26.2.05

No deserto

Então o Espírito Santo levou Jesus ao deserto para ser tentado pelo Diabo..

Mateus 4. 1.

O deserto é o lugar da prova. Para lá o Espírito conduziu Jesus.

O que é um deserto do ponto de vista físico? Um deserto é um lugar sequíssimo, árido, com total ausência de frescor, total ausência de vida ou de qualquer coisa que possa refrigerar. É um lugar de solidão. O deserto é um lugar sem companhia.

Essas são realidades que podem ser transpostas para a vida espiritual. No entanto, o deserto espiritual é muito mais um momento, uma circunstância, do que um lugar. É um momento em que nos falta frescor e refrigério espiritual, como se as coisas estivessem mais difíceis por Deus estar distante. Os céus parecem fechados e vida plena e verdadeira, ausente. Estamos sós. Parece que não há mais esperança para nós porque até Deus parece não nos ouvir mais.

O mais duro é que todos precisamos passar por desertos. Todos precisamos passar por momentos em que as coisas parecem mais difíceis, em que parece haver uma completa ausência de Deus conosco. Momentos em que parece que a vida de Cristo nos falta. Nada é capaz de refrigerar a alma. Todos passamos por situações que nos esgotam e que nos deixam apenas com a aridez de nossas almas. Não há orvalho para revigorar. A chuva não revitaliza a terra seca.

Se a gente parar para pensar nos nossos desertos... momentos em que tudo parece ter chegado ao fim, estamos esgotados e só queremos jogar tudo para o alto.

São situações em que olhamos todas as direções e não encontramos perspectivas. Os céus parecem não receber a nossa oração. E nada renova nossas forças e nosso espírito. O que pode nos confortar é lembrar sempre que tudo isso é aparência. O Espírito ainda está ali, no controle de tudo.

E quem nos leva ao deserto? Nós, com os nossos pecados? O texto diz que não. O Espírito levou Jesus ao deserto. É o Espírito Santo Quem nos leva e, assim, no dá uma oportunidade de crescimento. Crescimento na fé, na perseverança, na resistência. O deserto é lugar para resistência. Resistência como a do vaqueiro nordestino que enfrenta o sertão semi-árido e é capaz de ali viver e ali fazer brotar a vida. Resistência que fez Euclides da Cunha dizer que o sertanejo é, antes de tudo, um forte.

Mas o crescimento é especialmente na fé. O deserto é um momento em que Deus parece estar ausente. Mas precisamos crer que isso não é verdade. Ele está ali, presente, mas só uma fé amadurecida, profunda e exercitada pode nos dar essa convicção. E o principal resultado do deserto em nossa vida de fé é desenvolver essa fé robusta necessária que nos conduzirá para caminhos inimagináveis na vida com o Senhor.

25.2.05

Levado pelo Espírito

Então o Espírito Santo levou Jesus ao deserto para ser tentado pelo Diabo..

Mateus 4. 1.

Jesus tinha acabado de ser batizado por João. O Espírito Santo descera sobre Ele na forma de uma pomba e a voz do Pai lhe chamou de Filho querido. Agora, o texto diz que o mesmo Espírito o levou para o deserto a fim de que fosse tentado pelo Diabo.

O primeiro personagem que se destaca aqui é o próprio Espírito. Ele enche, capacita e batiza. Então, leva ao lugar de prova. Ao nos ungir e guiar, o Espírito Santo nos conduz também para momentos delicados de resistência, fé e perseverança.

Às vezes é difícil perceber ou admitir que Deus prossegue no controle de tudo, que é Ele quem, em uma última instância, permite que passemos pelas lutas e provas, porque Ele sabe que essas coisas nos aprovaram como Seus servos. Como na história de Jó, que perde tudo, inclusive a saúde, para que possa perceber, ao fim e ao cabo, que antes só conhecia a Deus de ouvir falar, mas agora foi impactado pela visão gloriosa do Senhor.

