17.12.16

O Tesouro

Tu foste minha primeira e única escolha, ó Eterno.
E, agora, descubro que sou tua escolha!

Salmo 16.5



O que é importante em nossa vida? O que vale a pena acima de tudo? Em favor de que você é capaz de entregar tudo?

Há diversos projetos de vida e ideologias na existência que, de alguma maneira, justificariam sua entrega total e absoluta.

A entrega total é manifesta na história por meio dos mártires. E não falo só de mártires cristãos, como equivocadamente você possa ter entendido.

Imagine um homem como Che Guevara, capaz de ir até a morte, executado pela CIA e pelo Exército Boliviano, em fidelidade às suas crenças e à sua ideologia de revolução.

Lembre de gente como Mahatma Gandhi, morto pela sua Índia e por sua fidelidade ao pacifismo.

Pense no pastor Martin Luther King, Jr, executado em Memphis por sua fidelidade à luta de libertação dos negros norte-americanos.

Cada um desses, e outros, deixaram um legado eterno e inesquecível por terem se entregado de corpo e alma à sua luta, à sua crença e arcado com todas as inimagináveis consequências de sua entrega total e absoluta.

Eles assumiram um projeto pelo qual valia a pena viver. E todo projeto pelo qual vale a pena viver é suficiente também para que morramos por ele.

O Reino de Deus deveria ser vivenciado por nós na mesma dimensão - ou em uma dimensão ainda mais radical.

É como disse Jesus na Parábola do Tesouro (Mateus 13. 44):

O Reino de Deus é como um tesouro escondido num campo por muitos anos, até ser acidentalmente encontrado por uma pessoa. Ela fica eufórica com a descoberta e vende tudo que possui a fim de reunir a quantia necessária para comprar aquele campo.

O encontro com o Eterno, com Jesus e com Seu Projeto de Reino provocam uma mudança tão intensa que não é possível permanecer o mesmo. Encontramos em Jesus um motivo pelo qual viver em intensidade - e sendo um motivo suficiente para mobilizar nossa vida, é um motivo para nos entregarmos a ele até o fim.

Vale a pena trocar tudo da vida por esse tesouro escondido - o mais precioso dos tesouros.

Esse mais precioso tesouro que faz valer a pena a entrega total e absoluta, esse tesouro há de ser a minha primeira escolha. Esse tesouro é a mais importante e mais prioritária escolha de nossas vidas. Vale a pena abrir mão de tudo o mais para estar com o tesouro, mergulhar no rio da vida, no Eterno, experimentar ao máximo a relação com a Realidade Última da Existência, o Deus Inefável e Inominável que se revela integralmente em Jesus.

O que surpreende o salmista - e que deveria nos surpreender - não é a obviedade de termos em Deus nossa escolha prioritária.

E, agora, descubro que sou tua escolha!

Se parece inexorável que escolhamos o Tesouro escondido, trocando tudo por ele, a surpresa é descobrir que o Tesouro também nos escolhe.

Não uma escolha genérica, qualquer, vazia de propósito, como um produto qualquer retirado de uma prateleira de supermercado.

O Tesouro tem em mim e em você a sua escolha.

Ele me escolheu, pessoalmente e amorosamente. Assim como eu daria tudo por aquele tesouro escondido, o Eterno também daria tudo para me ter com Ele, em Suas mãos, na sua casa, em sua intimidade.

Ele escolheu você, pessoalmente e amorosamente. Ele fará qualquer coisa para ter você com Ele, em sua intimidade.

Ele é o Pai que ama você e você é o filho amado por esse Pai. Esse Pai fará qualquer coisa para ter você em sua casa.

O pai nem quis escutar. Chamou os empregados e ordenou: ‘Rápido, tragam uma roupa decente para ele! Tragam também o anel da família e um par de sandálias. Depois vão buscar uma novilha bem gorda e preparem um churrasco. Vamos festejar! Vamos nos divertir! Meu filho está aqui — vivo! Não está mais perdido: foi achado!’. E a festa começou.

Lucas 15.22-24

16.12.16

Não te demores

E eu? Eu sou um nada e não tenho nada. 
Peço-te que faças alguma coisa de mim. 
Tu podes e tens o que é necessário para ajudar, 
mas, por favor, não te demores. 

