5.3.05

Quem é este?

Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?

Marcos 4. 41.

Quem é Jesus? Acredito que esta seja uma das perguntas mais importantes que o ser humano pode fazer nos dias atuais. No meio da nossa complexidade cultural e religiosa, cada um tem uma opinião acerca de quem é Jesus. Para uns, Ele nem sequer existiu. Os que acreditam que Ele tenha existido se dividem entre os que atribuem algum significado religioso à sua vida e aqueles que O vêem apenas como um líder político, morto pelos poderosos por causa de suas idéias revolucionárias. Entre os religiosos, espíritas vão acreditar que Ele era um espírito superior, os muçulmanos e os judeus, um grande profeta. Os cristãos vão afirmar com Pedro que Ele o Cristo, o Filho do Deus vivo. Mas essas posições não são tão importantes quanto aquela que cada um de nós precisa tomar, pessoalmente. A pergunta decisiva é Quem é Jesus para você?

Jesus dorme no barco, descansando. Um vendaval está a ponto de naufragar o barco. Os discípulos, já irritados com indolência do Senhor, O acordam: Não te importa que pereçamos? Vamos morrer aqui e o Senhor nem liga? Eram homens que já andavam com Jesus há algum tempo. Já tinham visto milagres, já tinham ouvido a pregação de Jesus. Mas parecem que ainda não tinham entendido quem era Ele. O barco está afundando e eles se irritam com o Mestre. Que se levanta, dá ordem ao vento e ao mar, e se faz bonança.

Agora sim, parece que a ficha está caindo. Agora os discípulos põem a mão na consciência e se questionam sobre Quem é Jesus. Agora eles percebem a importância de terem uma resposta pessoal a essa pergunta. Quem é Jesus para você? Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?

O livro de Marcos gira até o capitulo 8, quando Pedro faz a sua confissão (Tu és o Cristo – 8. 29), em torno de uma coisa que os especialistas chamaram de segredo messiânico. Jesus esconde Sua identidade o máximo que pode. E, até por causa disso, repete-se inúmeras vezes a pergunta sobre quem é Ele. Quem é este? Essa repetição me conduz a refletir sobre quem é Jesus para nós. Quem é Jesus para mim?

Para mim, Jesus é, em primeiro lugar, alguém que não dá todas as respostas. Pode soar estranho e até herético, mas eu acredito nisso. Não é que Ele não tenha, mas Ele não dá todas as respostas. Lembre da história da mulher siro-fenícia correndo atrás dele, pedindo que curasse sua filha, mas Jesus não lhe respondia (Mt. 15. 23). Ao contrário de algumas religiões que existem por aí, como o espiritismo, que tenta dar resposta a todos os questionamentos do homem, Jesus não dá todas as respostas. Muitas vezes, Sua resposta é o silêncio. Em alguns momentos, as palavras não resolvem e só resta o gesto amoroso de Jesus na cruz como resposta. Mas, enfim, Jesus não dá as respostas.

Depois, Jesus é alguém que não resolve todos os problemas. As religiões da prosperidade afirmam por aí que em tal ou tal culto, com este ou aquele ritual, Jesus vai fazer o milagre na vida das pessoas. Como se Jesus resolvesse todos os problemas a partir do instante que a pessoa se torna cristão.

Se prometeram a você, ao vir a Jesus, a solução de todos os problemas, ou que você não teria mais problemas nem enfermidades, você certamente se frustrou. Você veio a Jesus, mas continua cheio de problemas. Nos seus dias na Palestina, Jesus não resolveu os problemas de todos: não curou todos os doentes, não ressuscitou todos os mortos. Ele não promete resolver todos os problemas, mas sim que vai estar conosco, enquanto os enfrentarmos.

É por isso que eu creio que Jesus é alguém que traz toda a esperança. Posso não ter todas as respostas. Posso não ver solucionados todos os meus problemas. Mas sei que posso ter toda a esperança porque Jesus está comigo. Mesmo que eu não entenda as coisas que acontecem à minha volta, Ele está comigo e me dá toda esperança.

Tenho esperança naquela Cruz que revela o Seu amor por mim. Tenho esperança que no final eu serei mais que vencedor. Tenho esperança que, em um dia e uma hora que ninguém sabe, Ele virá reinar com o Seu povo. Quem é Jesus para mim? Jesus é toda esperança.