De forma semelhante, foi Deus Quem fez com que o povo de Israel passasse quarenta anos no deserto antes de penetrar a Terra Prometida. Se por um lado aquilo foi castigo contra a dureza do coração do povo, por outro foi prova para que apenas uma geração renovada pelo próprio Deus tomasse posse do que Ele tinha preparado para aqueles que O amam. Deus promoveu aquela caminhada no deserto, conduzindo o povo, para que o povo que por fim entrasse na Terra estivesse pronto para caminhar com Ele. Ele conduzia o teste do deserto.

Um pouco antes disso, Deus já fizera a mesma coisa com o próprio Moisés. Moisés matara aquele egípcio e fugira para o deserto. Lá, constituiu família com Zípora. Cuidava das ovelhas de seu sogro. O Espírito, no deserto, foi preparando o caráter e o coração de Moisés. Até que, quarenta anos passados, com Moisés testado e aprovado, a sarça que queimava e não se consumia revelou o Deus vivo que vinha libertar Seu povo. E usaria o próprio Moisés para isso.

Quando Elias fugiu de Jezabel, foi para o deserto. Até que o Espírito restaurou seu coração falando com ele na brisa do Horebe. Do mesmo modo, quando Paulo cai do cavalo e se encontra com Jesus, se recolhe ao deserto por três anos para aprender aquilo que o Espírito Santo lhe queria ensinar.

Em todos esses momentos, a principal presença é a do Espírito Santo. O Espírito é Quem controla esses momentos de tentação, de prova e de teste. Ele está ali conosco, prepara e conduz esses momentos para nos aprovar e nos fazer ser o que Ele quer que sejamos. O Espírito está sempre conosco nessas horas, como estava com Jesus, levando-O para ser tentado pelo Diabo no deserto.

24.2.05

Folhas secas

Somos como folhas secas; e os nossos pecados, como uma ventania, nos carregam para longe. Não há mais ninguém que ore a ti, ninguém que procure a tua ajuda. Por causa dos nossos pecados, tu te escondeste de nós e nos abandonaste.

Isaías 64. 6 – 7.

Não é sem tristeza que constatamos que um versículo como esse traduz bem o que temos vivido nos dias de hoje. Não é muito difícil contemplarmos que a vida com Deus, que foi prezada por milhares no passado, tem sido negligenciada nos dias atuais em prol de coisas que temos julgado serem mais importantes. Desse modo, o lamento do profeta é tristemente verdadeiro para nós. Não há mais ninguém que ore a ti.

Temos perdido uma dimensão fundamental da nossa vida: a dimensão espiritual. E a temos perdido porque temos deixado de lado a única coisa que a pode manter viva e saudável: a oração, a busca pela ajuda do Senhor. Em decorrência disso, não conhecemos mais a Deus.

O pior de tudo é que, nesse processo, cada vez mais somos lançados mais longe do Senhor. Sem comunhão com Ele, não nos convencemos de nossos pecados e não buscamos o Seu perdão. Assim, os levamos conosco, pesando em nossa conta. Não conseguimos deixar de ser como folhas secas. E, os nossos pecados, como uma ventania, nos arrastam para mais distante ainda daquele a quem temos chamado de Senhor. Nada pode impedir que nossas vidas sejam conduzidas por essa ventania para mais e mais distante de Deus. Findaremos por conhecê-Lo ainda menos, por buscá-Lo ainda menos, por orarmos ainda menos. E, nesse círculo vicioso, estaremos perdendo a vida na dimensão que é o projeto que Deus tem para ela.

Deus termina por se esconder de nós. Terminamos por nos sentirmos abandonados por Ele. Não O vemos, não bebemos da sua Água, não usufruímos da Sua comunhão. Afundamo-nos ainda mais longe dEle. É um círculo vicioso que nos conduz para baixo e do qual é extremamente difícil sair.

