14.12.05

Anti-Cristo

Ele salvou os outros, mas não pode salvar a si mesmo! Ele é o Rei de Israel, não é? Se descer agora mesmo da cruz, nós creremos nele!
Mateus 27. 42

Domingo não consegui ir para a igreja pela manhã forçado por uma noite insone. Talvez por motivo das mudanças em minha casa, dormindo numa rede em muito tempo, não consegui adormecer antes das quatro horas da manhã. Zapping pela televisão e nada que me desse sono. Até que encontrei no SBT um filme que peguei apenas o seu fim. Nem o nome eu sei. Mas sei que contava uma história bíblica: o fim dos tempos e a chegada do Anti-Cristo.
Independente do que seja meu entendimento acerca de assunto tão controverso, algumas coisas me fizeram pensar naquele filme. O Anti-Cristo, auto-intitulado O Messias, desenvolveu um programa de realidade virtual chamado o Dia do Milagre. Os incautos que acessavam o programa, com suas luvas e óculos digitais, tinham um encontro com o Maligno. Se eram doentes, ou deficientes, o milagre acontecia. Peguei o filme exatamente no momento em que uma cega voltava a enxergar graças ao Dia do Milagre. Agora vejo a verdade, disse ela. E o Maligno dizia que o milagre seria permanente apenas se ela renegasse o Cordeiro. O que ela faz.
Não vou entrar em detalhes sobre o filme, mas ele me fez pensar em milagres. Lembro de um homem de Deus que certa vez esteve pregando em nossa igreja e disse uma coisa que jamais esqueci: o diabo é capaz de imitar tudo o que Deus faz, desde os milagres até os dons. Ele só não pode imitar a santidade. O diabo é capaz de realizar curas e de fazer milagres. Nos meus anos de espiritismo, experimentei em meu corpo algumas curas. Poderia relatar, também, alguns milagres. Como saber, então, o que provém de Deus ou não?
Essa questão me inquieta bastante. Já ouvi histórias fantásticas de ações milagrosas feitas em nome de Deus que, pelos contextos, ponho em dúvida a presença de Deus nessas ações. Não deveria ser preciso lembrar o que Jesus já nos alertou: Quando aquele dia chegar, muitas pessoas vão me dizer: “Senhor, Senhor, pelo poder do Seu nome anunciamos a mensagem de Deus e pelo Seu nome expulsamos demônios e fizemos muitos milagres!” Então eu direi claramente a essas pessoas: “Eu nunca conheci vocês! Afastem-se de mim, vocês que só fazem o mal!” (Mt. 7. 22 – 23). Dizendo com clareza: a presença de milagres, prodígios e sinais – dons maravilhosos – nenhuma dessas coisas é garantia da presença de Deus. A Sua glória – a glorificação do Seu nome – é a única coisa que pode nos dar certeza de Sua presença.
Milagres, do ponto de vista da Bíblia, são sinais. Com este, deu Jesus princípio a Seus sinais em Cana da Galiléia; manifestou a Sua glória e os Seus discípulos creram nele (Jo. 2. 11). Isso, para mim, tem uma implicação clara. Sinais servem apenas para apontar. Sinalizar. Se Deus realiza milagres, o faz para que esses milagres apontem para a Sua presença, manifestem a Sua glória, exaltem o Seu nome. Deus não divide a Sua glória com quem quer que seja. Por isso, eu duvido de milagres que sirvam para promoção de pessoas ou instituições – ainda que sejam igrejas. Qualquer coisa que tenta se pôr no lugar de receber a glória que só a Deus é devida tem em si o espírito do Anti-Cristo. E esse espírito está no mundo para, se possível, enganar os eleitos. E tenho visto enganar, como se milagres só acontecessem sob o poder de Deus.
Tenho muita dificuldade em aceitar como cristocêntrico um ministério que termina promovendo apenas o próprio ministro. Os milagres e sinais findam por apontar apenas o homem. Que se torna objeto de admiração de multidões – ou, em termos mais bíblicos, se torna um ídolo. Multidões que enchem espaços para vê-lo realizar milagres. Milagres e sinais que acontecem segundo o arbítrio do homem, com hora marcada e tudo. Em shows promovidos por igrejas, mas preocupadas em se promover do que em promover o Senhor da Cruz.
Aí você pode me dizer que esses ministros são homens de oração – oram doze horas por dia! Como você sabe disso? Isso não é auto-promoção? E você não começar a achar que esses homens são os super-santos e, dali a um pequeno passo, você passa a idolatrá-lo? Você pode me dizer também que esses homens fazem questão de enfatizar que o milagre é feito por Jesus e que eles são tão humanos quanto eu e você – coisa que eu duvido que entre na cabeça da multidão. Aí eu me lembro de um outro filme. Na parte final de O advogado do diabo, há um diálogo entre o diabo e o personagem de Keanu Reaves, em que o jovem cobra ao Maligno o que aconteceu com sua mulher, que morreu. A resposta do diabo se assemelha ao que têm dito os milagreiros. O diabo lembra ao jovem advogado que lhe disse tempos atrás que ele fosse cuidar da esposa, que precisava dele. A escolha por essa estrada havia sido do homem, mas o diabo indicara a direção. Parece que a mesma coisa se repete no que estamos refletindo. Mesmo que os homens vão lá à frente e lembrem a todos que o milagre é ação de Jesus e eles não passam de pecadores como nós, o contexto não deixará dúvidas sobre a idolatria latente em todo o cenário. São milhares de pessoas em busca de homens que podem fazer surgir 38 mil reais em uma conta bancária – que curam cânceres, que matam e fazem viver.
Fico imaginando que o espírito do Anti-Cristo gosta da espetacularização. Sempre foi assim. É só pensar no que muitos pediam que Jesus fizesse enquanto estava sendo julgado e crucificado. Ele salvou os outros, mas não pode salvar a si mesmo! Ele é o Rei de Israel, não é? Se descer agora mesmo da cruz, nós creremos nele!
Para os santos da história da igreja que descobriram o valor de andar com Deus, isso significava a tranqüilidade do socorro nas horas de angústia, a certeza da proteção quando o mal avançava, o descanso nos pastos verdejantes da íntima comunhão com o Deus triúno. E se, porventura, milagres acontecem, sem espetáculo, toda a glória seria dada ao Senhor. É hora de redescobrirmos isso.

