30.1.06

Humano

A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheio de amor e de verdade. E nós vimos a revelação da sua natureza divina, natureza que ele recebeu como Filho único do Pai.
João 1. 14

Desde ontem estou vivamente impressionado por esse versículo. Parece ao meu coração que estou redescobrindo a verdade da Revelação de Cristo. Parece que estou reencontrando Jesus em minha vida. Parece que agora a vida de fé tem feito mais sentido para mim. E quão longe eu andava dela!
Deus se fez um de nós em Jesus para ter comunhão com a humanidade. Mesmo assim, muitos de nós temos rejeitado a humanidade. E rejeitando a humanidade, sem perceber, rejeitamos o próprio Deus que optou em se tornar humano. Um de nós. Como diziam os antigos, plenamente humano. Como é impressionante descobrir que a natureza de Deus se revela unicamente na humanidade de Jesus!
Mas nossa tradição religiosa cristã ocidental tem rejeitado a humanidade. E nesse ponto, todos somos iguais, sejamos católicos ou protestantes. A cristandade rejeitou, por exemplo, por muito tempo, a alegria e a diversão. O sorriso na igreja é um pecado para muitos cristãos. A solenidade de nossos ritos se preservaria com rostos tão sisudos quanto as famosas carrancas do Rio São Francisco. O simples riso das piadas contadas às mesas era condenado por todos. Diversão? Só se for segundo as normas eclesiásticas. Todos nós já ouvimos falar de irmãos e irmãs que foram punidos em suas igrejas simplesmente por terem ido ao cinema. Ou porque se divertem ouvindo a música do diabo: MPB.
Nessa mesma linha, o lúdico sempre foi descartado de nossos ambientes sacrossantos por ser irreverente. Festas na igreja? Danças na igreja? Grandes celebrações de alegria na igreja? Quando me converti, lembro, nem bater palmas durante o louvor era permitido. Rejeita-se o lúdico como se não fosse humano. Ou, o que é pior, como se o humano fosse igualado ao satânico, pecador, demoníaco. A brincadeira e o jogo, na cabeça da religião, é coisa que nos afasta da comunhão com Jesus. Conheço um pastor que teve sérios problemas em uma cidade do interior porque jogou uma pelada num domingo qualquer. Sacrilégio!
E quando a coisa vai mais para o corpo, a situação se complica. Pelo menos, desde que o promíscuo Agostinho se converteu lá no século quarto e terminou lançando de lado aquilo que tinha sido sua grande perversão pré-cristã – o corpo – e, assim, influenciou uma mentalidade na cristandade. Todo o prazer corporal e toda a alegria do amor foram encapsulados em uma câmara de pecados e proibições. Não falo acerca de uma prática sexual fora do casamento. Falo mesmo de casais que encaram o prazer do corpo e o amor como males necessários. A mentalidade de muitos foi formada igualando o sexo – e o amor – ao pecado. Sentir prazer no corpo, para muita gente, é anti-cristão. Aliás, isso diz respeito ao riso, ao choro, à satisfação. Porque todas essas coisas acontecem no corpo e são prazerosas ao corpo. E, portanto, segundo o entendimento de muitos, pecados. O desejo de muitos é anular o corpo, quando a Palavra de Deus nos manda anular o pecado – a carne, que não é o corpo, mas o pecado.
A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheio de amor e de verdade. E nós vimos a revelação da sua natureza divina, natureza que ele recebeu como Filho único do Pai. Deus nos criou à Sua imagem e semelhança. Esquecendo que o Deus que criou o homem veio à terra resgatá-lo – com cada uma de suas características – rejeitamos a nossa humanidade. Deus se fez humano, mas nós rejeitamos a nossa humanidade!
Jesus viveu plenamente a Sua humanidade. Era um Homem que participava de festas, bebia vinho, provavelmente dançava, se divertia, ria. Tinha prazer no corpo. O mesmo que tinha na comunhão com a humanidade dos homens – Suas criaturas, objetos de Seu amor, a quem veio resgatar. Mas falar essas coisas é pecar para muitos de nosso meio. Quase docéticos, acreditam que Jesus, o Homem, era um rabino sério como aqueles que espantam crianças por sua expressão dura. Mas esse não era o caso do Mestre: as crianças vinham prazerosas até Ele. E qualquer um que já teve que entreter uma criança sabe que caras fechadas são a certeza do fracasso nesse tipo de empreitada.
Como Igreja, nossa missão é resgatar a humanidade do homem, conduzindo-o a Deus. Essa foi a missão que a Palavra, que Jesus, Deus e homem, deixou em nossas mãos. Nenhum mistério é tão glorioso para mim hoje. O Deus-homem ama e resgata a minha humanidade, integralmente.
A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheio de amor e de verdade. E nós vimos a revelação da sua natureza divina, natureza que ele recebeu como Filho único do Pai. Quando rejeitamos a humanidade do homem, rejeitamos a divindade de Deus. O Deus que se fez humano e andou conosco na terra. Quando rejeitamos a humanidade do homem, rejeitamos o Deus-homem. Rejeitamos Jesus, o Homem.

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