14.5.15

O lugar da esperança e da incredulidade

“Se podes?”, disse Jesus. “Tudo é possível àquele que crê”. Imediatamente o pai do menino exclamou: “Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade!” (Marcos 9:23-24 NVI)

Estava pensando sobre a reflexão de Tomás Halík acerca do ateísmo e da [falta de] fé e me veio à mente o relato do menino epiléptico que Jesus encontra logo que desce do monte da transfiguração.
Como os discípulos não conseguiram curá-lo, o pai se aproxima de Jesus para pedir que, caso possa, cure seu filho.  E o diálogo segue conforme cito acima.
Esse texto inteiro, frise-se, pode nos ensinar sobre o lugar da incredulidade, da incompreensão e da incapacidade na nossa vida de seguidor de Cristo. Mas queria destacar esse aspecto da incredulidade.
Ontem conversava com uma amiga sobre [mais] um modelo de ganhar dinheiro derivado de pirâmides. Ela comentou: "Melhor que doar para campanhas políticas". Retruquei. Em resumo, disse o que penso: "A gente só investe no que acredita".
Aquele pai decide investir o pouco que crê naquele em quem acredita, esperando que Ele possa ajudar com sua falta de fé.
O que esse relato me fez pensar é que ao investirmos no que cremos não o fazemos fundados em certezas. O investimento é feito na dimensão da incerteza, repleto de dúvidas, cheio de insegurança e medo. A crença aqui não se baseia em uma fé triunfante, uma fé que é certeza. Cremos com base na esperança. Ao afirmar que cremos estamos dizendo de nossa esperança de que tudo dará certo - mesmo que seja, como Paulo diz acerca de Abraão, um esperar contra a esperança.
Só investimos no que acreditamos - isto é, no que temos esperança de que funcionará. É como o casamento, por exemplo. Não temos, nem podemos ter, nenhuma certeza de que dará certo. Nossa expectativa é a esperança de sucesso. É essa esperança que justifica todo meu investimento em uma relação.
A esperança, portanto, abre o espaço para a dúvida, para a descrença, para a incredulidade.  Não somos super-homens e super-mulheres que têm absoluta certeza de que serão capazes de tudo em nome de sua fé. A fé titubeia, ela fraqueja, ela falta. Chega aquele momento em que a alma se encontra sem fé. A única chance de seguir em frente, a única coisa que motiva nosso investimento na vida, é a esperança. 
Aquele pai esperava, ainda que sua fé fosse pequena ao ponto de pedir ajuda quanto a sua falta. Ele esperava de Jesus e esperava em Jesus.
Algumas outras coisas me despertam atenção neste texto. Primeiro, e mais importante, é que todas aquelas pessoas - e, em particular, os discípulos - estavam ao lado de Jesus. Mais que isso: Jesus e três deles acabaram de passar pela experiência da transfiguração no alto do monte. É, portanto, natural que nós tenhamos, como leitores, a expectativa que todas aquelas pessoas estivessem repletas de uma fé que fosse certeza absoluta. No entanto, todo o relato é o relato sobre a falta da fé: Jesus esbraveja contra, pasme, os discípulos que foram incapazes de curar o menino: "Respondeu Jesus: 'Ó geração incrédula, até quando estarei com vocês? Até quando terei que suportá-los?'. (Marcos 9:19 NVI) 
O texto é sobre falta de fé: dos discípulos, do pai. Nossa. A falta de fé, a incredulidade, o ateísmo é parte de nossa vida. 
Em "Paciência com Deus" diz Halík: "A fé só poderá vencer a descrença abraçando-a".  Ele diz ainda que ateísmo deve ser visto não como uma mentira mas como uma verdade incompleta.  E complementa: "O ateísmo constitui uma útil antítese do ingênuo e vulgar teísmo - mas é necessário dar mais um passo para a síntese e para a fé madura".
Enquanto isso, caminhamos na esperança. É ela que nos motiva a investir em nossas crenças - entre elas, de que a fé vale a pena, de que o amor é o melhor caminho.
“Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade!”

12.5.15

Matar o Pai

Para a psicanálise, a partir da análise do mito do Édipo Rei, quem não matar o pai simbolicamente permanecerá infantil a vida toda. 
Lembrei-me disso na leitura da parábola do filho pródigo em Lucas:
"E Jesus disse ainda: — Um homem tinha dois filhos. Certo dia o mais moço disse ao pai: “Pai, quero que o senhor me dê agora a minha parte da herança.” — E o pai repartiu os bens entre os dois". (Lucas 15:11-12 NTLH)
Quando pede sua parte na herança do pai, o filho, simbolicamente, mata o pai. Herança é algo que é dado como testamento, após a morte. É, então, como se o filho dissesse ao pai que a partir daquele momento vai considerá-lo como morto.  Isso ajuda, na parábola, a explicar toda a relutância que o filho tem, após gastar todos os bens, para voltar à casa do pai. Aliás, isso também ajuda a explicar porque ele acha que o único papel que lhe caberia ali, no retorno, seria o de um empregado.
Mas pensemos na morte simbólica do pai como ato fundamental para que o sujeito alcance a maturidade. O pai representa a lei. Sob seu domínio, não podemos ser outra coisa que não heterônomos: ou seja, somos guiados pela lei de outro. Ser maduro, ser adulto é o mesmo que ser autônomo: ou seja, é reconhecer em si a lei, o princípio ético para a sua ação no mundo. E se responsabilizar - quer dizer, ser capaz de dar resposta - por isso.
Ai eu volto para a parábola, na qual o pai é uma figura de Deus. É preciso matar o pai. É preciso matar Deus. O filho só consegue experimentar a realidade de uma vida autônoma com Deus, uma vida plena da graça e do amor perdoador do Pai, depois que O mata, usufrui de sua herança. É nesse retorno para o Pai, já morto simbolicamente, que o filho encontra sua fé e uma nova e revigorante relação com o Pai.
Interessante também pensar que a parábola foi contada, como sabemos no início do capítulo 15 de Lucas, contra os fariseus porque estes criticavam Jesus por andar com pecadores.
Os fariseus estavam sob a Lei. Sua fé era infantilizada como a do irmão que ficou - aquele que não matara simbolicamente o pai, ou seja, a Lei. Infantis, chateiam-se enormemente contra aquele irmão que, matando o pai e vivendo dissolutamente, reecontrou-se com ele em uma nova forma de relacionamento, fundado no amor, com liberdade e autonomia, como convém a adultos.
Na minha experiência de fé tenho aprendido que, como o filho pródigo, temos de matar o Pai para encontrarmos uma nova fé madura e autônoma. Tenho encontrado muitos irmãos e irmãs que, passando pela mesma experiência, ressignificaram sua fé longe de heteronomia escravizante. Ousaram romper com a fé infantil como a dos fariseus denunciados por Jesus. 

11.5.15

A vida é breve


"Vocês nem sabem o que acontecerá amanhã! Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa". (Tiago 4:14 NVI)
Pela manhã soube do falecimento de Marcio Barros, um dos melhores pregadores que eu já ouvi na vida.
A vida é um presente. A vida é o presente também.
Márcio se foi deixando uma enorme legião de amigos saudosos, familiares marcados e viúva e dois filhos extremamente machucados.
Sua vida foi dom para aqueles que com ele conviveram. Presente.
Mas é inevitável lembrar que a vida é o presente, o momento - nem o ontem, nem o amanhã.
A vida é o breve instante do agora, eternizado pela força do amor.