18.10.05

Rendição

Pessoal,

Eu preciso me render. Não dá para me manter escrevendo nesta semana, a poucos dias do referendo. Temos muito trabalho pela frente. Por isso, vou me ausentar um pouco e prometo regressar depois do dia 23 de outubro. Orem por mim. Orem por essa batalha espiritual. Você vem contra mim com espada, lança e dardo. Mas eu vou contra você em nome do Senhor Deus Todo-Poderoso, que você desafiou! (1 Sm. 17. 45).

Ungidos

O Senhor Deus me deu o Seu Espírito, pois Ele me escolheu para levar boas notícias aos pobres.
Isaías 61. 1

Muitas pessoas buscam ardentemente pelo Espírito Santo. Querem ser cheias dEle. Querem receber a Sua unção. Embora seja uma promessa para aqueles que recebem a salvação em Cristo, para todos nós, o derramar do Espírito traz implicações para as quais não temos atentado muitas vezes. O poder do Espírito, Seus dons e Sua plenitude não vêm sem propósito. Se o poder de Deus vem sobre a igreja e sobre o cristão é para capacitá-lo para alguma coisa específica. Um serviço ou ministério que pertence a cada pessoa individualmente. Não existe poder do Espírito para se gastar em si mesmo, ou olhando para o próprio umbigo. Poder do Espírito é para nos impulsionar para fora de nós mesmos e abençoar os que estão à volta.
O Senhor Deus me deu o Seu Espírito, pois Ele me escolheu para levar boas notícias aos pobres. Fomos chamados por Deus e recebemos o Seu Espírito para sermos, especialmente, instrumentos de libertação e da transformação do mundo à nossa volta. Não fomos chamados para curtirmos o prazer de conhecer a Deus, mas sobre nós vem o Seu poder para que, nesse poder, possamos ir na direção do mundo, para transformar a realidade à nossa volta. Fomos chamados para libertar o mundo.
Não quero espiritualizar o texto de Isaías 61 porque não acredito que ele foi escrito para ser entendido, prioritariamente, de forma espiritualizada. Ele se refere à tradição do ano jubilar no Antigo Testamento: aquele momento, a cada sete ou cinqüenta anos, em que dívidas eram perdoadas, escravos eram libertados, as terras eram restituídas aos seus primeiros donos, numa verdadeira ação de Reforma Agrária conduzida pelo Senhor. O Espírito Santo nos unge, como ungiu Jesus, para promover uma transformação completa da humanidade, incluindo sua vida social. Isso é importante demais em um contexto como o Brasil contemporâneo: campeão mundial de mortes pela guerra urbana, um dos piores índices de IDH do mundo. Um lugar onde dizem que cresce a igreja de Cristo. Se ela cresce que papel tem desempenhado como ungida pelo Espírito Santo? Se é uma igreja cheia do Espírito, por que não tem contribuído para a transformação do mundo à sua volta? Por que acontece em nossas cidades algo como o que ocorre no bairro de Felipe Camarão, em Natal: um dos bairros com maior presença evangélica e, ao mesmo tempo, reconhecido como bairro mais violento da cidade?
Para mim, só há uma resposta. As igrejas não estão cheias do Espírito Santo, mas provavelmente estão cheias de si. Porque o Espírito nos unge e para realizar algumas tarefas bem definidas: O Senhor Deus me deu o Seu Espírito, pois Ele me escolheu para levar boas notícias aos pobres. Ele me enviou para animar os aflitos, para anunciar a libertação aos escravos e a liberdade para os que estão na prisão (Is. 61. 1). Agora, se eu e você, se a igreja está presente em um ambiente mas os pobres não recebem boas notícias, os aflitos não são animados, os escravos – os explorados – não são libertos, os presos – os injustiçados – não são livres, ou não recebem o nosso apoio em suas lutas, para mim isso é um forte indício de que não estamos tão cheios do Espírito quanto estamos de nós mesmos.
Billy Graham admitia que um dos traços principais que caracterizam uma igreja e um cristão como cheios do Espírito é o envolvimento nas causas que redundam na transformação da sociedade e libertação do oprimido. O cristão, cheio do Espírito, deveria ser alguém profundamente otimista, utópico e lutador. Mas o que vemos, lamentavelmente – e que nos marca como pessoas que precisam aprender a mergulhar mais na intimidade dos rios de águas vivas do nosso Deus –, são cristão adeptos da tese do quanto pior melhor, como se o mundo precisasse piorar para a volta de Jesus, para o quê a igreja colabora com sua omissão. Muitos cristãos, profundamente pessimistas, manifestam sua falta de enchimento do Espírito e sua plenitude de Si mesmos. Mas ainda há tempo de voltar atrás. As águas da vida de Jesus permanecem disponíveis para quem quiser bebê-las. Basta correr e se chegar a Ele. Com fome e sede de justiça, que serão plenamente saciadas.

