9.3.06

Lista

O que tu queres é um coração sincero; enche o meu coração com a tua sabedoria.
Salmo 51. 6

Costumo dizer às pessoas com quem convivo que ninguém será condenado por causa de seus pecados. Não são os meus pecados ou os seus pecados que nos condenam.
Essas afirmações são radicais em relação ao que temos vivido, entendido e pregado como igreja. Vão de encontro de muitas das teologias que, oficiais ou oficiosas, conduzem a vida cristã de muita gente. Mesmo correndo o risco de ser chamado de herege, quero reiterar o entendimento que, creio bíblico, ninguém será condenado por causa dos seus pecados.
Para muitos cristãos, a relação entre santidade e pecado se resume a uma lista de coisas que devem e não devem ser feitas e vividas. Dessa maneira, a medida da vida de alguém está diretamente relacionada ao número efetivo de coisas que são feitas por essa pessoa na dimensão “espiritual”. Acho que era essa mentalidade que subjazia às questões do jovem rico que busca Jesus nos evangelhos sinóticos. Ele vivia uma vida na dimensão da lista: O que devo fazer para conseguir a vida eterna? (Mc. 10. 17). Como se certas ações garantissem a salvação. É quando se depara com a lista – a Lei – que cumpre desde a infância é que ele começa a entender que salvação não é uma questão de lista.
Nessa perspectiva, muita gente se escraviza por certos pensamentos religiosos. Existe muita igreja e teologia afirmando aí que precisamos estar prontos quando Jesus voltar, porque se não a igreja sobe e a gente fica. Nada mais de acordo com a teologia da lista, nada menos a ver com a verdade do evangelho. Entender as coisas assim – e pelo que sei a maioria dos cristãos crêem dessa forma, mesmo inconscientemente – é ficar preso a uma escravidão que iguala a salvação e a santidade a coisas que devem ser feitas. Para essas pessoas, se por acaso o Mestre chegar e eu estiver “em pecado”, estou condenado. A vida é vivida no fio da navalha. E a salvação termina sendo uma questão de obras. De uma lista.
Costumo dizer, volto a repetir, que os nossos pecados não nos condenam. Não é por ter mais ou menos pecados confessados que estarei salvo ou condenado. Não é por viver mais ou menos de acordo com a lista. O jovem rico descobriu isso na resposta de Jesus. Primeiro, o Mestre sabia que o jovem vivia de acordo com a lista. O próprio jovem sabia disso, mas tinha algo que o incomodava. Ele sabia que por mais que vivesse de acordo com a lista, não usufruía ainda a vida de salvação. Por isso, vai a Cristo. E o Senhor lhe mostra que a questão da vida eterna não é o que devemos ou não fazer. É compromisso com Ele.
Salvação não é questão do que podemos ou não fazer na vida. Salvação é resultado do que fazemos a Jesus em nossa vida. Assim como Moisés, no deserto, levantou a cobra de bronze numa estaca, assim também o Filho do Homem tem de ser levantado, para que todos os que crerem nele tenham a vida eterna. porque Deus amou o mundo tanto, que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna. Pois Deus mandou o seu Filho para salvar o mundo e não para julgá-lo. Aquele que crê no Filho não é julgado; mas quem não crê já está julgado porque não crê no Filho único de Deus (Jo. 3. 14 – 18). E o que fazemos a Jesus em nossa vida é crer ou não crer. Isso incomoda o homem que busca cada vez autonomia. Porque não depende de nós fazermos nada mais do que crer.
E por mais que todos os filhos da Reforma concordem, teoricamente, que a salvação é pela fé, a maioria de nós vive em busca da salvação pela lista. Pelas obras. Por isso, acham que devem ou não devem fazer algo para marcar sua vida e santidade. E acham que se “carregarmos” pecados estamos condenados.
A radicalidade e revolução do evangelho é afirmar que não seremos condenados pelos pecados que cometermos. Não são nossos pecados que nos condenam, mas o único pecado de rejeitar Jesus. É o que fazemos com Jesus em nossa vida que é importante, não qualquer lista. Se estivermos em Cristo, crendo nEle e comprometidos com Ele, estamos salvos. Pois, se o nosso coração nos condena, sabemos que Deus é maior do que o nosso coração e conhece tudo (1 Jo. 3. 20).
O que tu queres é um coração sincero; enche o meu coração com a tua sabedoria. É por isso que enfatizei esse texto do Salmo de confissão, o 51. O que importa na relação de graça, amor e perdão com Jesus é um coração sincero. Um coração quebrantado em fé. Um coração que quer um relacionamento íntimo, comprometido e vivo com Jesus. Um coração que descobre a revolução da graça e do amor de Deus. Que nos livra de toda e qualquer lista. Que nos conduz a uma vida de fé, uma vida de amor e relacionamento com o Senhor.

