Esta semana, meu amigo Thiago de Goes perguntou em um grupo de whatsapp do qual fazemos parte o que nós diríamos a nós mesmos se pudéssemos voltar 20 anos no tempo e nos encontrarmos com nosso eu adolescente.
Respondi: "Você não é um cadáver".
Há 20 anos costumava falar assim quando me acusavam de ser intransigente. Para justificar minha defesa apaixonada por alguns pontos, dizia, no entanto, que minha posição não era imutável. "Não sou um cadáver para ter rigidez cadavérica", complementava.
Dizer isso hoje para o meu eu de 20 anos atrás tem outro significado muito distinto. Se há 20 anos eu queria dizer que minhas posições não eram imutáveis, hoje eu gostaria de me dizer que não era um morto, que valia a pena viver.
Descobrir a vida provoca dores. É engraçado imaginar que ao descobrir que não se tem rigidez cadavérica, o corpo, rígido, resiste na forma de torcicolos, curvaturas da coluna, dores ciáticas, etc. O corpo que se acostumou a se ver como morto sofre dores quando começa a se encarar vivo diante da vida.
Há 20 anos eu era preso no destino. E o destino mata a vida. Era um cadáver e não sabia.
Não deve ter sido coincidência que uma das músicas que dançamos na abertura dos jogos internos em 95 no Neves começava afirmando que "a cigana leu o meu destino" e ecoava a pergunta: "o que será o amanhã? Como vai ser o meu destino?"
O destino é essa prisão. Ele me condiciona a encarar a dor do passado como inevitável e consequência de meus atos conforme a sina e me faz ver que o futuro já existe, já foi escrito, vai acontecer não importa o que eu faça. Diante do destino, o meu corpo é cadáver. Diante do destino, a rigidez da vida é cadavérica e não importa o ato - o futuro já aconteceu.
Uma vida assim não é vida. O corpo é morto diante disso. Não há esperança, mas somente espera pelo que já está destinado na sina.
Só é possível esperançar quando se sabe que o futuro não existe. O futuro não está lá. O destino não está escrito. A vida não é sina.
Só é possível esperança, fé e vida quando vivemos o tempo presente. Quando sabemos que o futuro é construído pelos nossos atos.
Só é possível ser vivo, e não um cadáver, quando se sabe que o passado constitui minha pessoa, mas não é resultado de uma tragicidade inevitável. A dor, no passado e no presente, é para ser vivida. Viver com esperança é abrir mão de qualquer cinismo trágico, filho do destino, que acha que não há mais nada a fazer para se mudar a vida. Quando dói o infortúnio, o experimentamos plenamente - não fugimos dele nem tentando explicá-lo, nem tentando encontrar suas causas e razões, nem tentando tornar bom o que é, por si, mal e doloroso. Viver com esperança é sentir a dor sem se submeter à tragicidade da vida, é olhar o futuro de maneira crítica, mas positiva. É desejar construir o melhor. É caminhar rumo à utopia.
Tudo isso para mim só é possível quando entendo que o futuro não existe, quando não sou mais um cadáver, quando não me submeto mais a qualquer rigidez cadavérica. Para caminhar livre do destino, preciso olhar com fé o passado, viver o presente e esperançar o futuro.
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