa quase sem movimento. Subi ao meu quarto, sentei e chorei. Não porque a dor provocasse o choro de tão insuportável, mas porque eu não suportava a sua constância, a sua presença ininterrupta. Aquela dor estava me vencendo. Eu estava perdendo todo o prumo, toda a paciência.
Eu me desentendi com vários colegas por causa do meu ciático. Ele me tirava do sério, me estressava, me perturbava. Não conseguia manter um nível de vida e de paz de espírito satisfatório. A dor me abatia e me irritava.
A protrusão é uma doença anatômica que não possui outro tratamento se não fisioterapia, anti-inflamatório e analgésico. Há mais de um ano eu não sentia nem sequer um resquício dessa dor, mas depois de minhas viagens de carro nos últimos três dias, amanheci hoje com meus movimentos novamente limitados por causa do ciático. E lembrei de todo meu sofrimento de quatro anos atrás.
Essa dor física é terrível. Rouba-nos a paz e a paciência. Transtorna tudo. Mas não se compara à dor emocional causada pela culpa. A culpa fere com intensidade e com persistência o nosso próprio interior, a nossa alma. Qualquer um sabe que não existe pior dor que a dor na alma. Nenhuma dor física pode se comparar ao sofrimento causado pelo dor emocional. E muitas dores físicas são decorrências de dores da alma.
A culpa é a principal dor que carregamos na alma. Como a minha dor ciática, ela limita os movimentos, rouba a nossa paz, tira a nossa paciência. Irrita, causa limitações de condições de vida e de movimento. E não há um instante que ela nos dê trégua. Dói sem parar e persistentemente, ainda que apareça hora com maior, hora com menor intensidade. Tendemos a nos desesperar, especialmente quando nos vemos inconscientes de suas causas, quando não conhecemos o tratamento.
Quem está me lendo e sabe do que estou falando, entenda que não falo acerca de perdão ou da falta dele. Falo sobre o sentimento de culpa. Muitas vezes cometemos pecados que, por algum motivo, consideramos mais sérios ou mais profundos. Às vezes, nos achegamos aos pés da Cruz, confessando-os. Até recebemos uma palavra que nos garante o perdão de Deus. Mas nada disso é suficiente para nos tirar o sentimento de culpa. Que fica lá, nos ferindo, provocando doenças emocionais ou mesmo físicas.
O remédio apropriado foi receitado por Tiago: Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e façam oração uns pelos outros, para que vocês sejam curados. Acredito que existe pelo menos duas razões para que tenhamos de confessar nossos pecados a outras pessoas para nos sentirmos perdoados e sermos, assim, curados. O primeiro desses motivos é que precisamos ouvir de alguém, que não nós mesmos, que Deus pode nos perdoar e nos amar mesmo depois de termos pecado “tão gravemente”, como queremos entender. E ouvimos isso ao mesmo tempo em que esse alguém a quem confessamos consegue provar essa realidade ao se mostrar amoroso, perdoador e misericordioso conosco. Sabemos que somos perdoados e nos livramos do sentimento de culpa quando recebemos do amor de Deus através da vida dos irmãos. Não se trata de receber o perdão diretamente, mas a cura do sentimento de culpa. No fundo, tendo confessado a Deus o nosso pecado, já fomos perdoados. O nosso problema é não acreditar nisso até que o amor de Deus se manifeste por meio de alguém aos nossos corações, através do perdão e da graça liberados pela oração de alguém, que nos ama e nos cura.
Em segundo lugar, confessar nossos pecados aos outros é descobrir que todos estamos no mesmo nível. Porque quando abrimos o nosso coração carregado a outras pessoas, abrimos também a possibilidade de diálogo e, surge assim, um canal de comunicação de mútua confissão e mútuo apoio. Sentimo-nos perdoados, então, porque nos vemos como parte de um corpo de comunhão composto por não só um pecador, mas por vários que são resgatados pela mesma ação de graça de Deus. Confessar os pecados uns aos outros é colocarmo-nos todos no mesmo patamar, no mesmo lugar de relação de Deus, como alvos sempre constantes e dependentes de Sua graça e Seu amor. É colocarmo-nos em nossa real condição: nenhum de nós é melhor que ninguém; somos todos pecadores miseráveis, carentes da graça e do amor de Deus.
A culpa é dos piores problemas que podemos carregar. É das piores dores que, muitas vezes, somos obrigados a suportar. É uma dor da alma, dor emocional, que pode, de repente, se somatizar. É dor que angustia e contra a qual tantas vezes necessitamos de um remédio definitivo que nunca vem. Confie na graça de Deus. Saiba que Deus já o perdoou. E procure o remédio receitado por Tiago: Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e façam oração uns pelos outros, para que vocês sejam curados.