Acredito que a única chance que temos de romper com isso, de transformar tudo, é por uma tremenda ação sobrenatural do Senhor. Precisamos ser impactados pela presença santa do Deus vivo para que o laço desse círculo vicioso que nos empurra para longe dEle seja rompido. Precisamos estar dispostos a experimentar isso, a experimentar essa comunhão e esse poder, para que essa ventania seja interrompida e não sejamos mais como folhas secas, mas tenhamos a vida do Senhor em nós.

Como gostaríamos que tu rasgasses os céus e descesses, fazendo as montanhas tremerem diante de ti! Elas seriam como a água que ferve em cima de um fogo forte (Is. 64. 1 – 2). Essa oração do profeta deve ser a nossa oração nesses dias de superficialidade espiritual. Deve ser o clamor das nossas almas para que possamos sair da mesmice em que nos encontramos e que nos distancia cada dia mais do nosso Deus.

Se queremos mudar a situação em que estamos precisamos pedir pela presença do Senhor, Aquele que desce dos céus e diante de Quem toda a terra treme, os montes fumegam e se derretem como água. Nossa vida superficial não pode continuar a mesma ao nos depararmos com tamanha glória. A presença do Senhor fará nosso coração tremer, fumegar e se derreter como água, para que o nosso Pai, bom oleiro, possa fazê-lo de novo, santo aos Seus olhos. Se queremos ser salvos dessa superficialidade devemos pedir a Deus que desça do céu e nos impacte e transforme. Precisamos estar dispostos a sermos derretidos diante do Deus santo que desce dos céus.

E podemos estar certos que Deus está disposto a responder essa oração. Tudo o que Ele deseja encontrar no meio do povo é gente que esteja disposta a buscar verdadeiramente a vida de comunhão, impacto e transformação com Ele. Ele se deixará achar por aquele que O buscar verdadeiramente, que clamar para que desça do céu e transforme tudo pelo impacto de Sua Gloriosa Presença. Porque ninguém viu ou ouviu falar de outro deus além de ti, de um deus que faz coisas assim em favor dos que confiam nele (Is. 64. 4).

23.2.05

O fardo de Jesus

Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.

Mateus 11. 28 – 30.

Muitos dentre nós temos andado cansados e sobrecarregados, nem tanto por causa da correria do dia a dia ou por causa da fadiga natural decorrente de nossas atividades. Boa parte de nós tem vivido cansada e sobrecarregada porque temos carregado uma pesada carga de ressentimentos, amarguras, tristezas acumuladas ao longo de toda uma vida. Somos oprimidos e encurvados pelo peso dessa carga. Estamos espiritual e emocionalmente cansados, pesados e sobrecarregados. Feridas que não cicatrizaram, que nós nem deixamos que cicatrizem, e que nos tornam profundamente abatidos pelo peso e carga emocional que nos deixamos carregar.

Não conseguimos abrir mão de muitas coisas que nos marcaram pela vida inteira. Levamos, por isso, um fardo pesado. Estamos sob um jugo que nos sufoca. Estamos cansados da pesada carga e que nos oprime.

Outras coisas nos cansam no dia a dia contemporâneo. As preocupações de emprego, de estudo, de família, de manutenção. As atividades que inventamos ou que temos de participar. Mas certamente os maiores fardos que carregamos são as feridas da alma que ninguém pode ver. Essas deixam nossa alma por demais cansada e sobrecarregada. Ressentimentos, amarguras, tristezas, falta de perdão. Essas são cargas que nos oprimem e sufocam. Não somos capazes de emergir sozinhos debaixo de todo esse peso.

Cristãos podem estar vivendo cansados e sobrecarregados. A pergunta é se isso precisa ser assim. Jesus faz um convite que aponta uma solução e indica que a resposta é não. Vinde a mim. O convite de Jesus é muito interessante a esse respeito. Ele nos propõe uma troca: nós lhe damos a nossa carga, que está nos matando, e Ele nos dá o Seu jugo, que é suave, e o Seu fardo, que é leve. Essa troca é vantajosa demais para nós e extremamente necessária. E é uma troca que só Jesus pode realizar.

