Publicado originalmente no De olho no discurso
Hoje estou compelido a falar de algumas coisas novamente.
Era o ano de 1996 quando eu me converti. Primeiro ano de graduação. Passava por uma crise intensa e comecei a abandonar o espiritismo kardecista. Alguns meses depois, em setembro, decidi que a melhor escolha era "seguir Jesus".
Converti-me numa igreja conservadora, mas tão conservadora que era proibido bater palmas nos cultos - e instrumentos de bateria e percussão eram extremamente mal vistos.
Ouvi nessa igreja um pastor dizer que Deus recebe o louvor por atabaques por causa de sua misericórdia.
A igreja tinha uma teologia homofóbica, anti-católica, conservadora e fundamentalista.
É evidente que nos primeiros momentos eu me perdi nesse caminho. Mas aos poucos a própria igreja foi ficando menos rígida no que se refere, por exemplo, às questões litúrgicas e, em poucos anos, tínhamos uma banda completa no louvor - que me tinha como vocal.
Mas, graças a Deus, a gente não é estagnado. Também aos poucos e como resultado de o avanço na minha vida devocional e nos estudos teológicos eu fui me afastando desse paradigma que ojeriza tanto as "coisas do mundo" que me fizeram queimar discos, camisas, coisas que, eu acreditava, eram vinculados ao diabo.
Eu era tão homofóbico que quando vim estudar em Fortaleza no Seminário fiquei chocado com os amigos de meu primo que foi me buscar no aeroporto. Não conseguia ficar no mesmo ambiente que eles.
A caminhada na vida fez muita coisa ser quebrada.
Conviver com o sofrimento de amigos, irmãos crentes, que se desgastavam com o "pecado do homossexualismo" me ensinou sobre tolerância e me fez refletir sobre o "porquê mesmo" disso ser ou não pecado.
Se em um primeiro momento tudo que eu quis ser foi um apologeta da fé cristã reformada, puritana e conservadora, graças a Deus que a Sua cura me alcançou e eu fui entendendo uma outra dimensão da graça e do amor que me parece impossível serem alcançadas por fundamentalistas, puritanos, conservadores. É a incompreensão dessa graça que faz desses, inclusive, invariavelmente, partícipes da direita. Às vezes, da extrema direita.
Nesse sentido, alguns momentos foram marcantes. O primeiro, os dois anos em que estudei teologia no Seminário Teológico de Fortaleza. Estudar ali me fez ver o tamanho da besteira que eu fazia contra a Bíblia, contra a minha fé e contra meu relacionamento com Deus quando priorizava ser dogmático e amar a teologia sistemática. Foi o STF que me curou do meu dogmatismo e me fez abandonar completamente qualquer tentativa de sistematizar a [minha] teologia e abandonar a teológica sistemática.
Em 2003, uma segunda experiência marcou minha caminhada - o Forum de Teologia Popular na Igreja Batista de Bultrins, em Olinda (PE). Dois dias de convívio com aquela comunidade e com aquelas ideias consolidaram diversas mudanças - que se sedimentaram na sequência quando participei de diversas reuniões da FTL em Paripueira (AL).
Mas a experiência decisiva foi dolorosa mas sem a qual eu não seria quem sou hoje. Foi ter deixado a IPI, em 2005. Ter saído do universo teológico da IPI, do fundamentalismo, do conservadorismo, me permitiu mergulhar em novas leituras da Bíblia e novas caminhadas da fé que, com seus percalços, me trouxeram aonde estou.
Não caibo em espaços conservadores, literalistas, fundamentalistas. Não caibo porque não posso conceber um Deus que seja encaixotado em conservadores, interpretações literalistas ou defesas fundamentalistas ou puritanas da fé. Não foi esse Deus que me salvou em Jesus Cristo. Não é um Deus encaixotado que se revela nas Escrituras do Antigo Testamento, em Jesus. O Deus que eu encontro ali subverte as religiosidades, confronta os poderes, destrona os fundamentalismos, discute os conservadorismos. Vejo mais similitudes dos conservadores religiosos com aqueles que crucificaram Jesus do que com o Próprio e Seus seguidores.
Minha caminhada encontrou um Deus que inclui, que salva, que ama, que não apaga o pavio que fumega, que não pisa na cana quebrada. Que acolhe.
Mas encontrou uma igreja que condena, que ataca, que critica, que culpa, que empurra ao desespero, que cria o pecado. Dessa igreja eu não posso fazer parte.
Eu encontro um Jesus que ama as pessoas. Ama quem elas são. E elas são brasileiras, palestinas, israelenses. Elas tem diversas identidades sexuais, amam de maneira diversa - e Deus é amor -, são hetero e homossexuais. São trans. São santos e pecam. São jovens, velhos, homens e mulheres. E não tem nada nem ninguém, nem seus pecados, nem seus atos, nem seus pensamentos, que seja capaz de os afastar do amor de Deus. Nem eu, nem a igreja.
Malafaias e Felicianos são perversos acima de tudo. E usam a religião para justificar, manifestar, contextualizar sua perversidade. Eles não são únicos. Todos os domingos, em milhares de igrejas por aí, as pessoas se reunem em nome de Deus para celebrar sua estupidez e perversidade. O coração de Deus se abre, é humano, de carne. O coração destes é perverso.
Lembro de um dia em que estava na Escola Dominical da Igreja Presbiteriana Central de Fortaleza (CE). Faz uns 12 anos. O professor dos jovens propôs uma atividade interessante: ao chegarmos na sala, havia no meio das cadeiras algumas que estavam reservadas para notórios pecadores da sociedade brasileira. A pergunta era simples: o que vocês fariam se esses lugares estivessem realmente reservados e essas pessoas viessem aqui. As mais piedosas, evangelísticas e missionárias respostas foram geradas.
Aquilo me incomodou. Eu sabia que pouco tempo antes aquela mesma igreja havia disciplinado um presbítero por adultério. Quando se cumpriu o tempo da "pena" o homem recebeu diversas ligações "sugerindo" que ele não era mais bem-vindo ali.
É fácil pensar com graça para com alguém que é distante de nós.
Aquilo já me incomodou [Deus já estava atuando em mim :)].
Eu pedi a palavra. Lembrei o caso de Caio Fábio, que havia sido o pastor do Brasil mas que depois de "cair em pecado", passou a ser execrado, inclusive pela IPB, sua denominação. Comentei que pessoas diziam que não leriam sequer seus primeiros livros - como se toda sua "obra" tivesse se perdido pelo seu pecado.
Para minha surpresa, aqueles jovens eram perversos. Quase unanimente eles disseram que para eles Caio Fábio nunca mais poderia ser pastor, poderia ser restaurado em seu ministério, em sua vida.
Indignado, eu contra-argumentei que se eu duvidasse que a graça de Deus pode restaurar as pessoas, era melhor abandonar a Bíblia e eu não saberia mais o que fazia no seminário.
Essa foi uma experiência para descobrir que graça não combina com puritanos fundamentalistas. E que a perversidade religiosa não escolhe idade.
A perversidade se traveste de piedade. Por mais amor e menos disciplina. #NaoExisteAmornasIgrejas
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