Salmo 40. 17 


É muito difícil para nós vivermos sem o controle de elementos fundamentais de nossa vida. Entregar-se a essa falta de controle, às circunstâncias que nos superam fundamentalmente, às lutas que são maiores que nós, a questões que claramente não podemos resolver, faz com que nos vejamos de um tamanho menor do que gostaríamos de admitir que possuímos.

Gostamos de ter controle, de administrar nossa luta, de usar nossas forças para resolver os nossos problemas - problemas que só nos pertencem e a ninguém mais. Costumamos achar, inclusive, que esse é um claro sinal de maturidade na vida.

Mas todos nós já fomos postos diante de alguma circunstância que era impossível que resolvêssemos por nossas próprias forças. Tal como o rei daquela estória infantil, todos nós já tivemos algum momento em que estávamos nus diante de todos, numa demonstração evidente de nossa fragilidade, de nosso vazio, de nosso pequeno tamanho e de nossa incapacidade de resolver os problemas que nos acometem. Eles são bem maiores e estão muito além de nossa capacidade.

O Salmo 40 se encerra com uma súplica que relembra o modo de seu início - Deus tirando o salmista do fundo de poço fétido e lamacento. É como se toda a oração tivesse sido escrita para lembrar a Deus e ao salmista todo livramento extraordinário que o Senhor já tinha promovido e que, diante de seu problema atual, recorrer novamente a Deus pode ser causa de mais segurança e esperança. Lembrar que o salmista não tem forças e não pode pretender encarar seus problemas em suas próprias forças.

“E eu? Eu sou um nada e não tenho nada”.

O salmista reconhece que diante das circunstâncias que tem diante de si, ele não é nada - é como o rei nu.

Não me parece uma frase de quem tem pouco auto-estima, mas de alguém que reconhece que seus problemas estão além de suas forças.

Porque somente Deus pode e tem a força necessária para ajudar.

"Peço-te que faças alguma coisa de mim.
Tu podes e tens o que é necessário para ajudar,
mas, por favor, não te demores”

A gente passa por lutas e circunstâncias da vida capazes de nos soterrar completamente. Coisas que nos fazem crer que vamos ser definitivamente tragados, que não temos como escapar, que seremos sufocados e mortos, que os problemas vão eventualmente nos matar. Nessas horas, olhamos para nós e para quem está ao nosso lado e temos a convicção que não temos como escapar.

Só nos resta olhar e buscar pelo Eterno.

Se há alguém que pode fazer algo e nos ajudar, é ele.

Podemos, diante dele, rasgar o coração, derramar a alma, clamar. Ele tem o que é necessário para nos ajudar.

E podemos esperar, não apenas por sua ação em nosso socorro, mas que essa ação virá no tempo preciso.

Nus, diante do Senhor, podemos confiar que Ele cuida de nós e fará tudo o que puder para nos resgatar, socorrer, ajudar em nossa dor e sofrimento, no momento exato.

15.12.16

Preciso da Tua ajuda

Sê mais brando, ó Eterno, e intervém!
Preciso da tua ajuda.
Estão tentando raptar minha alma,
e quero que sejam envergonhados.
Que caia em desgraça
qualquer um que tente me empurrar para baixo;
Que seja humilhado e criticado sem misericórdia
qualquer um que ore pela minha ruína.
Mas que cantem e sejam felizes
todos os que te buscam com sede.
Os que sabem do que és capaz
contem ao mundo que és nobre e não desistes.

Salmo 40. 13-16

O salmista sabe pelo menos três coisas que podem nos ajudar na nossa luta diária.

A primeira coisa: ele sabe que a melhor ajuda possível na luta e no sofrimento só pode vir do Eterno.

Ainda que não tenha como saber o modo de intervenção de Deus em seu favor, o salmista sabe que se precisa de ajuda, ninguém melhor que o Eterno para ajudar.

Isso porque a vida e a experiência com Deus nos permite constatar que Ele é capaz, caminha ao nosso lado e, melhor de tudo, nunca desiste.

A segunda coisa que o salmista sabe é que, infelizmente, há pessoas a seu redor que só pensam e desejam sua desgraça. Pessoas que, como ele diz, estão tentando raptar sua alma, empurrá-lo para baixo e que, absurdo dos absurdos, oram pela sua ruína. Pessoas que pedem a Deus para que o salmista se frustre, se dê mal, seja ferido. Pessoas que usam da oportunidade de relacionamento íntimo com Deus para pedir contra alguém de quem não gosta.