Parece-me que o ato de ir a Jesus para ser aliviado se traduz nos ator de tomar e aprender. Vir a Jesus é tomar o Seu jugo e aprender dEle, que é manso e humilde. Se a alma cansada deseja alívio, Ela deve se submeter primeiro ao absoluto Senhorio de Cristo, tomar o Seu jugo. Este é um Senhorio suave porque ao mesmo tempo que nos exige algo, nos dá a graça correspondente para executar.

Por outro lado, a alma cansada precisa aprender a humildade e mansidão. No texto, há uma relação entre ser manso e humilde e o achar descanso para a alma. Penso que na humildade e mansidão se encontra a raiz de toda cura para aquelas coisas que nos oprimem e sobrecarregam. A cura, o alívio, a troca do fardo pesado pelo fardo de Jesus, começa no aprender a ser manso e humilde. Não há lugar para ressentimentos e mágoas em um coração manso e humilde.

Ressentimentos e mágoas são as principais coisas que nos oprimem. E eles nascem de orgulhos feridos. O início da cura e a prevenção está em aprendermos a ser mansos e humildes de coração. Humildade não convive harmoniosamente com o orgulho. Para acharmos descanso e alívio para a alma, devemos começar buscando aprender humildade e mansidão de Jesus. A maravilhosa troca de fardos começa daí.

Qual a alma cansada que não deseja descanso? Qual a alma sobrecarregada que não quer alívio? Jesus promete: Venham a mim, certamente eu vos aliviarei, certamente eu darei descanso às vossas almas.

Nós não precisamos andar cansados e sobrecarregados. O nosso Senhor quer trazer descanso, paz e alívio para nós. Ele quer curar profundamente as nossas almas. Há tanta gente oprimida pelos ressentimentos, amarguras e tristezas acumuladas, sem necessidade. Temos um remédio maravilhoso à disposição.

Para que isso dê certo, é preciso uma coisa. É preciso investir tempo para conhecer a Deus. É preciso investir tempo no relacionamento com Jesus para podermos aprender com Ele a sermos mansos e humildes.

Você não passa nem 15 minutos por dia na presença do Senhor; você não conhece a Sua Palavra; e você quer que as coisas dêem certo? Elas nunca darão certo assim. Você continuará cansado e sobrecarregado, sem o alívio que Jesus quer dar a quem quiser aprender com Ele a ser manso e humilde de coração, porque você é incapaz de investir tempo em conhecer a Deus. Conhecer a Deus não é ir aos domingos à Igreja. Muito menos erguer as mãos atendendo um apelo. Conhecer a Deus é investir tempo no relacionamento com Ele. Mas você não faz isso porque tem coisa mais importante para fazer do que orar e ler a Bíblia.

Enquanto você não busca ser íntimo de Jesus continua chafurdando na lama de suas dores, suas culpas, seus ressentimentos, falando mal de todos. Abra seu coração. Jesus quer aliviar você, quer conhecê-lo em oração. Porque conhecê-lo intimamente é investir tempo nEle.

Uma coisa é necessária para que Jesus nos alivie: que busquemos Sua intimidade. Mas em vez de fazermos isso, seguimos com nossos ressentimentos e mágoas, e não pomos nosso coração em buscar o conhecimento do Senhor, mergulhando ainda mais no lamaçal em que estamos.

Ainda há tempo. Ouça o convite do Senhor: Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Ouça o convite do Senhor e se deixe levar à Sua intimidade, para ser aliviado e curado. Ainda há tempo.

22.2.05

A santa semente

Como terebinto e como carvalho, dos quais, depois de derribados, ainda fica o toco, assim a santa semente é o seu toco.

Isaías 6. 13.

Deus é o Deus do resto. Mesmo que se importe com o todo, o Seu foco está no resto. Naquilo que sobra. Naquilo por que ninguém dá nada. No toco. Deus olha e usa o resto, o toco.