4.3.05

Sentimentos honestos

Eu ainda estou revoltado e me queixo de Deus.

Jó 23. 2.

Que palavras de tremenda honestidade emocional! As palavras de Jó marcam sua tentativa de se despojar de qualquer máscara, em nome de qualquer religiosidade, diante do Deus vivo. Ele admite que está revoltado contra Deus. Admite, sem medo. Sem medo de qualquer moralidade religiosa que possa lhe dizer que isso é pecado. Sem medo de qualquer discurso espiritual que lhe diga que isso não pode acontecer, é desrespeito, é falta de fé.

Jó se despoja. Ele sabe que está diante de Deus. Que não adianta disfarçar seus sentimentos. Ele está revoltado com o que está acontecendo e não será hipócrita. Não fingirá que tudo está bem, em nome do formalismo religioso. Ele abre o jogo: Estou revoltado. E não teme. Contra a tendência humana, de nossa religiosidade, de esconder sentimentos negativos contra Deus, ele se abre sem medo. É preciso muita fé para admitir a revolta e a tristeza contra o Senhor. Somente um coração que O conhece profundamente consegue admitir essas coisas.

Em geral, com o grau de conhecimento do Senhor menor, assumimos o discurso de Eliú: Eu não teria o atrevimento de discutir com Deus, pois isso seria pedir que ele me destruísse (Jó. 37. 20). Não olhe o exemplo de Eliú. Olhe para Jó. Olhe para Abraão, que discutiu com Deus para ver se conseguia salvar Sodoma e Gomorra da destruição. Olhe para Jacó, que lutou literalmente com Deus no vale do Jaboque. Seja honesto e rasgue, com fé, seu coração e abra seus sentimentos diante de Deus. Mesmo os negativos.

Às vezes algumas coisas nos deixam sem entender nada. Jó fala isso, como temos discutido, em um momento em que ele não pode entender as coisas que estão acontecendo na sua vida. Tanta dor, tanto sofrimento. E ele não pode atribuir isso a nenhuma força diferente. Sua fé em Deus sabe que coisas assim só acontecem por permissão de Deus. E ele se revolta.

Às vezes temos um filho, promessa do Senhor, jovem e na flor da idade, que morre. Ano passado uma tragédia abalou uma família conhecida. Um jovem, vinte anos, estava para ser pai dali a dois meses. Mas a morte o colheu em um acidente de moto. Na flor da idade e cheio de planos para o futuro. Mas o pior ainda viria. Uma semana depois, sua mulher, grávida de sete meses, se matou jogando-se da janela do apartamento. Eu ainda estou revoltado e me queixo de Deus.

Às vezes Deus lhe faz uma promessa. E a cumpri, deixando você exultante. Mas, de repente, de uma hora para outra, aquilo que Ele deu a você é retirado. E você não entende. Revolta contra o Senhor, que você pode esconder em alguma gaveta do coração, ou pode expor e admitir diante dEle. Depende de sua fé.

É preciso uma vivência de fé. É preciso termos convicção de quem Deus é para expormos nossos sentimentos diante dele, mesmo os negativos. É preciso conhecer a Deus para poder dizer com Jó: Eu ainda estou revoltado e me queixo de Deus. Essa honestidade nos fará descer fundo o suficiente para que Deus possa reverter nossa história. Essa honestidade nos colocará em posição adequada para que o Senhor faça novas coisas em nossa vida. É preciso fé.

3.3.05

No pó e na cinza

Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza.

Jó 42. 5 – 6.

Ao se deparar finalmente com o Deus vivo, Jó reconhece que não é nada, não passa de pó e cinza. Diante da glória do Deus de todo universo, a sensação de nulidade pessoal é tremenda. Outros homens passaram por experiências semelhantes, como Daniel, Ezequiel, Isaías, João. Tudo isso acontece porque a visão do Deus de toda glória deixa uma marcante impressão do Espírito na alma. Essa impressão nos conduz ao reconhecimento de que não somos nada sem a graça de Deus.

Nada podemos e nada somos sem a graça de Deus. A velha música já dizia que Senhor eu não sou nada diante do Teu poder... Paulo era tão consciente disso que se expressa de maneira bela: Mas, pela graça de Deus, sou o que sou (1 Coríntios 15. 10). E a essa atitude do coração do apóstolo Jesus responde em outro ponto, dizendo que a Sua graça lhe bastava (2 Coríntios 12. 9).

