Mas a esperança volta quando penso no seguinte: O amor do Senhor Deus não se acaba e a Sua bondade não tem fim. Esse amor e essa bondade são novos todas as manhãs; e como é grande a fidelidade do Senhor!
Lamentações 3. 21 – 23
Chico Buarque traduziu um sentimento que muitas vezes nos alcança como ser humano em uma das suas composições mais conhecidas: Tem dias que a gente se sente/ Como quem partiu ou morreu/ A gente estancou de repente/ Ou foi o mundo então que cresceu/ A gente quer ter voz ativa/ No nosso destino mardar/ Mas eis que chega a roda viva/ E carrega o destino prá lá (Roda Viva). Vez por outra, somos de tal maneira abatidos, que parece que apenas nos resta ficarmos imóveis. O mundo cresceu de mais a nossa volta. Perdemos o controle das coisas. A gente se sente como quem partiu ou morreu.
Hoje eu me senti assim, um tanto impotente diante das coisas. Comecei o dia em um cemitério. O pai de uma irmã lá da igreja em que presto assistência no interior do estado faleceu ontem. Pela manhã, fomos até o enterro. O homem tinha apenas 63 anos, mas era bastante doente. Fiquei curioso de perceber como os mais pobres e humildes encaram a morte de uma maneira completamente diferente, com suas crendices e costumes. A principal diferença era de espírito. A sensação que me dava é que as pessoas já estão tão habituadas ao sofrimento que a morte, mesmo de um ente querido, não lhes abala tanto quanto costuma mexer em nossas vidas de classe média. Mas, de qualquer forma, é triste um enterro. É um momento de profunda impotência. Um momento de dor, quando o mundo parece parar e crescer de repente. É doloroso e triste encarar a morte assim de frente.
Nessa situação, penso no que escreve o profeta no livro de Lamentações. É um momento de muita dor, de destruição, de morte. É um momento de tristeza profunda, inclusive pessoalmente para o próprio Jeremias. Apesar disso, ele é capaz de falar algo que nos aponta a certeza de que paz, alegria e escape são possíveis nos momentos de maior tristeza: Mas a esperança volta quando penso no seguinte: O amor do Senhor Deus não se acaba e a Sua bondade não tem fim. Esse amor e essa bondade são novos todas as manhãs; e como é grande a fidelidade do Senhor!
O capítulo 3 de Lamentações descreve uma situação difícil que o profeta enfrenta, em meio a destruição que Jerusalém passou. O mais interessante é que Jeremias não tributa esse mal a nenhuma outra causa, que não o Senhor. Vários versículo mostram um homem profundamente convicto de que o Senhor controla cada aspecto de sua vida. Que nada acontece com Ele fora da vontade de Deus. Mas, que, por vezes, Deus se vê obrigado a tratá-lo de maneira mais dura, causar-lhe dor e sofrimento, a fim de que se coloque, novamente, no centro de Sua vontade.
Parece que no agir para moldar o caráter de Seu servo, Deus está mostrando que não mede esforços. Não nos poupará de nenhuma tristeza ou sofrimento, se isso puder fazer-nos ser exatamente aquilo que Ele quer. Toda tristeza que pode nos fazer sentir perdidos, impotentes, vazios, como mortos, podem ser instrumentos do Senhor para nos fazer o que é Seu projeto. A confissão de Jeremias é bastante dura e honesta: Eu sou aquele que sabe o que é sofrer os golpes da ira de Deus. Ele me levou para a escuridão e me fez andar por caminhos sem luz. Com Sua mão, me bateu várias vezes, o dia inteiro. (...) Em volta de mim, Ele construiu um muro de sofrimento e amargura. Ele me fez morar na escuridão, como se eu estivesse morto há muito tempo. Deus me amarrou com pesadas correntes; estou na prisão e não posso escapar. (...) Não posso seguir em frente, pois, com grandes blocos de pedra, Ele fechou o meu caminho. (...) Ele me afastou do caminho, me fez em pedaços e depois me abandonou. (...) Eu lembro da minha tristeza e solidão, das amarguras e dos sofrimentos. Penso sempre nisso e fico abatido (Lm. 3. 1 – 3; 5 – 7, 9, 11, 19 – 20).
Quem pôs o profeta em situação de se sentir perdido? Quem o fez se sentir como quem já partiu ou morreu? Quem lhe colocou essa tristeza de morte no seu coração? A resposta do profeta é única: foi o Senhor. Mas não fez isso com prazer nem sem propósito. Quando Deus nos faz sofrer, devemos ficar sozinhos, pacientes e em silêncio. Devemos nos curvar, humildes, pois ainda pode haver esperança. (...) Não é com prazer que Ele nos causa sofrimento ou dor (Lm. 3. 28 – 29; 33).
Diante de um quadro como esse, em que sofrimento e dor, mesmo que não saibamos como, são provocados por Deus, com um propósito bem definido de Sua parte, só nos resta termos a confiança de que, apesar de tudo, Seu amor nunca acaba. Esta é a mensagem central do desabafo de Jeremias. E é o conforto que Deus quer nos trazer quando nos sentimos perdidos, abatidos, como quem já morreu. Quando a dor, a tristeza e o sofrimento nos abalam terrivelmente. Mas a esperança volta quando penso no seguinte: O amor do Senhor Deus não se acaba e a Sua bondade não tem fim. Esse amor e essa bondade são novos todas as manhãs; e como é grande a fidelidade do Senhor!
Nenhum comentário:
Postar um comentário