6.5.15

Esperançar

Quando eu tinha uns doze anos, houve um concurso de redação lá no Colégio das Neves. O tema foi "Se eu fosse Deus".
Devo ter o texto guardado ai em algum lugar, mas lembro que me colocava dizendo que se eu fosse Deus reiniciava a Criação. E concluía por dizer que não poderia ser Deus dada minha condição humana.
Um dos ensaios de Tomás Halík em "A noite do confessor" falava sobre o peso de querer ser Deus e, assim, ter controle e definição sobre, não somente a própria vida, como também a vida dos demais.
Se eu fosse Deus, além do peso da vida, não me restaria muita paciência para não começar de novo a cada decepção com a humanidade.
Penso que isso passa pela mente de Deus a cada vez. Mas sei que nos resta a esperança.
A esperança é o que alimenta qualquer incipiente fé. Não é nada no mundo físico, concreto ou real.  É a esperança que faz a vida valer a pena. Sem ela, não haveria nada além de um cinismo trágico no lugar da fé.
É esse cinismo que nos empurra ao sentimento de que tudo é imutável, de que não há nada a ser feito, de que o fim já chegou e de que nada melhorará. O cinismo trágico de traveste de uma fé tolamente alienante que nos empurra para fora da vida. Essa fé nos faz viver em função de uma eternidade que somente a morte inicia. Não há jeito, resta-nos a morte e esperar o céu.
O cinismo trágico pode ser ateu e se traduzir ou em um hedonismo radical (se nada pode mudar, resta-nos gozar a vida enquanto é tempo) ou num desespero de morte - e daí o suicídio.
Somente a esperança, um olhar esperançoso, a utopia podem nos curar de sermos cínicos a esse ponto. Reconheceremos a magnitude do cenário ruinoso, mas não abriremos mão de esperar e lutar com esperança para que tudo mude. Seja na dimensão utópica da fé ("o Reino de Deus está entre nós") seja na luta secular por mais justiça e paz. 
As utopias se enlaçam e nos fazem "esperançar" mais que esperar.

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