A última coisa que o salmista percebe é que há um grupo fiel, feliz diante do Senhor e que se alegra com a sua felicidade. Pessoas que, fundamentalmente, se importam em ter intimidade com Deus. Pessoas que buscam a Deus com sede por quem pede o salmista: “que cantem e sejam felizes”!

Depois de tudo por que passou o salmista, depois de seu sofrimento e sua libertação, ele aprendeu sobre a importância da ação de Deus em seu favor, mas ainda tem de se preocupar com companheiros de jornada que abertamente lhe fazem oposição e atuam para lhe prejudicar. Ao mesmo tempo, pode pedir pelos companheiros que, em vez de lhe empurrar para baixo, puxam-no para o alto, para cima, para a felicidade, para a paz, para o compromisso de quem tem sede do Eterno e Altíssimo.

Todos nós passamos por situações assim, mas nem sempre temos visão e maturidade para perceber o cenário em sua inteireza e integralidade. Ao passar pela luta, às vezes vamos confiar irrestritamente em todos que nos cercam ou em qualquer situação com a qual nos deparamos.

O que o Salmo 40 também nos ensina é que precisamos estar atentos a todas as situações, especialmente ao fato de que nem todos os que estão ao nosso redor são confiáveis ou atuam em nosso favor - muitos trabalham contra nós, pelas nossas costas, e, portanto, precisamos ter cuidado.

No meio da luta o melhor apoio é encontrado no Eterno e na intimidade com o Eterno. Ele estende uma mão poderosa para nos resgatar e nos ajuda a não permitir que nos sequestrem a alma.

No meio da luta e na intimidade com o Eterno vamos encontrar os amigos e irmãos que estarão conosco para nos ajudar, mão a mão, ombro a ombro, lado a lado, entregando-se ao Amor em nosso favor.

Que esses “cantem e sejam felizes - todos os que te buscam com sede”.

Ao lado do Eterno, sempre, aprendendo passo a passo a viver uma vida verdadeira, que traz a Eternidade ao tempo presente.

14.12.16

Não moderes tua paixão

Preguei a respeito de ti para toda a congregação;
não omiti nada, ó Eterno, sabes disso.
Não fiz segredo das notícias sobre os teus caminhos, 
não guardei nada sobre mim. 
Falei tudo: sobre tua fidelidade e tua perfeição.
Não retive parcelas de amor nem de verdade
Para meu consumo. Eu disse tudo que sabia;
a congregação conheceu a história toda.
Agora, ó Eterno, não resistas a mim,
não moderes tua paixão.
Teu amor e tua verdade
é que me mantém de pé.
Quando os problemas conspiraram contra mim,
uma multidão de pecados foi enumerada.
Fiquei tão impregnado de culpa
que mal conseguia enxergar o caminho.
Mais culpa havia em meu coração que cabelos na cabeça.
O peso era tanto que meu coração desfaleceu.

Salmo 40.9-12


Meu reencontro com Deus através desses textos de reflexão bíblica aconteceu no pior momento possível de minha vida. Não há o que eu possa esconder.

Foi do fundo do poço, no meio do sofrimento por um grave quadro de depressão e com inúmeros problemas pessoais que rasguei o coração e a vida diante do Eterno e, diante dEle, iniciei o caminho de volta. E nesse caminho recuperar parte do chamado de ajudar as pessoas por meio da reflexão sobre as Escrituras foi irresistível.

Para fazer isso, não havia nada que eu pudesse omitir - nem de minhas dores e sofrimentos, nem de minhas culpas e falhas. Como o salmista, mergulhado na vida real, percebia o tamanho da dor e somava inumeráveis os meus pecados e culpas.

Não fiz segredo de meus sentimentos e não fiz segredo de minhas culpas.

Diante de Deus, os expus e por expô-los com honestidade me coloquei em posição de experimentar o cuidado, o amor e a paixão de Deus. Não escondi o que vivi, nem pretendo esconder o que fez o amor de Deus.

O fundo do poço começou a ficar distante em uma noite quando visitei uma igreja de Natal - não apenas porque pedi oração pela minha saúde como também porque percebi quão sem graça era a vida em que nada me dava prazer. Naquele instante bradei que não aguentava mais aquele poço escuro, fétido e enlameado em que eu estava.

Senti o amor de Deus e a sua mão começando a me puxar para fora.