Jó obteve a resposta ao seu clamor. O próprio Deus veio até ele no meio de um redemoinho e expôs a Sua causa. Esse encontro transformador na vida de Jó o levou a reconhecer plenamente que não era nada e não podia nada diante de Deus. Tinha falado um monte de bobagem porque só conhecia Deus de ouvir. Agora sim, tinha um conhecimento concreto do Senhor. Agora O via. Agora estava diante de Sua glória. Agora percebia a sua própria nulidade.

A questão volta a ser a intimidade. Deus tinha um projeto amoroso na vida de Jó em tudo o que acontecera. Jó era, certamente, um servo fiel e íntegro. Ninguém poderia questionar isso, nem mesmo o próprio diabo. Ele permaneceu fiel em todo o tempo, apesar de suas ações terem demonstrado que ele chegou perto de se perder no desespero. Mas o plano de Deus nisso tudo era maior.

Deus chamava Jó para uma vida de maior e mais plena comunhão e intimidade com Ele. Não adiantava conhecê-Lo de ouvir, mas Deus queria fazer de Jó um servo que ouvia a Sua voz, que via a Sua face, que O conhecia na intimidade.

Talvez Jó estivesse satisfeito com uma vida religiosa bastante superficial, marcada pelos ritos e sacrifícios. Mas Deus o amava ao ponto de querer transformar sua vida e sua relação de maneira profunda e fundamental. Fundamentalmente Deus estava chamando Jó para se lançar, sem medo, em uma vida de maior profundidade e intimidade com Ele. Para isso, Jó precisava aprender quem era e quem era o Senhor. Precisava aprender que nada era. E precisava aprender a depender em tudo da graça e do poder de Deus. Precisava, enfim, conhecer a Deus em um grau que jamais poderia imaginar ser possível.

Esse processo custa muito, como a própria história de Jó demonstra. É um processo doloroso, de sofrimento e solidão, mas um processo cujo fim é de alegria inenarrável. A alegria de finalmente conhecer a Deus na profundidade, na intimidade e na dimensão do amor que Ele é. Ele nos conduzirá nesse processo. Os nossos olhos podem ser confundidos pelas nossas lágrimas, que certamente verteremos na caminhada. A gente pode não ser capaz de contemplar muita coisa além de nossos narizes. Pode ser que tenhamos nenhuma capacidade de visão além do alcance. Mas Deus vai estar conosco nos conduzindo ao futuro e à esperança que Ele tem para nós: uma vida de alcance sobrenatural, na comunhão e na intimidade do Senhor.

No fim de tudo, podemos ser capazes de reconhecer que Deus vê nossos problemas de uma maneira muito especial, participa deles e faz com que redundem, ao fim e ao cabo, em glória a Ele e em bênção inimaginável para nós mesmos.

2.3.05

Sem conhecimento

Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que não conhecia. Escuta-me, pois, havias dito, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás.

Jó 42. 3 – 4.

Há uma pitada de humor nessa história de Deus com Jó. Jó passou tanto tempo clamando para que Deus viesse lhe mostrar onde ele havia errado, qual era o seu pecado, explicar o porquê de tudo que estava acontecendo. Finalmente, o Senhor veio, e por quatro capítulos (38 – 41) como que pôs Jó no seu devido lugar. O discurso de Deus poderia ser entendido como que o Senhor dissesse: Você realmente quer comparar minha inteligência, meus motivos e o meu poder com você? Você realmente quer medir forças comigo, que criei o Universo e tenho tudo sob controle?

Numa linguagem popular, Jó termina pagando um mico. E em resposta diz algo que pode ser traduzido por: Que bobagens que eu andei falando! Jó reconhece que a mente humana, a sua mente, não é capaz de alcançar a dimensão dos juízos, da vontade e da sabedoria de Deus. Ele não seria capaz, jamais, de compreender todas as coisas que fazem parte do plano de Deus, porque Ele é o Alto e Sublime que habita em luz inacessível.

