23.9.06

Relacionamento

Alguns de vocês não conhecem a Deus.
1 Coríntios 15. 34

Estou aqui no Rio desde o início de julho. De início, meu relacionamento com novos colegas se restringia àqueles que vieram comigo do Rio Grande do Norte. Éramos oito. Com o tempo, o círculo aumentou para os cearenses que vieram no mesmo vôo que nós. No primeiro mês, estávamos juntos cerca de trezentos novos empregados da Petrobras, das mais diversas formações. Era difícil estabelecer laços e formar amizades.
Apenas quando os profissionais de comunicação se separaram do grupo, nossos relacionamentos se estreitaram. E, ainda assim, com limitações: somos 123, divididos em duas turmas. Isso indica ser impossível um pleno relacionamento com todos eles. De alguns colegas da outra turma eu nem sei o nome.
Contei essa história porque essa semana percebi a repetição de um fenômeno comum na minha vida. Percebi que tenho intimidade hoje com especialmente dois colegas que, no início, jamais passaria pela minha cabeça a possibilidade de que se tornassem bons amigos. Tudo porque uma primeira experiência, um primeiro contato, uma primeira conversa não foi das melhores. Começamos com atritos, mas com o tempo, a convivência, a conversa e a intimidade percebemos muito mais coisa em comum e a amizade foi nascendo. O fenômeno de que a conversa e a intimidade me faz construir amizade e relacionamento com pessoas que jamais imaginei ser possível se deu novamente.
O que isso tem a ver com o texto? Alguns de vocês não conhecem a Deus. Tenho a impressão que nossas comunidades estão repletas de cristãos, sinceramente alcançados por Jesus, mas que, de verdade, não conhecem a Deus. Pessoas que querem servir a Jesus melhor, mas que não têm um relacionamento vivo e eficaz com Ele.
A experiência que eu relato é para mostrar que ninguém é capaz de realmente conhecer outra pessoa e desenvolver relacionamento com ela se não investir tempo e energia em intimidade, comunhão e diálogo. Isso vale muito no que diz respeito a nosso relacionamento com Jesus.
Existem muitos cristãos sinceros que, no entanto, não conseguem dispor tempo nem investir energia no relacionamento pessoal com Deus. Pessoas que até podem querer conhecer a Deus, mas não vão conseguir porque esquecem o fundamental.
Conhecer Jesus não é uma questão de seguir ritos religiosos nem regras eclesiásticas, sejam elas práticas ou morais. Conhecer Jesus é um processo que se dá na construção de um relacionamento efetivo com Ele, por meio da busca de intimidade, da comunhão e do diálogo.
Essas coisas vão acontecer a corações que efetivamente se rendam e caiam na presença de Deus. A presença se alcança não através de ritos religiosos, mas sim por meio de corações rendidos e quebrantados. É no lugar secreto – não no templo -, no coração – não no meio do povo -, que rendemos o coração e encontramos a doce e maravilhosa presença de Jesus. É um encontro em nossa privacidade e não um ritual coletivo.
E nesse privado, algumas ferramentas são fundamentais, ainda que digam mais respeito à atitude. Os corações sedentos se encontrarão com o Senhor à medida que se renderem em descobrir a Sua Palavra por meio da leitura bíblica, redimensionarem a sua vida por meio da reflexão e buscarem a intimidade do Senhor e Sua comunhão através do diálogo que é a oração. Nunca houve nem haverá outro caminho para se chegar à amizade e intimidade com o Senhor que não seja leitura e reflexão da Palavra e oração.
Talvez você se assuste porque conhecer a Jesus é conhecer a si mesmo, porque a Sua luz revela o nosso interior. Temos medo de nós mesmos e de nos vermos com clareza. Talvez isso seja assustador. Mas vale a pena romper o medo e buscar conhecer, verdadeira e intensamente, a maravilhosa pessoa do Deus Triúno.

19.9.06

Meu povo

Sinto uma grande tristeza e uma dor sem fim no coração por causa do meu povo, que é minha raça e meu sangue. Para o bem desse povo, eu mesmo poderia desejar receber a maldição de Deus e ficar separado de Cristo.
Romanos 9. 2 – 3

