"Então ele me disse: 'Profetize a estes ossos e diga-lhes: Ossos secos, ouçam a palavra do Senhor! Assim diz o Soberano, o Senhor, a estes ossos: Farei um espírito entrar em vocês, e vocês terão vida'". (Ezequiel 37:4-5 NVI)
Pensava sobre esse conhecido texto de Ezequiel 37 hoje.
Conhecidíssimo texto, pregado tantas vezes em contextos de avivamento ou de experiências carismáticas, mas que também pode nos convidar a refletir sobre outras coisas.
Tenho conversado - e, por isso, refletido - sobre a vida religiosa comunitária e individual dos cristãos nos dias atuais. É como se, de um lado, houvesse uma crescente desilusão contra a religião dos pais que não responde mais às demandas e angústias da contemporaneidade, e de outro se buscassem saídas e alternativas a tal situação.
Parece o contexto de Ezequiel. Ele era um profeta do exílio, levado à Babilônia em uma das primeiras levas de judeus, antes mesmo da destruição do templo de Jerusalém e da deportação final.
Desde o início de seu livro ele vai desenhando um cenário terrível para os judeus e sua religião. Lá no capítulo 8, por exemplo, ele é levado em uma visão a Jerusalém, até o templo, e por trás de um buraco cavado na parede vê toda sorte de abominação religiosa e espiritual, denunciando uma religião que é usada pelo poder para submeter o povo, mantendo um determinado discurso moral e ascético que esconde todo tipo de sujeira é mentira manipulativa em detrimento dos fiéis. Ovelhas, afinal, sem pastores.
Essa religião que promovia escravidão, alienação e dominação se esmigalhou com a destruição do templo e o exílio sob Nabucodonosor. Sedecias, o último rei, tenta fugir ao cerco do rei babilônico, é capturado e, antes de ter seus olhos vazados e levado prisioneiro, assiste à decapitação de seus filhos. O templo queima. A Arca se perde para sempre.
Ezequiel viu isso: ele viu a Glória de Iahweh deixando o templo e em seguida Jerusalém. Era o fim dessa religião dos pais. Ela não serve mais, ela não responde mais, ela não presta mais.
É no contexto da restauração que surge a profecia do vale dos ossos secos.
Ela tem duas etapas. Primeiro, uma restauração formal, que gera corpos a partir de ossos, mas sem vida.
Em seguida, Ezequiel profetiza para que o Espírito venha e traga vida aos corpos.
Quando leio esse texto em dias de decepção, mágoa e frustração contra as igrejas e, de outro lado, dias de igrejas que promovem a si mesmas mas nada do evangelho libertador do Reino, me identifico. E para mim o texto aponta um caminho de dois passos para uma nova espiritualidade e uma nova vivência de fé comunitária.
Primeiro: é preciso cria uma nova forma. A forma antiga, que aliena, mata, sufoca, é um vale de ossos secos. Mesmo que o vale nem se perceba assim.
Por que as pessoas se frustram e abandonam a fé? Porque procuram vida relevante e só encontram ossos secos em nossas comunidades. Ossos secos, que batem uns contra os outros, são capazes de fazer muito barulho e chamar a atenção. Mas não têm vida nem representam nada na vida.
Segundo: uma forma correta sem a vida infundida pelo Espírito também não serve muito bem porque é vazia. É preciso que o Vento sopre.
E que vida o Espírito traz? Compromisso com a vida. Fruto do Espírito. Testemunho do Reino.
Diz, na versão da Bíblia A Mensagem, o texto de Gálatas sobre o fruto do Espírito:
"O que acontece quando vivemos no caminho de Deus? Deus faz surgir dons em nós, como frutas que nascem num pomar: afeição pelos outros, uma vida cheia de exuberância, serenidade, disposição de comemorar a vida, um senso de compaixão no íntimo e a convicção de que há algo de sagrado em toda a criação e nas pessoas. Nós nos entregamos de coração a compromissos que importam, sem precisar forçar a barra, e nos tornamos capazes de organizar e direcionar sabiamente nossas habilidades".(Gálatas 5. 22-23)
Outro texto que pode nos dar pistas do que podemos esperar da vida do Espírito Santo em nossas vidas é Isaías 61:
"O Espírito do Soberano, o Senhor, está sobre mim, porque o Senhor ungiu-me para levar boas notícias aos pobres. Enviou-me para cuidar dos que estão com o coração quebrantado, anunciar liberdade aos cativos e libertação das trevas aos prisioneiros" (Isaías 61:1 NVI)
Como disse pregando domingo, o Espírito não vem sobre nós para nos tornarmos super-homens todo-poderosos. Ele vem para nos dar integridade de vida para o serviço como testemunha - um mártir que vive pelo que crê - do Reino de Deus.
É nessa dimensão que vejo também a visão de Ezequiel 47, do rio que corre desde o Novo Templo levando vida ao deserto e até restauração ao mar Morto: o Rio da Vida corre a partir de nós nessa nova dimensão de vida de fé espalhando vida, libertação, transformação a partir de nós.
Qualquer nova fé que atenda às demandas e angústias contemporâneas deve, a meu ver, repercutir da experiência comunitária para a transformação do mundo, levando a toda parte essa vida. E de minha parte percebo que esse Vento já está soprando mundo afora.
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