Jó reconhece, por mais difícil que isso seja, que Deus tinha motivos amorosos para fazer o que fez e para permitir o que permitiu. Mesmo que não pudessem ser imediatamente compreendidos nas limitações do homem. Ele termina por entender que os pensamentos de Deus são mais altos que os nossos pensamentos.

A fala de Paulo na carta aos Romanos parece ecoar essa exclamação de Jó: Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos! Quem conheceu a mente do Senhor? Quem foi o seu conselheiro? Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense? Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A Ele seja a glória para sempre. Amém (Rm. 11. 33 – 36).

Como Jó, somos convidados a reconhecer que, independente de tudo, a sabedoria de Deus é maior que nossa capacidade de compreensão. A sabedoria de Deus é infinita e Sua vontade é sempre boa, agradável e perfeita. Por isso, mesmo quando tudo parecer difícil, saiba que Deus tem sempre o melhor para nós. Ele sempre faz o melhor.

O mais fantástico disso tudo é que Jó reconheceu que tudo o que Deus havia feito ele passar era o melhor para a sua vida. Vendo o fim de tudo, onde Deus queria chegar e onde queria levá-lo, a realização do propósito final que o Senhor tinha nessa história, Jó pôde dizer que, quando reclamava de que Deus estava sendo injusto ou o odiava, falava do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que não conhecia.

1.3.05

Tudo podes

Então, respondeu Jó ao Senhor: Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado.

Jó 42. 1-2.

Costumamos ler esse texto de um modo muito indiferente a Jó e seu sofrimento. Olhamos para esses versículos como se eles apontassem uma perspectiva de futuro, como se dissessem que as coisas não vão bem agora, mas o Deus que tudo pode tem um projeto melhor na vida e vai trazer solução a cada situação difícil. Essa forma de ler o texto é muito indiferente a Jó e sua dor.

Por isso, a minha proposta é lê-lo em outra perspectiva. É como se o texto estivesse nos convidando para assumir o lugar de Jó. Jó não olha para o futuro quando fala isso. Em absoluto. Ele não está dizendo: “Meu sofrimento foi imenso até aqui mas sei que Deus tem um plano melhor na minha vida e nada pode frustrá-lo”. Jó está olhando para trás, para sua história e seu passado quando diz essas coisas.

Jó está reconhecendo a soberania de Deus sobre a sua vida. Ele está admitindo, depois de ser confrontado com Deus, que o Senhor tem o controle de todas as coisas, mesmo aquelas piores coisas que tiveram lugar na sua vida. Jó está admitindo que tudo o que Deus permitiu que se desse com ele fazia parte de um plano maravilhoso, que Jó não podia entender no seu transcorrer, mas pode entender agora, depois de tudo.

Você lembra como as coisas começaram com Jó? O texto diz que Jó era um homem íntegro e reto da terra de Uz, fiel a Deus em todas as coisas. Acontece que um dia, Deus mostrou Jó como um exemplo de fidelidade a Satanás. O diabo disse que não era por menos que Jó era fiel: era o homem rico de sua região, tinha família e saúde. Estende, porém, a mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face (Jó. 1. 11), disse Satanás.

Deus permitiu que Satanás tirasse tudo de Jó: família, bens e tranqüilidade. Mas nem assim Jó se desviou ou blasfemou contra Deus: O Senhor o deu, o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor! (Jó. 1. 21).

Em seguida, Deus permitiu que Satanás lhe roubasse a saúde. Restou a Jó sentar-se em cima do lixo e se coçar com um caco de telha. Sua mulher lhe dizia que era melhor que ele amaldiçoasse a Deus de uma vez e morresse logo, ao que aquele servo fiel disse que tendo recebido o bem do Senhor, não receberia também o mal? (Jó. 2. 10).

Para completar aquele quadro de sofrimento, ainda apareceram os amigos da onça de Jó que, em vez de tentarem consolá-lo, gastaram sua lábia acusando-o de estar sofrendo em conseqüência de seus pecados.

Agora, após finalmente ter-se encontrado com o Senhor face a face, Jó reconhece que Deus tinha um propósito amoroso em toda essa história. Mesmo que no momento de dor e sofrimento aquilo lhe passasse despercebido. As coisas não correram ao acaso na sua vida, nem Deus o abandonou em qualquer instante. Ele estava presente, conduzindo todas as coisas, por mais difícil que elas fossem. Mesmo que não parecesse, Deus tinha o controle, Ele via e agia em todas as coisas para o melhor de Jó.