1.8.05

Esperança

O toco representa um novo começo para o povo de Deus.
Isaías 6. 13

Às vezes tenho a impressão, lendo a Bíblia, que a história da salvação, da relação entre Deus e o homem, é a história de novos começos. Parece que a palavra mais constante nessa relação é esperança. Na verdade, a Palavra de Deus - Deus se comunicando com o homem - é esperança.
Dia desses sonhei que um homem vinha até mim e me mandava dizer um monte de coisas a uma amiga. Quando argumentei que não conseguiria me lembrar de tantas palavras, uma vez que tinha consciência de que estava dormindo, o homem me dizia que o fundamental era que me lembrasse de dizer a ela que Deus é capaz de fazer todas as coisas novas por meio de Sua Palavra. E me gritou isso aos ouvidos repetidas vezes para que não tivesse risco de esquecer.
A relação de Deus com o homem, com o Seu povo, é pautada pela esperança e pelo recomeço. Deus sempre se revela um Deus capaz de recriar todas as situações, de refazer todas as circunstâncias, de derramar Suas bênçãos de restauração plena em cada momento, a cada hora. Desde o instante em que cria e considera tudo bom, o Senhor estabelece Seu padrão. Dali em diante, Sua ação em favor do homem sempre visará que essa boa ordem original venha a ser constantemente restaurada. Por isso, quando o homem cai imediatamente o plano de redenção é posto em marcha. Até que venha, na plenitude dos tempos, o próprio Deus encarnado, o Emanuel, Jesus Cristo como consumador deste plano.
Isaías 6 relata a vocação do profeta. Seu chamado é duro e difícil. Ele será enviado a um povo que não o ouvirá. Ele sabe que sua pregação não trará resultados visíveis. Será, aparentemente, infrutífera. Um tanto angustiado, o profeta questiona ao Senhor: Até quando isso vai durar? (Is. 6. 11). O Senhor lhe diz que o povo não ouvirá antes que as cidades sejam completamente destruídas e fiquem desoladas, sem morador algum. Uns poucos restarão. Um toco de carvalho (Is. 6. 12 – 13). É desse toco que a história da salvação continuará. Ele será sempre a esperança de restauração e recomeço.
Fiquei pensando hoje sobre isso, enquanto viajava pelo sertão do Rio Grande do Norte. O sertão é uma paisagem terrível a maior parte do tempo. Olhamos de um lado a outro e vemos uma certa desolação. Ficou vívida em minha mente uma imagem desta tarde, quando voltávamos de Mossoró. Muito calor, o sol a pino, pouco verde e poucas sombras. No meio desse cenário, algum gado esparso aqui e ali. Em uma dessas propriedades à beira da estrada, um grupo de umas dez vacas e touros se espremia sob a sombra de uma árvore ressequida. Fiquei pensando naquela desolação que beira o desespero. Fiquei pensando que muitas vezes nossas próprias vidas aparentam se encontrar em desolações semelhantes. Desesperos parecidos.
A mensagem da restauração, da esperança, do recomeço é, muitas vezes, tudo o que precisamos. Nossas vidas estão desoladas. Sonhos foram frustrados. Planos destruídos. Parecemos um deserto sem vida, uma cidade sem muros. Somos, muitas vezes, homens e mulheres sem esperança, sem futuro. Nesses momento é fundamental ouvir a Palavra da Esperança e do recomeço.
Se tudo parece destruído, se tudo parece acabado, Deus mantém um toco a fim de recomeçar mais uma vez Sua história de bênçãos em nossas vidas. Há momentos em que precisamos ser levados ao fim de tudo, ao fundo deste poço, para podermos iniciar o caminho de volta. Há momentos em que precisamos ser deixados apenas no toco para reaprendermos a depender da graça, do milagre e do cuidado de Deus. Há momentos em que precisamos ser conduzidos até a devastação total para que possamos compreender nossa necessidade de recomeço.
Nessas horas, é claro, nos comportaremos como aquele grupo de reses que vi nesta tarde. Vamos querer nos agarrar em qualquer sombra, em qualquer proteção, por mais falível que possa parecer. Vamos nos desesperar algumas vezes. Precisamos relembrar que a história da relação de Deus com o homem e conosco é uma história de recomeço e esperança. Precisamos nos agarrar com fé a isso, à esperança da Palavra de Deus. Palavra que refaz todas as coisas, que é capaz de fazer coisas novas todos os dias em nossas vidas. Por mais complicado que seja o momento, por mais difícil que seja a situação, lembre que a Palavra de Deus é a esperança. E ainda que reste apenas um toco, Deus não deixará de dar a mim e a você um novo começo, cheio de esperança. O toco representa um novo começo para o povo de Deus.

