20.5.07

Confissão

Confissão

Eu vivo muitas vidas diferentes em mim. E sinto como se as tivesse perdido a todas. Ao olhar meu passado, eu posso vê-las. Mas quando contemplo quem sou, um pouco de cada uma dessas vidas, sinto falta do que elas não se tornaram em mim.
Vivo minha infância. Sinto saudades de um pai que não existia na prática e dos muitos irmãos que eu não conhecia. Sinto medo de minhas experiências espirituais que tanto me afastavam de uma relação viva com um Deus vivo. Tenho medo de andar só. Tenho medo do escuro. Tenho medo dos mais fortes e mais simpáticos do que eu. Tenho medo de não ser ninguém.
Vivo minha adolescência e sinto extrema falta daquele garoto que queria mudar o mundo. Sinto falta de desafinar e desafiar o que estava posto. Descobri que podia ser político. Descobri que podia fazer diferença. Descobri quem fazia diferença. Sinto falta do primeiro amor por Jesus, da sensação de alegria vibrante de um coração que, ao se descobrir preso, foi liberto. Alegria de um coração que, de duvidoso, se fez crente.
Vivo meu sonho de ministério. Sei que o perdi em algum lugar, mas não duvido que ele pertence ao Deus que me chamou. Vasculho meu coração em busca dessas tantas vidas querendo, pelo menos, encontrar um pouco do ministério que começou a se esvaziar nas esquinas de Fortaleza. Eu não sou o único para quem o seminário significou uma morte para o ministério. Mas sei que a culpa não é do seminário ou da teologia. Eu morri a minha morte e a morte de meu sonho, em vez de viver a vida e o sonho de Jesus – que já tinha morrido a minha morte.
Vivo a alegria da academia e o prazer do mestrado. Vivo a vida da sala de aula, até o instante em que Deus me arrancou de minha casa e me trouxe para uma distante Petrobras. Em outra comunidade de fé, em outra vida de comunhão, mas sentindo falta extrema de todas essas vidas que me fizeram no passado e que me constituem hoje.
Eu vivo muitas vidas diferentes em mim e acho que as perdi todas no fundo de minha alma. Eu as morri. E é como se ainda não tivesse entendido que a vida que agora vivo é minha vida nova em Jesus. Acho que anseio, como Nicodemos, com alguma coisa que me faça sentir hoje a realidade da vida verdadeira. Eu não entendo, mas é como se esperasse poder nascer de novo em cada uma dessas vidas vividas e perdidas no passado.
Momentos bons, dores e alegrias de todas essas vidas me fazem ser quem sou. Mas eu não sou mais quem eu era nessas vidas e sinto que algo importante se perdeu quando cada uma dessas vidas morreu.
Espero confiantemente no Senhor por nascer de novo nesses sonhos – ao menos para trazer a esta minha nova vida aquilo que Ele plantou em cada vida dessas no meu passado.
Espero nascer de novo a insegurança infantil que pode me fazer jogar-me confiantemente unicamente nos braços do Pai. Espero nascer de novo a impaciência de quem não se conforma com o mundo e quer ser instrumento de sua transformação, com o coração cheio de confiante fé. Espero nascer de novo o meu ministério e não abandonar o pastor que escondi em mim e o pregador que fez por outra aparece. Espero nascer de novo o pesquisador que tem prazer em entender fenômenos e transmitir o que sabe. Espero nascer de novo um melhor filho, um bom marido, um futuro pai.
Eu vivo muitas vidas. Elas me parecem mortas. Mas o Deus da vida há de soprar sobre elas o hálito da vida verdadeira. E me resgatar para uma vida ainda mais plena e verdadeira.