Esse fato nos ensina a reconhecer a soberania de Deus, independente de tudo. Deus é soberano. Quando a vida e as circunstâncias se apertarem contra você, lembre que podemos não entender o mal que acontece conosco, mas sabemos, com Jó, que o nosso Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra. Há momentos em que não entenderemos muitas coisas, mas podemos ter certeza que Deus tudo pode e nenhum dos Seus planos na nossa vida se frustrará.

28.2.05

Sem esperanças

Não tenho mais esperança, pois Deus me matará; mas assim mesmo defenderei a minha causa diante dele.

Jó 13. 15.

Jó sempre é lembrado pela sua paciência. Costumamos pensar nas coisas que ele passou, nas perdas que sofreu, nas dores que amargou e pensamos em como ele resistiu a isso tão pacientemente. Mas quando olho algumas falas de Jó em seu diálogo com aqueles amigos – da onça – que o acusavam, vejo um homem desesperado.

Jó perdeu tudo que poderia perder, à exceção da própria vida: perdeu os filhos, perdeu os bens, perdeu a saúde. Sentado sobre o lixo, lhe restava coçar-se com cacos de telha. E ouvir a ladainha interminável de seus amigos que o acusavam de ser pecador. Afinal, na concepção deles, Deus só permite que a aflição atinja o pecador e o infiel. É triste perceber como o comportamento e a mentalidade – reprovados por Deus – dos amigos de Jó ainda se podem encontrar em várias teologias e comunidades cristãs pelo mundo afora.

Como dizia, Jó em alguns momentos me parece um homem desesperado que, além de sofrer toda a dor porque está passando, ainda pena sem que ninguém o consiga consolar. Não tenho mais esperança, pois Deus me matará; mas assim mesmo defenderei a minha causa diante dele. Essas palavras traduzem o desespero final de quem não agüenta mais a dor e não tem mais o que perder. Jó tem certeza que estar na presença de Deus pode representar a morte ao ser humano. Ele sabe disso, mas acha que não há mais jeito para sua vida. Prefere arriscar uma audiência no tribunal de Deus: Talvez esta coragem venha a salvar-me, pois nenhuma pessoa má iria até a presença dEle (Jó 13. 16). E nesse desespero, Jó praticamente faz um desafio para que Deus venha até ele, diga aquilo por que o está punindo e permita que Jó exponha a sua defesa. Ainda que isso represente a morte, Jó sente que não tem mais nada a perder e prefere se arriscar a esse ponto. Para ele, a esperança acabou, a vida está morrendo aos poucos. Para ele, há mais esperança para árvore cortada e morta do que para si mesmo.

Mas Jó não está entendendo nada. Na sua cabeça, Deus o odeia. E pior: sem motivo. E, por isso, tem-lhe tirado tudo, sobretudo a paz, a fé e a esperança. Ele diz: Na Sua ira, Deus me arrasou completamente; Ele olha para mim com ódio e, como uma fera, me persegue e me ameaça (Jó. 16. 9). Jó não compreende nada porque sua visão ainda está limitada. Ele, em seu desespero, dá prova de que precisa realmente daquilo que Deus está-lhe preparando: visão além do alcance.

Jó olha as circunstâncias à sua volta e não vê lógica em coisa alguma. Não entende como Deus pode permitir que algo assim aconteça a ele, que tem buscado uma vida de justiça e fidelidade na Sua Presença. Tantas vezes é assim que eu e você nos sentimos. Desanimamos por não entendermos todas as coisas envolvidas nas circunstâncias de nossa vida. E vêm as lutas, as dores e os sofrimentos que drenam nossas esperanças e esgotam a nossa fé. Tentamos encontrar o erro em nós, tentamos descobrir os motivos do Senhor. Mas nos falta, como a Jó, uma coisa: visão além do alcance.

Deus não odeia Jó. Nós que acompanhamos a sua história de um ponto de vista diferente sabemos disso. Deus o ama ao ponto de mostrá-lo a Satanás como servo íntegro, fiel e exemplar. Mas Jó não tem essa visão. Isso lhe foge à capacidade de entendimento. Por isso, ele clama para que o Senhor lhe venha dar explicações, desesperado.