13.12.05

Guarda-roupa e leão

Em tempos difíceis, Ele me esconderá no Seu abrigo.
Salmo 27. 5

Anos atrás eu passei por uma experiência que ainda hoje, quando penso nela, falta-me ar e as mãos suam frio. Praticava natação na faculdade como educação física e, uma tarde, não consegui terminar um trecho que me havia sido pedido pelo professor. A piscina da UFRN não dava pé para mim. Cabeça fora d´água, flutuava sem conseguir respirar. Desesperei-me ao perceber que ia me afogar, mesmo estando flutuando e nadando bem. Por mais que tentasse puxar o ar, não conseguia. Estava em uma crise de pânico. Em um último esforço, tentei chamar por socorro e me joguei com o resto de minhas forças na margem. Parte da sensação terrível que senti naquela tarde me aflige enquanto digito essas palavras. Terminei deixando a educação física incompleta, mas consegui aproveitar os créditos complementares através de um acordo com o professor. Não consegui mais entrar naquela piscina depois de quase me afogar.
Estive pensando nessa história porque é exatamente como naquela tarde em me senti que tenho me sentido ultimamente. E esse é um dos motivos pelos quais tenho estado mais ausente nas meditações que, um dia, foram diárias. Nada exatamente físico, mas tenho me sentido extremamente pressionado pela situação emocional, espiritual e familiar em que me encontro. Como se estivesse me afogando de novo, perco as forças. Fisicamente, minha casa está um tumulto. Primeiro, minha tia e minha avó se mudaram e, três semanas depois, estão de volta. Mudanças e móveis já bagunçam o coreto. Se você acrescentar a isso a pintura de um apartamento, o cenário é desolador.
Esse é apenas um dos aspectos que compõem essa nuvem pesada que afoga a minha alma. Tenho me sentido pressionado e sufocado por uma série de coisas que vão desde esse exemplo que dei até coisas como problemas envolvendo o relacionamento com a liderança da minha igreja, passando pelas responsabilidades acadêmicas que tenho hoje no mestrado. Tenho me sentido me afogando como naquela tarde, sob o peso de tanta pressão.
Desse modo, fui assistir ontem, com minha mãe, As crônicas de Nárnia. Confesso que jamais li essa obra de C.S. Lewis, mas quis assistir a versão da Disney para o que escreveu o intelectual cristão. Sem contar meu encanto com a menininha Georgie Henley, que faz Lucy, o filme me fez pensar.
Todos nós, quando no meio de lutas que nos sufocam, queremos fugir para outros lugares. Isso é natural. Ninguém que não seja masoquista vai querer ficar para sofrer, para se afogar. E quando a gente vê em um filme como aquele a existência de um escape, um guarda-roupas que nos leva a um Reino mágico onde somos reis, talvez queiramos ainda mais descobrir uma forma de fugir de nossas lutas e problemas. Quem sabe fugir para Nárnia.
Quando a gente se vê desprotegido e, talvez, sem amigos muito leais, quem sabe que efeito provoca em nossos sonhos a figura imponente do leão Aislam. Doce e forte, delicado e corajoso. Amigo que protege, que entrega a vida – inocente – por um traidor culpado. Alguém que tem a palavra certa para cada ocasião. Alguém que inspira cuidado e amor. Confesso que enquanto via o leão se deslocar na tela e lembrava de meus problemas, desejava eu mesmo acariciar a sua juba e sentir o cuidado de sua proteção. Vendo o filme e pensando nas minhas lutas diárias, desejei demasiadamente que aquilo fosse real e houvesse um guarda-roupa que me transportasse, desde uma vida que me afoga e mata pouco a pouco para um mundo mágico sob a proteção de Aslam, o leão ressuscitado.
Quer saber o que é melhor? Algo que a gente corre o risco de esquecer? Existe o guarda-roupa. Aislam é real. Você pode viver – eu posso viver – sob Seu cuidado e proteção. Podemos sentir o Seu carinho e amor. Sua doçura e fortaleza. Sua vida, Sua morte e Sua ressurreição. Podemos escapar para o Reino de Nárnia para recuperar as forças. A vida mais real é a que corre em Nárnia. A que ocorre do lado de cá do guarda-roupa, na terra da “salavazia”, é reflexo do mundo espiritual.
Nárnia não é metáfora; é a própria verdade bíblica. E me fez recuperar a porta de escape para a sua dimensão que eu havia esquecido. A oração e a comunhão com o Pai são os nossos guarda-roupas que abrem o portal mágico para o contato íntimo com Aislam/Jesus Cristo. Se a vida nos afoga, se nos sufoca – podemos contar com o socorro e o abrigo de Jesus. Durante o filme eu pensei em um momento como seria ótimo ter um leão como Aislam ao nosso lado, para nos proteger. Por um instante esqueci que Ele – Jesus – está de verdade ao nosso lado. De verdade podemos tocar-lhe, ouvir Sua voz carinhosa e sentir Seu amor infinito. Se queremos escapar para o Reino do amor precisamos da força da oração e da comunhão com o Pai e com o Leão. Só assim podemos suportar o peso da vida sem nos afogar.