16.10.05

Filhos de Deus

Felizes as pessoas que trabalham pela paz, pois Deus as tratará como seus filhos.
Mateus 5. 9

Ontem, em um dos muitos debates em que participamos acerca do Referendo, um irmão amigo perguntou à platéia na Igreja do Nazareno em Natal quem queria ser reconhecido como filho de Deus. O texto do Sermão do Monte nos diz que serão tratados como filhos por Deus aqueles que trabalharem pela paz. Isso ficou na minha cabeça.
Às vezes, eu escrevo sobre as nossas vidas íntimas e nossas relações mais particulares com Deus. Mas às vezes é preciso que a gente se lembre que está no mundo, hoje, para fazer diferença e fazer o mundo diferente. Nessa tarde, participei, junto com algumas milhares de pessoas, umas dez mil, de uma Caminhada pela Paz pelas ruas da cidade. Caminhar pela paz não gera a paz como um passe de mágica, mas é uma ação a favor dela porque transforma nossas mentes e nossos corações pela paz.
Ali, refleti sobre a oração atribuída a Francisco de Assis: Senhor, faze-me instrumento de Tua paz! Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver discórdia, que eu leve a união. Onde houver dúvidas, que eu leve a fé. Onde houver erros, que eu leve a verdade. Onde houver ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver desespero, que eu leve a esperança. Onde houver tristeza, que eu leve a alegria. Onde houver trevas, que eu leve a luz. O filho de Deus, fazedor da paz, transforma os ambientes em lugares onde a graça de Deus se manifesta de forma natural. O filho de Deus é instrumento da paz do Senhor onde quer que esteja e pede a Deus para que seja sempre esse instrumento.
Da caminhada fui pregar em uma de nossas igrejas. No culto de missões, falei sobre o perfume de Cristo que nós somos, texto sobre o qual escrevi na semana passada: Como um perfume que se espalha por todos os lugares, somos usados por Deus para que Cristo seja conhecido por todas as pessoas (2 Co. 2. 14). E tudo se relaciona. A presença do Senhor é capaz de fazer profunda diferença na vida dos outros a partir de nós. O cheiro do Senhor se espalha desde os nossos corações e vai tocando e transformando as vidas à nossa volta.
Só podemos viver essa realidade e essa dimensão se mergulharmos na comunhão e intimidade de Deus, o nosso Pai, através de Jesus. Não é de nós mesmos que somos instrumentos de transformação. Não é nossa a paz que levamos. A paz que levamos, e que pode transformar o mundo, é paz dAquele que nos chama. Sejamos instrumentos da paz do Senhor na transformação do mundo e seremos reconhecidos como filhos de Deus.
Para sermos instrumentos dessa paz precisamos estar impregnados dela. E como isso se dá? Jesus é o Deus da Paz. Ele é o Príncipe da Paz (Is. 9. 6). É apenas nEle que podemos ter a fonte da verdadeira paz, paz que podemos levar ao mundo e que pode construir uma nova cultura, uma cultura de paz: Deixo com vocês a paz. É a minha paz que eu lhes dou; não lhes dou como o mundo a dá. Não fiquem aflitos, nem tenham medo (Jo. 14. 27). Ele que fez a paz entre o homem e Deus e entre o homem e o homem por meio de Sua cruz. Impregnados dEle podemos levar a Sua paz ao mundo.
Fui à caminhada pela paz e tenho tentado ao máximo trabalhar pela paz porque quero ser instrumento da paz de Deus ao mundo. Quero estar impregnado do shalom, afogado na Sua presença. Quero, e peço isso ao Pai, ser reconhecido como filho de Deus por ser construtor da paz. Uma paz que, acredito, não é um horizonte irrealizável para o cristão, mas uma utopia possível construída na dimensão da vida e da comunhão com Cristo: Eles transformarão as suas espadas em arados e as suas lanças, em foices. Nunca mais as nações farão guerra, nem se prepararão para batalhas (Is. 2. 4).