24.5.05

Resposta

Eu, o Senhor, o Deus do seu antepassado Davi, escutei a sua oração e vi as suas lágrimas. Eu vou curá-lo, e daqui a três dias você irá ao Templo. Vou deixar que você viva mais quinze anos.
2 Reis 20. 5 – 6.

A história do Rei Ezequias é particularmente diferente no contexto do Antigo Testamento. A começar, e talvez principalmente por isso, pelo fato de que se repete em três diferentes livros. Além de 2 Reis e 2 Crônicas, o rei é personagem no livro do profeta Isaías, seu conselheiro espiritual. Provavelmente é o rei, depois dos três soberanos da época de Reino Unido de Israel, que conhecemos mais a vida.
Ezequias era um rei fiel, o que era uma raridade naquela época da vida do povo de Deus. Muito de sua fidelidade, certamente, se devia à influência espiritual de um profeta da estatura de Isaías. Muito por isso, algumas lições bem distintas podem ser tomadas de diversos momentos da vida deste rei. Uma delas é sobre oração e seus efeitos.
Quando eu penso em oração e em como Deus a responde, me lembro de pelo menos três textos. O primeiro está no livro de Tiago: Não conseguem o que querem porque não pedem a Deus. E, quando pedem, não recebem porque os seus motivos são maus. Vocês pedem coisas a fim de usá-las para os seus próprios prazeres (Ti. 4. 2 – 3). Aqui, eu aprendo que devemos pedir o que queremos a Deus. Porém, tem uma coisa a mais. Às vezes podemos dirigir nossas orações ao nosso Pai, mas não receber as respostas que queremos porque nossos pedidos são maus: são para os nossos próprios prazeres e não segundo a vontade de Deus nem para a Sua glória. Se vamos pedir coisas que vão de encontro ao que Deus quer, vamos pedir e ter nada em resposta.
O segundo texto é palavra de Jesus sobre a bondade de Deus: Por acaso algum de vocês, que é pai, será capaz de dar uma pedra ao seu filho, quando ele pede pão? Ou lhe dará uma cobra, quando ele pede um peixe? Vocês, mesmo sendo maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos. Quanto mais o Pai de vocês, que está no céu, dará coisas boas aos que lhe pedirem! (Mt. 7. 9 – 11). Aqui eu aprendo que Deus, por Sua bondade, nunca vai frustrar o meu pedido em oração. Pode até ser que Sua resposta me seja “não”, mas ainda assim estarei certo que Ele me reserva as melhores coisas a esse respeito. Se Ele não me dá o que peço é porque um Pai, extrapolando um pouco o sentido do que fala Jesus, é incapaz de dar a Seu filho alguma coisa que, no final, vai lhe trazer prejuízo. Minha mãe sempre teve o juízo de não me dar brinquedos perigosos, mesmo que eu chorasse bastante para ganhá-los. Ela sabia que aquilo me faria mal e me preservava. E sempre procurou me dar as melhores coisas. De igual modo, o Pai do Céu, diz Jesus, sabe dar boas coisas aos que lhe pedirem!
A terceira história, antes de voltarmos a Ezequias, é de insistência com Deus. Mas uma maldita insistência. Números 22 começa a contar a história de Balaque e Balaão. Balaque, rei de Moabe, envia mensageiros oferecendo dinheiro ao profeta Balaão para que ele amaldiçoe o povo de Israel no caminho para Canaã. A primeira atitude de Balaão é perfeita. Diz aos enviados que, antes, precisa consultar a Deus sobre o que Ele quer. Quando Deus lhe diz que não deve ir com os enviados, Balaão vê seus presentes indo embora. Por causa da ganância, continua insistindo com Deus até que Ele permite que o profeta vá. Deus não mudou de idéia, mas parece que queria ver até onde Balaão ia na sua rebeldia. Até uma mula fala para dissuadir o profeta. Por três vezes, mesmo ciente de qual era a vontade de Deus – abençoar, e não amaldiçoar -, Balaão sobe para se encontrar com o Senhor. Insiste, mas por fim só consegue abençoar, porque não podia amaldiçoar um povo a quem Deus abençoa. Não satisfeito, e a Bíblia cala, mas lemos isso nas entrelinhas, Balaão, de olho nos presentes de Balaque, ajuda o rei de Moabe a armar ciladas para que Israel caía em pecado. O