Vez por outra, a cena urbana me toca fundo no coração. Fico profundamente sentido e cheio de compaixão por algumas coisas que acontecem em nossas ruas. Já tive diversas vezes de escrever sobre isso.
Hoje, no fim de tarde, eu voltava aqui para o hotel pela avenida Rio Branco. Um senhor, aparentemente com mais de 50 anos, vinha pela rua, qual burro de carga, arrastando uma carroça de som que divulgava um dos candidatos a governador do Rio de Janeiro. Os cabelos brancos e a cara cansada daquele senhor que carregava um peso que judia até de animais calou fundo na minha alma. E mais uma vez fui levado a refletir sobre que povo é o nosso que coloca seus velhos e seus infantes em situações como essas? Quantas crianças sem futuro e quantos idosos sem reconhecimento por suas vidas?
De maneira quase óbvia o pensamento que sempre me domina nessas horas é a certeza de que preciso, de alguma maneira, contribuir para que essa desigualdade diminua. Trabalhar pela salvação dessa gente. Ainda que eu não saiba ainda direito como agir, estou certo de que a vivência do evangelho pela igreja brasileira passa pela transformação dessas questões tão prementes.
Sinto uma grande tristeza e uma dor sem fim no coração por causa do meu povo, que é minha raça e meu sangue. Para o bem desse povo, eu mesmo poderia desejar receber a maldição de Deus e ficar separado de Cristo. Esta paixão pelo seu próprio povo chega a ser emocionante nos textos de Paulo. Pela salvação de sua gente ele chega a dizer que estaria disposto a se perder. Em um mundo tão individualista quanto o nosso, acho difícil que exista alguém que esteja plenamente disposto a repetir essa oração paulina.
Mas o exemplo de Paulo deveria nos impulsionar. Existe um povo aí fora, que é o nosso povo, que anda cabisbaixo pelas ruas, sem muita perspectiva e muito futuro. Existe um povo cansado e sobrecarregado, a quem Deus quer nos enviar para fazer diferença.
O evangelho não é uma coisa que se esgote em nós. Ao contrário: seguir Jesus e o Seu evangelho é ser empurrado pela mensagem da graça e da vida de Deus para fora dos limites da igreja. É, também, ter a consciência paulina de que pouco vale a nossa boa vida sem que o nosso povo possa usufruir aquilo que já experimentamos. Transformar o mundo começa em viver o evangelho no mundo e no meio do povo em que estamos. Manifestar graça e amor nos conduz à luta pela mudança.
Neste início de noite, não houve melhor tradução do que era meu pensamento nem o desejo de meu coração do que a fala paulina na carta aos Romanos. Eu quero amar o meu povo e quero que ele possa conhecer a vida de verdade que só Jesus dá. Eu quero amar o meu povo e quero vê-lo mudando a forma como lida com suas crianças e seus velhos. Eu quero amar o meu povo e quero vê-lo rendido aos pés do Senhor, mas também quero vê-lo vivendo de forma digna desde já.
Em tempos difíceis como os nossos, quando nuvens de escuridão parecem querer surgir no horizonte de nossa história, o nosso povo precisa do amor da igreja de Cristo manifestando o amor e a graça de Deus no seu cotidiano. No mínimo, o povo precisa de nossa oração. Mas precisa muito mais de nossa presença, levando a luz, o poder e a graça de Jesus – a transformação de suas vidas.

17.9.06

Contra a esperança

Finalmente perdemos toda a esperança de nos salvarmos.
Atos 27. 20
Abraão teve fé e esperança, mesmo quando não havia motivo para ter esperança...
Romanos 4. 18


Lembro do testemunho de um pastor, missionário em país latino-americano em Guerra Civil, anos atrás. Capturados por guerrilheiros, ele e o grupo missionário, após alguns dias, estavam prontos para serem executados. Os guerrilheiros se prepararam para matá-los, enquanto os missionários oravam. De repente, do nada, a explosão de uma bomba em local próximo assustou o grupo. Imediatamente, os homens armados abandonaram o local, sem tocar nos reféns, deixando-os para trás. O incrível e miraculoso é que não houve outras explosões, fora aquela. Não houve bombardeios. Na hora limite, Deus providenciara o livramento ao grupo.
Lucas narra a viagem de Paulo, prisioneiro, até Roma. O navio, açoitado pelos ventos e pelo mar, com mais de duzentas pessoas a bordo, vai à deriva. Depois de vários dias de sofrimento e luta, a morte é certa, segundo Lucas: Finalmente perdemos toda a esperança de nos salvarmos. Mas, miraculosamente, por amor a Paulo, Deus preserva e salva a todos naquele navio: Paulo, não tenha medo! Você precisa ir até a presença do Imperador. E Deus, na sua bondade, já lhe deu a vida de todos os que estão viajando com você (At. 27. 24).
Nunca tinha me apercebido claramente do valor da fala do narrador Lucas nessa passagem. A situação era limite e toda a esperança tinha se esvaído. O que estava acontecendo era grave demais e não havia qualquer possibilidade de salvação. Fé e esperança não existiam mais.
Nem preciso lembrar que, não só nessas duas histórias, mas em muitos momentos limites de nossas vidas, vemos a esperança se acabar. Olhamos em volta e percebemos que nos encontramos sem qualquer possibilidade de saída. Seja uma arma apontada contra nós, seja um navio indo a pique, seja um diagnóstico médico que nos condena, seja uma situação que, complicada, fecha as possibilidades de caminho à nossa frente. Vez por outra enfrentamos situações limites que nos colocam diante da perda da esperança.
Ter fé nessas horas é uma loucura maior ainda. Porque a fé na salvação em uma situação assim é esperar contra todas as circunstâncias e possibilidades. O desenho de todo o quadro e as circunstâncias que nos envolvem só nos fazem ter certeza do desfecho contrário. Mas a fé é capaz de esperar contra toda a esperança.
Paulo é o esperançoso naquele barco. Ele é o homem de fé e é por causa da sua fé que todos são salvos por Deus. Ele é o mesmo que, anos antes, escrevendo para a igreja em Roma sobre Abraão, define o porquê de ele ter sido o pai de muitas nações: Abraão teve fé e esperança, mesmo quando não havia motivo para ter esperança... Naquele navio, como em outros momentos de sua vida, Paulo teve a chance de provar sua coerência. Se ele era capaz de falar sobre a fé de Abraão como aquela que faz o homem esperar, mesmo quando não nenhum motivo para se ter esperança, era preciso ser coerente e honesto para vivenciar isso na prática.
Muitas vezes nos encontramos em uma situação limite que nos desespera. Como era a situação naquele navio no Mediterrâneo que levava Paulo ou como era a situação daquele grupo missionário em mãos guerrilheiras. Situação que nos deixa sem qualquer perspectiva de esperança. Essa é a hora da fé. Contra o fim certo, contra a condenação do diagnóstico, contra a fatalidade das circunstâncias, é hora da fé que nos coloca a esperar contra toda a esperança e aguardar o socorro e o livramento do Senhor.