Foi sua mão amorosa que me impulsionou para fora. Para fora da dor e da culpa. O amor esconde a multidão de pecados.

Além disso, eu escrevi minha história, sem omitir nenhuma parte. Um modo de confessa-la aos poucos amigos que leram-na.

Parte do processo de deixar de lado tudo o que pesava na alma e na vida para me deixar preso no poço. Sair do poço era também contar honestamente a minha história.

Eu disse tudo que sabia;
a congregação conheceu a história toda.


Diante disso tudo, posso ter certeza de que nem o amor, nem a verdade, nem a paixão de Deus por mim serão escondidos ou moderados: sua paixão, seu amor e sua verdade são derramados sem medida e percebidos assim por todo coração de que se humilha e se prosta diante dele.

Sair do fundo do poço também significa experimentar de maneira nova, rica e plena a paixão do Senhor por nós, seu amor e sua verdade.

Agora, ó Eterno, não resistas a mim,
não moderes tua paixão.
Teu amor e tua verdade
é que me mantém de pé.


A história não acabou porque você se sente soterrado por toneladas de dor, sofrimento ou pecado.

Ainda há espaço na história para o derramar do amor e do perdão de Deus, para o resgate amoroso do fundo do poço, para que você conte uma nova e ainda mais bela história de sua vida.

Não apenas uma história de sobrevivência ou resgate, mas uma história rica de encontro, reencontro e transformação na paixão, no amor e na verdade do Senhor.

13.12.16

Festa

Fazer algo para ti, levar algo para ti:
não é isso que procurar.
Ser religioso, agir com devoção: 
não é o que estás pedindo.
Então, abriste meus ouvidos
para que eu pudesse ouvir.
E logo respondi: “Estou indo.
Eu li na carta o que escreveste sobre mim.
E estou indo para a festa
que estás preparando para mim”.
Quando a Palavra de Deus entrou na minha vida,
ela se tornou parte do meu ser.

Sl 40. 6-8

Quando eu me converti, duas décadas atrás, queimei livros, discos e roupas que, aparentemente, tinham compromisso com as trevas em vez de com Deus.

Nessa leva foram embora obras-primas da música brasileira e da música pop.

Fiz isso porque acreditava que ser cristão era o mesmo que adotar tais práticas que estavam mais ou menos na moda. Afastar-se do mundo era o mesmo que abandonar a vida secular.

Lembro também do dia em que, pela primeira vez, bati palmas para acompanhar uma canção no louvor da igreja: os olhares recriminadores eram penetrantes e havia uma determinação de que não se podia usar as palmas nos cultos.

Naquela época, também, se faziam votos para conquistar as coisas com Deus. Minha tia fez um voto de sete semanas para que eu me convertesse, as pessoas jejuavam para conseguir as coisas com o Senhor, a quantidade de horas em oração determinava o sucesso de uma empreitada, quem não conseguia dizimar era vítima do demônio devorador.

Paulo diria que éramos todos vítimas de fábulas.

O Salmo 40 nos diz, no versículo 6, duas coisas incríveis sobre o Senhor para quem pensa em sua espiritualidade nos termos que referi acima: Deus não quer sacrifícios e ofertas nem espera de nós que sejamos religiosos. Estar com o Senhor é algo muito maior e muito mais sublime que uma espiritualidade religiosa ou uma prática de cultos e sacrifícios diários.

Deus é mais que religião e culto.

Na versão da Mensagem, a proposta é clara: em vez de religião e sacrifício, festa e celebração. Em vez de algo feito por mim mesmo, um momento sem igual preparado pelo próprio Deus.

Estar com o Senhor não é viver uma vida religiosa ou litúrgica. É andar em festa ao lado do próprio Deus, numa festa preparada por ele.

É celebração não sacrifício.

É a festa do pai do filho pródigo, que o vê se aproximando ainda à distância, não dá ouvidos às suas palavras de arrependimento e prepara uma festa para comemorar o seu retornar: “Vamos festejar! Vamos nos divertir!” (Lc. 15. 11-32).

Tal festa é possível para o fiel porque ele foi capaz de compreender o que realmente importa. E o que realmente importa resulta de seu prazer em guardar a lei no coração e conhecer sua vontade, ou, como diz a Mensagem, da percepção de que “quando a Palavra de Deus entrou na minha vida, ela se tornou parte do meu ser.”