capítulo 27 de Números conta a história da idolatria orgiástica do povo no culto a Baal-Peor. Balaão não podia amaldiçoar um povo santo, mas podia construir uma situação para que o povo pecasse. E assim se tornasse passível de ser amaldiçoado. Uma história que começou com uma insistência com Deus por uma causa pela qual o Senhor já tinha manifestado um veredicto, termina como um plano sórdido para fazer cair toda uma nação. O fim de Balaão é trágico por isso. Números 31 narra a batalha contra os midianitas e fala laconicamente sobre o profeta: Também mataram à espada Balaão, filho de Beor (Nm. 31. 8).
Agora podemos voltar a pensar em Ezequias. Deus enviou Isaías para lhe dar notícias de que aquela doença que enfrentava seria fatal. A única reação do rei foi virar-se contra a parede, chorar e clamar a Deus: Ó Senhor Deus, lembra que eu tenho te servido com fidelidade e com todo o coração e sempre fiz aquilo que querias que eu fizesse (2 Rs. 20. 3). O pedido parecia justo, os motivos corretos. O rei se quebrantou na presença do Senhor pedindo uma nova chance. Pedindo a Deus, não a ninguém mais, que pudesse permanecer vivo. Um pedido que parecia a melhor coisa. Mas o rei não pensou no que fosse o melhor projeto de Deus para a sua vida e a vida do povo. Se olhássemos apenas a cena descrita no capítulo, especialmente quando Deus manda Isaías retornar da porta do palácio, poderíamos achar que o caso do rei se encaixa em uma das primeiras situações. Mas eu não acredito nisso. Acredito que Deus concedeu o que pedia o rei como que lhe fosse provar o seu coração, como que para mostrar a nós que nem sempre os nossos pedidos de oração atendidos redundam em bênção.
Ezequias pediu e viveu mais quinze anos. Quando morreu, foi sucedido por seu filho Manasses, de apenas doze anos. Quer dizer, filho nascido no período de vida que lhe foi dado por Deus em resposta à sua oração. Nem sempre nossos pedidos representam as melhores alternativas de futuro. Manasses foi um dos piores reis que Judá teve, ao contrário de seu pai. E mais que isso, diz o Senhor: O rei Manasses, de Judá, tem feito essas coisas nojentas, coisas muito piores do que aquelas que os amorreus fizeram, e com os seus ídolos levou o povo de Judá a pecar. Por isso, eu, o Senhor, o Deus de Israel, vou fazer cair sobre Jerusalém e sobre Judá uma desgraça tão grande, que todos aqueles que ouvirem contar a respeito dela ficarão espantados (2 Rs. 21. 11 – 12).
Parecia tudo certo no pedido de Ezequias. Mas preste atenção: por causa de sua oração, por causa da resposta dada por Deus, surgiu um rei tão terrível, que chegou a sacrificar seu próprio filho aos ídolos, rei tão terrível que foi a causa final da desgraça de Judá. Por causa de Manasses Deus castigou o povo com a destruição de Jerusalém, do templo e com o exílio. Tudo começando, é claro, na oração de Ezequias.
O que isso ensina? Que devemos tomar bastante cuidado com nossos pedidos, com nossas razões e com as intenções de nosso coração. Às vezes, Deus poderá até atender ao pedido, como que a provar que não temos idéia do que está implicado no que pedimos. Às vezes, Deus permitirá que aquilo que desejamos, mesmo não sendo a vontade dEle, nos aconteça só para que depois nos reste a lição aprendida. A lição de que é sempre melhor deixar com Deus a tarefa de sonhar, planejar e realizar a nossa vida. Ele é o nosso Pai amoroso. Senhor soberano. Ele é quem sabe os pensamentos que tem a nosso respeito, sonhos das melhores coisas, inimagináveis, que nem olhos viram, nem ouvidos ouviram e está além de qualquer compreensão humana. O nosso Deus, se deixarmos a direção de nossa vida, de nossos planos, nas Suas mãos, é poderoso para fazer infinitamente mais do que pedimos ou pensamos. E sempre as melhores coisas. Devemos tomar, então, cuidado com o que pedimos e sonhamos, e render essas coisas nas mãos do Senhor.

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