A religião do povo de Israel tinha duas dimensões. De um lado, havia uma dimensão nacional. Aquele povo fôra formado pelo próprio Deus no momento em que Ele separou Abrão na Mesopotâmia. Assim, nesse sentido, a relação do povo com o Senhor era nacional. Mas ninguém precisava de relacionamento pessoal com o Senhor ou de entregar sua vida a Ele para estar nesse nível de relação. Cada um fazia parte do povo por direito nato e por meio da circuncisão. Ninguém estava obrigado a ter no coração a vida do Senhor. Havia uma série de leis a serem cumpridas, normas a serem seguidas, cultos a serem freqüentados, mas ninguém estava obrigado à transformação no íntimo. Tudo era externo e suficiente. Os judeus, dessa maneira, formavam um povo para Deus, mesmo que o nível de comprometimento espiritual fosse bastante baixo, ou mesmo nulo. Desse modo, era muito fácil seguir a religião de Javé, ao mesmo tempo que o coração adotava o culto a Baal debaixo das árvores sagradas. Essa dimensão da relação do povo com Deus era nacional, não espiritual.

Mas havia uma outra dimensão. Uma dimensão do espírito. Os que tomavam parte nisso era diretamente chamados por Deus. Sua circuncisão era no coração e não no corpo. Era sua mente que se voltava a Deus. Eles entendiam a necessidade de um relacionamento pessoal, individual, espiritual com o Deus vivo. Eles experimentavam a vida com Deus. Não havia apenas uma questão nacional, mas era uma crucial questão de vida. Desse grupo fazia parte, inclusive, gente que jamais fez parte do povo de Israel. Veja o exemplo de Melquisedeque e de Jetro. Esses tinham vidas de intimidade e de relacionamento com o Senhor. Mas sempre foram o resto. Sempre foram o toco, a santa semente que sobrou.

A profecia de Isaías nos diz que, por mais que o profeta pregasse, o povo não teria ouvidos para ouvir, ou olhos para ver, não se converteria. Os seus corações estariam insensíveis. Sua relação com Deus era apenas uma questão de identidade nacional. O profeta perguntou até quando isso duraria e Deus lhe respondeu que até toda a nação ser dizimada. Inteiramente, ao ponto de só restar um toco. O resto. Era esse resto que seria a santa semente para um vida diferente com Deus. Uma nova vida, uma nova história.

Deus sempre trabalhou com a minoria. Nos dias do rei Acabe, todo o povo seguia o soberano no seu culto a Baal. A pessoa mais influente do reino era a sua maligna esposa Jezabel. Elias se levantou para enfrentar toda essa situação difícil. No monte Carmelo bateu de frente com os profetas de Baal e do poste-ídolo, protegidos pela rainha. Todos terminaram destruídos quando o Senhor mostrou quem era, verdadeiramente, Deus. Elias fugiu, deprimido e com desejos de morte. Até que teve um restaurador encontro com o Senhor, na brisa do Horebe. Duas vezes, no diálogo com Deus, Elias se lamenta, dizendo: Tenho sido em extremo zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança, derribaram os teus altares e mataram os teus profetas à espada; e eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida (1 Reis 19. 10 e 14). A isso, Deus responde: Conservei em Israel sete mil, todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda boca que o não beijou (v. 18). O Senhor lhe dizia: Não se preocupe: eu sou Deus do resto, eu sempre conservarei um resto. Você não está só. Há um resto fiel.

A gente pode até ficar triste. Mas a verdade é que muito provavelmente nem todos no meio da Igreja de hoje vão entender o sentido de se ter uma vida íntima com Deus, de se buscar a Sua face. Nem todos vão assumir a vida de discipulado, de quebrantamento na presença de Deus, de amor, louvor, adoração e intimidade com o Senhor. Muitos vão preferir continuar com uma espécie de relacionamento “nacional” com o Senhor, firmado em ser membro de uma igreja, ser fiel nos cumprimentos de suas obrigações eclesiásticas e na freqüência aos seus cultos, mas sem vida de intimidade com o Senhor, sem o coração voltado para Ele, sem compromisso efetivo em ouvi-Lo e viver com Ele, sem transformação real de vida. Somente um resto, um toco, uma santa semente assumirá essa postura de uma efetiva e transformadora vida com Deus. E, haverá, então, um instante em que a ação poderosa do Senhor vai nos varrer a todos pelo Seu amor. E esse resto dará início a uma nova história de vida e relacionamento com Deus. Como nos dias de Elias, como nos dias de Isaías, até como nos dias da Reforma de Lutero, Calvino e Zwínglio. Restará a santa semente, o toco que brotará nova vida.