A raiz da festa é mergulhar no Inefável e permitir-se ser tomado por sua revelação, sentindo o prazer de estar diante dele em sua vida.

Só assim a espiritualidade poderá ser liberdade, prazer, festa e celebração. Só assim não estaremos presos em uma religiosidade que destrói a beleza da vida.

12.12.16

Escolhendo o Inefável


Abençoados são vocês, que se dão ao Eterno, 
que viram as costas para as “coisas certas” do mundo 
e ignoram o que o mundo adora!
O mundo é um enorme armazém 
das maravilhas do Eterno e dos pensamentos de Deus.
Nada e ninguém
se compara a Ti!
Comecei a falar de ti, relatando o que sei, 
e logo me fugiram as palavras.
Nem números nem palavras
conseguem te explicar.

Salmo 40. 4-5

Alguém me contou que nas vésperas de morrer, o ateu Norberto Bobbio escreveu em seu diário que estava pronto ir se encontrar com o Mistério.

Outro dia, estava em um pequeno grupo quando uma amiga fez uma pergunta sobre ancestralidade. “Se recuarmos em nossos ancestrais, dos pais, avós, onde vamos parar?”, perguntou. Uma pessoa respondeu: “No Infinito”. “Isso: alguns chamam de Infinito, Criação, Universo, Deus”, complementou.

Paul Tillich falava na Realidade Última da Existência.

Bonhoeffer dizia, com Paulo, que vivíamos nEle e perante Ele, ainda que devêssemos viver como se Ele não existisse.

Cada ser humano uma ou outra é confrontado com o Mistério, o Infinito, a Realidade Última da Existência, Deus.

Após falar de seu livramento e da nova canção que estava cantando, de sua arte e poesia em louvor do Eterno que o socorreu, o salmista pensa nesse Eterno que o ajudou.

Ele é o Inefável, o Inominável, o Incompreensível, Aquele que não podemos reduzir a nada conhecido. Ele é a Riqueza da Existência, o que dá um novo sentido e um novo significado à vida porque, Ele mesmo, tem um sentido e um significado inigualável.

Por isso mesmo, a primeira coisa de que fala o salmista é que é feliz aquele que se entrega ao Eterno, que deixa sua vida fluir no ritmo e na direção que somente Deus pode conduzir - aquele que faz uma opção por mergulhar no rio de Deus, a melhor escolha dentre todas escolhas.

Essa não deve ser uma escolha limitadora ou castradora. Ao contrário, essa escolha é uma escolha de liberdade. Se assim não for, se o efeito que produzir não for esse, esteja certo de que há algo de errado em sua opção.

Se entregar ao Mistério sem reservas, ao Amor Todo-Poderoso, é uma escolha pela maravilha - afinal, o "mundo é um enorme armazém das maravilhas do Eterno e dos pensamentos de Deus”. Escolher o Infinito é perceber, a cada amanhecer, a cada instante, a cada dia, que a beleza e a riqueza do mundo revelam a Deus. Ver a natureza, sua majestade e complexidade é o mesmo que ver o Criador de tão bela obra.

A essa altura, eu mesmo já sinto a dificuldade expressa pelo salmista - não é possível usar as palavras para falar de Deus.

Ele é muito maior que qualquer ideia que possamos ter a seu respeito. Não há palavras que sejam suficientes para falar dele - aliás, se o nomeamos, encaixotamos, reduzimos, limitamos. Deus é maior que qualquer nome que lhe dermos, palavra que usarmos, valor que atribuirmos.

Deus é maior e ninguém pode explicar.

Por isso mesmo, mergulhar nele, entregar-se a Ele, derramar a vida em seu serviço, diante dEle é uma escolha inigualável para o salmista.

O Eterno que o livrou do fundo lamacento do poço, cuja Criação é seu armazém de maravilhas e pensamentos, o Eterno que é único e incomparável, merece todo compromisso, toda entrega, toda dedicação.

Quando nos deparamos com a Realidade Última da Existência, com o Mistério, com o Infinito, com o Eterno, não temos como fugir de uma decisão.

Que possamos ter sempre uma decisão de liberdade: mergulhar no Inefável.