Deus não odeia Jó. Se ele pudesse ver além das circunstâncias e pudesse contemplar, desde já, aquilo que é o propósito amoroso do Senhor na sua vida e em todas as coisas que estão acontecendo, certamente Jó teria atitudes e pensamentos diferentes. Jó é tão amado pelo Senhor que Deus quer lhe dar uma nova experiência e uma nova dimensão de relacionamento com Ele. Mas essas coisas não conseguem ficar claras aos olhos de Jó, cercado que está pelas nuvens de tribulação, impedido de ver com clareza pelas lágrimas de dor que rolam de seus olhos. Jó não consegue contemplar aquilo que o Senhor tem preparado para aqueles que O amam. Falta-lhe visão além do alcance, que o Senhor terminará por lhe conceder.

Assim somos nós. Tantas vezes nos desesperamos com as circunstâncias de nossas vidas. São tantas lutas, tantas dores, tanto sofrimento, que achamos que não iremos suportar. As nuvens pesadas que nos cercam e as lágrimas que cegam nosso olhar não nos permitem uma visão além do alcance. E realmente só nos resta o desespero de nos acharmos odiados pelo Senhor. Só nos resta, muitas vezes, a sensação de que tudo acabou, que a morte de todas as coisas é o caminho inescapável.

Falta-nos visão além do alcance para percebermos, andando conosco, o Deus que cuida de nós e que nos ama infinita, gratuita e irrestritamente. Falta-nos visão além do alcance para que sintamos, plenamente, o amor de Deus nos envolvendo e nos protegendo em todos os momentos. Mesmo naqueles em que as palavras não resolvem. Nessas horas, quando o desespero ameaçar tomar conta de tudo, olhe para Cruz. Ela sempre vai estar lá. Ela sempre terá sido por você. Sempre será prova de que Deus é desesperadamente apaixonado por você.

27.2.05

A tentação

Então o Espírito Santo levou Jesus ao deserto para ser tentado pelo Diabo.
Mateus 4. 1.

Quando estamos no deserto, mesmo as nossas necessidades lícitas mais básicas podem se tornar laços para reprovação e queda. Porque todos nós temos necessidades lícitas para as quais podemos descobrir formas ilícitas de satisfazê-las. No deserto, quando estamos mais enfraquecidos, é ainda mais fácil cair porque nessas horas, estando mais fragilizados, entra em campo o Diabo.
Se o Diabo se aproveitou do deserto de Jesus, quanto mais não se aproveitará do nosso! Quando Jesus estava mais debilitado, satanás chegou com a tentação. De igual maneira, ele age conosco: quando nossa fraqueza, luta e deserto são mais intensos, ele traz a tentação.
A maior tentação do diabo é tentar suprir nossas necessidades de alguma maneira ilícita. Essa é também das mais fáceis de cairmos porque é das mais sutis. O diabo tentou Jesus para que Ele satisfizesse sua fome de forma sobrenatural, usando ilicitamente o poder que Jesus dispunha. Jesus resistiu com a Palavra.
Depois o diabo nos tenta com mais sutileza na vaidade e no uso de privilégios. O diabo quis que Jesus se mostrasse e usasse Seus poderes e direitos de Filho de Deus. Mas, como disse Paulo, Ele se esvaziou, não julgando por usurpação o ser igual a Deus. Jesus renunciou privilégios e o diabo O tentou para que fizesse uso deles.
Por fim, Satanás tenta com poder. Diante dessa tentação, se esquecermos que somos a comunidade da cruz e do Crucificado e que o poder de Deus aparece em nossa fraqueza, certamente cederemos e cairemos.
Essas são três tentações básicas, facilmente eficazes no deserto. Tentações que podem ser vencidas pela nossa fé e com a Palavra de Deus. Deserto e tentações são provas à nossa resistência, fé e perseverança. São, também, caminhos providos por Deus para o nosso crescimento espiritual.
Se resistirmos, Deus, o Espírito Santo, que nos levou até lá, nos tira do deserto.
Se resistirmos, cresceremos na unção do Senhor e na fé.
Se resistirmos, Satanás será humilhado.
Se resistirmos, Deus suprirá as nossas necessidades segundo a Sua riqueza em glória e os anjos nos servirão (Mt. 4. 11).