O desafio para nós é escolher qual das duas dimensões de vida com Deus, qual dos dois tipos queremos para nossa vida. Estaríamos dispostos a assumir uma vida de real compromisso, intimidade, temor e adoração a Deus? Estaríamos dispostos a suportar todo o processo de desasossego e transformação de vida que isso implicaria? Queremos ser o resto, a santa semente, ou preferimos ir ao gosto da maioria? Restará a santa semente apenas, o toco que brotará vida.

21.2.05

Transparência

A mensagem que Cristo nos deu e que anunciamos a vocês é esta: Deus é luz, e não há nele nenhuma escuridão. Portanto, se dizemos que estamos unidos com Deus e ao mesmo tempo vivemos na escuridão, então estamos mentindo com palavras e ações. Porém, se vivermos na luz, como Deus está na luz, então estamos unidos uns com os outros, e o sangue de Jesus, o seu Filho, nos limpa de todo pecado.

1 João 1. 5 – 7.

Uma coisa sempre me causou admiração na vida de Davi. Ele me parece um dos personagens mais transparentes da Bíblia. Ele não se escondia e não escondia quem era de quem quer que fosse. Isso fica claro em várias passagens de sua vida. Em um dado momento, por exemplo, finalmente o rei consegue levar a Arca para Jerusalém. Ele estava em êxtase. Davi, vestindo um manto sacerdotal de linho, dançou com todo o entusiasmo em louvor a Deus, o Senhor. Mical, filha de Saul e sua mulher, olhou pela janela, viu o rei Davi pulando e dançando em louvor ao Senhor. Então sentiu por ele um profundo desprezo (2 Sm. 6. 14 e 16). Mais tarde, Mical repreende Davi porque o rei dançava sem se importar com quem estava à sua volta, chegando a mostrar suas roupas íntimas às mulheres em volta. Davi estava feliz e entusiasmado. Não estava nem aí para o que os outros iam pensar nem pautava seu comportamento de uma outra maneira por ser rei. Mical revoltou-se: Que bela figura fez hoje o rei de Israel! (v. 20), ao quê o rei respondeu: Eu estava dançando em louvor ao Senhor, que preferiu me escolher em vez de escolher o seu pai e os descendentes dele e me fez o líder de Israel, o seu povo. Pois eu continuarei a dançar em louvor ao Senhor e me humilharei ainda mais diante dele. Você pode pensar que eu não sou nada, mas aquelas moças de quem você falou vão me dar muito valor!i (vv. 21 – 22).

Quando pecava, Davi assumia seu pecado publicamente, diante de todos. Quando errava, encarava a si mesmo e a Deus com honestidade. Mesmo em seu pior momento, sua transparência, por fim, se ressaltou. O pecado de Davi na história com Bate-Seba é relatado em 2 Sm. 11. Ele adulterou, mentiu e assassinou Urias, o marido traído. E fingiu um tempo. Mas aí Deus enviou Natã para repreender o rei. Ele assumiu e confessou seu pecado: Eu pequei contra Deus, o Senhor (2 Sm. 12. 13). Uma série de salmos de arrependimento são atribuídos ao rei e às suas vivências nesse período. Mesmo sendo rei, liderança do Povo de Deus, ele não tinha medo de mostrar sua fragilidade e de parecer fraco. Ele era igual ao povo: nem mais, nem menos santo.

Enquanto não confessei o meu pecado, eu me cansava, chorando o dia inteiro. (...) Então eu te confessei o meu pecado e não escondi a minha maldade. Resolvi confessar tudo a ti, e tu perdoaste todos os meus pecados (Sl. 32. 3 e 5).