11.12.16

Esperando no fundo do poço

Eu esperei, esperei e esperei pelo Eterno
Finalmente, Ele olhou para mim; finalmente, Ele me ouviu.
Ele me ergueu do fosso,
tirou-me do fundo da lama.
Ele me pôs sobre uma rocha sólida
para se assegurar de que eu não escorregaria.
Ele me ensinou a cantar sua mais nova canção,
uma canção de louvor ao nosso Deus.
Cada vez mais pessoas estão vendo isso.
Elas entendem o mistério, abandonando-se nos braços do Eterno.
(Sl, 40. 1-3)

Todos nós já experimentamos o fundo do poço - ainda que possamos nos surpreender ao voltar ao poço e descobrir que o fundo é ainda mais fundo do que da última vez.

Todos nós já experimentamos, em algum grau, a sensação terrível de estarmos afundando em lama. Andar na lama é caminhar sem qualquer estabilidade, sem nenhuma segurança, sem paz, percebendo a possibilidade de se afogar a qualquer instante. Na lama, estamos sem firmeza, escorregando, sujando-se inteiro, receoso de cair e, sem conseguir novamente se erguer, se afogar com a sujeira. Corremos o risco de nos afogarmos - na lama não na água.

O poço de lama, fundo e sem perspectiva de saída, vai se assemelhando a uma tumba, à cova em que resto condenado à dor, ao sofrimento e à morte.

O fosso é fundo, fétido, escuro - quase não entra a luz do sol.  Respirar dói pela atmosfera pesada. Talvez fosse melhor ficar parado, quieto, esperando a morte para nos livrar de tão sofrida dimensão da vida.

Quem já andou em um piso molhado ou escorregadio, no chão enlameado ou mesmo num mangue, é capaz de entender a metáfora exposta pelo salmista.

É impossível sair, seja porque o fosso é muito fundo, seja porque a lama não nos dá estabilidade necessária para apoiarmos uma saída.

Lembro de uma cena da infância quando estavam realizando o esgotamento de uma fossa sanitária no prédio em que morava. Um trabalhador estava dentro do sumidouro vazio, mas a parede arrebentou-se e a lama fétida encheu o fosso rapidamente. O jovem quase morreu afogado pelo esgoto, mas foi retirado em tempo.

Essa é a imagem da dor, do sofrimento, da angústia.

O salmista se vê em um cenário sem esperança de saída por suas próprias forças.

Ele espera - espera muito - pelo Eterno.

Até que, finalmente, Deus o ouve. E o livra.

Há situações sem esperança na vida: de dor, angústia, sofrimento. Há situações em que esperamos contra a esperança, em Deus, porque é a única coisa que nos resta, a única coisa que nos protege da loucura. “Não havia esperança, mas Abraão creu” (Rm. 4.18).

Estar no fundo do poço, cercado de lama, se afogando, sem perspectiva de saída, é flertar com a loucura provocada pela dor e pelo isolamento.

O salmista esperou, esperou, esperou.

E findou por experimentar o socorro:

Ele me ergueu do fosso,
tirou-me do fundo da lama.
Ele me pôs sobre uma rocha sólida
para se assegurar de que eu não escorregaria.


Deus nos carrega. Ele nos conduz em Seus braços, em Suas poderosas mãos.

Ele nos tira do poço e nos ergue a um chão firme, a uma rocha onde podemos ter segurança, onde não escorregaremos, onde não há mais risco.

Pés firmes no chão.

Pode levar o tempo que levar - para o salmista pareceu tempo demais -, mas tudo é esquecido quando podemos trocar a lama e a insegurança dos nossos passos pela firmeza da rocha para onde somos conduzidos pelo Senhor.

Estamos livres daquele lugar fétido, apertado, escuro, instável e sem saída aparente no qual nos metemos e onde sofríamos de maneira indescritível.

Agora temos um ar para respirar, o sol para iluminar, uma vida e um mundo para observar, uma existência para curtir - não mais para sofrer.

Ele nos tira do poço de lama e nos salva.

E por isso mesmo, coloca em nós uma nova canção porque o coração, cheio de paz e alegria, agora quer cantar, dançar, pular em gratidão por tudo o que aconteceu.

Ele me ensinou a cantar sua mais nova canção,
uma canção de louvor ao nosso Deus.


E essa gratidão, e essa história de sofrimento e libertação, sendo cantada e sendo contada, falará do Deus que nos ama para cada vez mais pessoas, convidando-as a mergulharem no Mistério (melhor que um poço de lama sem fundo) e a abandonarem-se “nos braços do Eterno”.

O amor do Eterno nos traz de volta à vida.