31.7.05

Em mil gerações

Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniqüidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração!
Êxodo 34. 6 – 7

Minha reflexão hoje é muito mais um testemunho acerca do que vivi nesses dois dias no seio de minha família em Recife. Aliás, é um testemunho acerca da fidelidade da promessa e do cuidado do Senhor.
Fui ontem até Recife, voltando agora há pouco, a fim de celebrar os oitenta anos de minha tia paterna Honorina. Festa bonita, a iniciar da reunião da família. Minha tia, certamente, é aquela árvore plantada junto a ribeiros, que dá o seu fruto sempre. Dentre seus filhos, netos e bisnetos, encontramos pastores, missionários. No Brasil, na Espanha e nos Estados Unidos. Todos se reuniram este fim de semana em Recife.
O momento mais marcante para mim foi o almoço deste domingo em uma chácara alugada em Aldeia, próximo a Recife. Antes de servirmos a refeição, Ana Maria, filha de minha tia, conduziu um momento devocional. De início, aquele enorme grupo com mais de sessenta primos, irmãos, parentes, cantou, qual um enorme coral, “Justo és Senhor”, hino do Cantor Cristão. Vozes divididas, celebração de coração íntegro. De repente me dei conta da emoção do momento. Aqueles todos, ramos da mesma família, com histórias diferentes e caminhos diferentes, serviam ao mesmo Deus. Estávamos ali muito mais como irmãos no sangue de Cristo. Mesmo primos que nunca haviam se visto partilhavam da mesma fé.
Fiquei pensando em mim, cuja trajetória de vida é completamente diversa do resto da família. Ainda assim, em um momento na minha história o Senhor manifestou a Sua eleição em minha vida. E estava ali, cantando ao Senhor com meus parentes. Com coração unânime. De repente, emocionado, pude perceber que vários de meus primos e tios choravam. Não é fácil deixar de se emocionar quando se percebe a fidelidade do Senhor sobre Suas Promessas.
Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações. O Senhor guarda a misericórdia em mil gerações! Nesta tarde, fiquei pensando sobre essa fidelidade que alcançou esta família. O Senhor honrou sua promessa de misericórdia sobre meus avós e seus muitos descendentes.
A história, segundo me contaram, começou com um filho de um primeiro casamento de meu avô, o tio Olimpio. Desde os anos 30 ninguém tem qualquer notícia dele. Mas, antes de desaparecer, ele evangelizou meus parentes, enviando Bíblias e folhetos pelo correio. A graça de Deus alcançou, dessa forma, a minha família.
Creio na fidelidade da Palavra. E tive prova disso hoje. Estavam ali cinco gerações de servos do Senhor em ramos diversos da mesma família. Desde a minha tia-avó Neném, até o bisneto de minha tio Honorina, o espanholzinho Juan Marcos. Todos podendo agradecer a justiça do Senhor:
Justo és, Senhor, nos teus santos caminhos;
És digno em todas as tuas obras.
Eis, perto estás de todos os que te invocam,
De todos que te invocam em verdade.
Aleluia! Aleluia!

O Senhor tem promessa de bênção sem medida sobre as famílias da terra. Como o crente Abraão, cada uma de nossas famílias pode usufruir das riquezas das bênçãos que o Senhor longânimo e misericordioso quer derramar em Cristo Jesus.