Estou me afogando nos meus pecados; eles são uma carga pesada demais para mim (Sl. 38. 4).

E o principal destes salmos: Pois eu conheço bem os meus erros, e o meu pecado está sempre diante de mim. Contra ti eu pequei – somente contra ti – e fiz o que detestas. Tu tens razão quando me julgas e estás certo quando me condenas (Sl. 51. 3 – 4).

É curioso pensar que, mesmo que esses salmos atribuídos a Davi não tenham sido escritos por ele, a visão que o povo tinha de seu principal rei era a esse ponto fantástica. A tradição e a história de Israel não se importavam de que seu rei parecesse fraco, assumindo publicamente seus erros. Ele podia se mostrar fraco, pecador, frágil, e, ainda assim, era a referência espiritual de toda uma nação. Aliás, era um homem segundo o coração de Deus. Porque era um homem transparente. Não se escondia, não fingia ser o que não era, não temia se mostrar frágil, se mostrar infantil em sua celebração a Deus. Não se conformava às imposições que a sociedade poderia lhe exigir devido ao seu papel de rei. Provavelmente foi isso que ganhou a confiança, o amor e admiração de Israel. E foi aí que ele se tornou homem segundo o coração de Deus.

Vivemos uma época, parece, que ser transparente e demonstrar a nossa fraqueza e fragilidade são encarados como pecados e defeitos mortais. Líderes evangélicos são vistos por aí, dedo em riste, gritando a sua fortaleza, o valor da sua fé. Ninguém se quebranta. Ninguém se revela. Ninguém é honesto e transparente. Parece não haver, entre eles, qualquer pecado. Ninguém é pecador. São como aqueles fariseus dos tempos de Jesus que atavam pesadas cargas sobre os convertidos, mas não lhes ajudavam nem com um dedinho a carregá-las. Pecado mortal parece ser assumir a própria fraqueza e fragilidade. Ser transparente. Mas, se dizemos que não temos pecados, estamos nos enganando, e não há verdade em nós (...). Se dizemos que não temos cometido pecados, fazemos de Deus um mentiroso, e a sua mensagem não está em nós (1 Jo. 1. 8 e 10).

João escreve que Deus é luz. Quer dizer, todas as coisas são transparentes diante dEle. Nada pode se esconder. Ninguém pode. Não há como preservar pontos escuros em nossa vida ou personalidade. Todas as coisas se revelam ante o Senhor. Se tentamos esconder algo em nossas vidas, se tentamos fazê-las não transparentes, então estamos mentindo com palavras e ações.

Por outro lado, se assumimos vidas transparentes diante de Deus e de nossos irmãos, vivemos na luz, como Deus está na luz. Estamos unidos uns com os outros, unidos com o Pai, e o sangue de Jesus, o seu Filho, nos limpa de todo pecado.

Paulo não se preocupava em esconder suas fraquezas das igrejas. Por várias vezes ele se assume como o maior dos pecadores, o principal deles. O cume dessa caminhada acontece quando o apóstolo escreve aos Coríntios, dizendo que pedira ao Senhor que lhe removesse um espinho na carne enviado por Satanás, ao quê Jesus negou três vezes: A minha graça é tudo o que você precisa, pois o meu poder é mais forte quando você está fraco (...) Eu me alegro também com as fraquezas, os insultos, os sofrimentos, as perseguições e as dificuldades pelos quais passo por causa de Cristo. Porque, quando perco toda a minha força, então tenho a força de Cristo em mim (2 Coríntios 12. 9 e 10).

O caminho para sermos cristãos segundo o coração de Deus é buscarmos uma vida de transparência e honestidade. Não escondendo coisa alguma nem de nós nem dos outros. Porque Deus é luz e diante dele todas as coisas são translúcidas. Nossa fraqueza, nossa fragilidade, nossa vida. Ser cristão é ser transparente, deixando que a luz de Deus brilhe através de nós e em nós.

20.2.05

Atitude do coração

O Senhor, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra.

Habacuque 2. 20

Tenho refletido nesses dias sobre o encontro com o Senhor Santo e Poderoso. Na verdade, esses pensamentos têm me conduzido à reflexão acerca de um tema muito caro para muitos, mas pouco entendido e assumido nos corações: a reverência.

É comum que ouçamos instruções para igrejas se porem de pé para a leitura da Palavra de Deus em sinal de reverência. Ou a obsessão pelo silêncio absoluto em nossos cultos como manifestação de reverência ao Senhor. Em outras palavras, nossa tendência tem sido a de normatizar a reverência, forçando-a a partir de regras de posturas e de comportamentos, que atendem, na verdade, muito mais a nossa necessidade de ordem na vida do que significam sermos reverentes de verdade. A reverência é uma atitude de coração. Por isso, tenho percebido que mesmo as pessoas mais preocupadas com a ordem em nossos cultos são das mais irreverentes, porque não se depararam, conscientemente, com o coração santo do Senhor. Ao menos, não se apercebem disso. Seus corações não se calam diante do Senhor.

Reverência é uma atitude de coração. Não é normatizável, não pode ser exigida. Apenas pode ser vivida. Apenas pode ser experienciada. Reverência é a única atitude possível para aquele que se vê diante do Deus Vivo. Não é pensada, é apenas reativa. Ela simplesmente acontece como resultado de nossa comunhão com o Deus Santo. A presença de Deus nos paralisa. Porque, como eu já disse, Ele é Santo e eu sou pecador.

O Senhor, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra (Hc. 2. 20). O verdadeiro adorador, o sedento que busca dia e noite pela face de Deus, que O adora em espírito e em verdade, que vive a Sua intimidade, não tem outra escolha. Deparar-se com o Deus vivo é calar a mente e o coração. É quedar-se paralisado e silenciado diante do êxtase da Presença, da Glória e do Abalo. Não é uma atitude escolhida, mas é o resultado de se estar diante de Deus. Entrar na presença de Deus forçosamente tem como resultado, diante da consciência do abismo e da distância entre o nosso ser e o Ser Criador, o silêncio e a reverência.

Deus está aqui. Eu sinto o impacto de Sua Glória me envolvendo. O povo parou diante do Sinai. A nuvem da Glória do Senhor desceu sobre o monte. O som como de trombetas, vindo do céu, era ensurdecedor. Moisés subiu para se encontrar com Deus. O povo tremeu. O monte tremia e fumegava com a presença do Senhor. Os corações tremiam e temiam. Tudo era aterrador. Diante de Deus tão Santo e Poderoso, todo coração se cala, todo joelho se dobra, todo ser se curva, toda mente adora. É inevitável. É inevitável perceber a grandeza e o poder de Deus e silenciar por inteiro.

Por isso, a irreverência que podemos perceber em nossa volta é um entristecedor sintoma de um problema mais sério. Nossas vidas espirituais têm sérios problemas. Não temos ido ao Senhor. Ele não nos tem impactado. Logo, nossos corações não podem se quedar silenciados, tementes e reverentes ao Deus Santo. Porque não temos ido a Ele. A irreverência não é o principal de nossos problemas, mas apenas indica o maior de todos: a intimidade do Senhor é uma coisa da qual passamos distantes, a qual desconhecemos. Não a queremos, não a buscamos. Não a julgamos importante. Aumentamos nossa falsidade, superficialidade e mentira. Nossa irreverência. Cantamos com toda empolgação que Deus é tudo o que temos, mas fugimos de um real e transformador encontro diário com Ele.

Reverência não é algo que as normas da igreja podem impor ao coração. Reverência é algo que nasce do contato íntimo e pessoal entre o cristão e o seu Deus, que é Santo. O monte tremia, o fogo ardia, o povo ouvia a voz do Senhor como trovões. Atemorizado. Reverente. A terra inteira se calava diante do Deus vivo.