7.3.06

Sobre mais um milagre

Cantarei ao Senhor porque Ele conquistou uma vitória maravilhosa.
Êxodo 15. 1

Sou grato a Deus pelos seus milagres na minha caminhada de mestrado.
Primeiro, o próprio encontro com a academia e com meu orientador, foram milagres de Deus no trabalhar meu caráter e refazer a minha vida, destroçada depois das experiências de Fortaleza.
Logo após ter sido aprovado, desempregado e cônscio das dificuldades financeiras envolvidas no mestrado, orei angustiado ao Senhor. Disse a Deus que Ele sabia ser impossível fazer o mestrado sem uma bolsa. Pedi que Ele fizesse alguma coisa. Na manhã seguinte, ligaram-me da secretaria do mestrado. Até onde sabíamos, não havia mais bolsas de estudo a serem distribuídas. Mas a secretária me perguntou se eu ainda queria uma bolsa. Naquele dia, corri para providenciar documentação necessária e a conta bancária solicitada. Era uma quinta-feira. O dia seguinte seria o prazo final para a concessão da bolsa. O meu programa de mestrado tinha essa bolsa à disposição mas não a estava usando. A Pró-Reitoria questionou o interesse naquela manhã de quinta. Caso contrário, a bolsa seria passada a outro programa. Deus havia reservado esta bolsa para mim. Deus havia reservado um milagre para mim. Eu que havia orado na noite anterior por esse milagre.
Para mim, o maior milagre ainda estava por vir. No ano passado, chegando perto da fase final de meu mestrado, coletei os dados de pesquisa em um blog da Internet. Aí, começaram meus problemas. Por cinco meses, parei completamente a execução e escritura de minha pesquisa porque não conseguia imprimir ou acessar meus dados. Tentei de diversas formas imprimir as centenas de páginas de dados, mas tudo ficava mais difícil porque minha impressora estava quebrada.
Fiquei profundamente abatido. E comecei a dizer ao Senhor ter certeza de que não seria capaz de, nas minhas próprias forças, terminar o mestrado. Tinha certeza de que, se defendesse a minha dissertação, seria resultado da ação graciosa, da bênção e do milagre de Deus. Rendi-me aos pés do Senhor. Só Ele poderia me tocar. Só Ele poderia me conduzir à vitória. Mais uma vez, estava certo de que só mergulhando no milagre de Deus.
Uma madrugada, deitado em minha cama, veio à minha mente e ao meu coração a forma como poderia sair dessa encruzilhada. E voltei a escrever. E comecei a fazer minhas análises. E o fim do mestrado estava mais perto.
Quando minha versão para qualificação estava praticamente pronta, descobri o defeito de minha impressora: um lápis havia caído dentro dela. Ela não estava quebrada! Mas eu passei cinco meses parado achando que estivesse. Deus estava me testando. E me fazendo ver que o milagre estava para acontecer.
Sou enormemente grato ao Senhor. Estou mais que certo de que, se terminei o mestrado ontem, foi resultado da mais infinita graça de Deus. Por Sua graça, sou grato. Pelo milagre. Deus, o Senhor dos milagres, me fez viver milagres nos últimos anos. E ontem eu vivi mais um milagre. Ele é o Deus que nos faz mergulhar na dimensão do milagre. Ontem, hoje e sempre.

5.3.06

Tirando véus

O véu de Moisés foi tirado quando ele se voltou para o Senhor.
2 Coríntios 3. 16

Muitos de nós sofremos de miopia espiritual. Temos uma visão parcial e distorcida da vida. Olhamos para o pecado e não o consideramos tão pecado assim. Olhamos outras coisas que são bênçãos dadas por Deus, e chamamos de pecado. Vivemos como se um véu estivesse posto nos nossos olhos.
Meses atrás já escrevi sobre esse texto. Queria pensar hoje sobre a falta de perspectiva que temos em algumas coisas no mundo atual. Falta-nos entendimento acerca do pecado, do homem, de Deus, da vida.
Fizemos o nosso Deus segundo o nosso coração. Ou seja, Deus para nós é uma criatura feita à nossa imagem e semelhança. E nos serve como queremos. Não investimos nossa vida em conhecê-lo, então, é mais simples nos perdermos em visões pessoais de quem Deus seja. Criamos, assim, um ídolo em nosso coração, um véu em nossos olhos.
Uma visão assim de Deus – um Deus segundo o nosso coração – nos faz distorcer tudo o mais. O que é o mal, então? O que é pecado? Para muitos, pecado se resume a uma lista de coisas proibidas e de ações reprováveis. Pecado não é uma questão vital, é um problema de lista.
Quem é o homem? Para muitos, o homem passou a ser o centro, o rei do universo. Todas as coisas passaram a orbitar a nossa volta e definimos como prioridade máxima a nossa vontade. Vemos distorcidamente quem somos e que papel deve ser o nosso no mundo.
Estamos cegos por um véu que nos foi posto nos olhos. Preferimos acreditar nas “verdades” construídas em nosso coração a nos comprometer a uma vida de decisão, rompimento e transformação no conhecimento e intimidade do Senhor. Gostamos de ser cegos, como cegos que eram os fariseus de antigamente. Afinal, uma vida em que estou no centro, em que Deus me serve e é exatamente o que eu imaginei, em que pecado é uma lista que eu controlo, é uma vida fácil.
Mas o verdadeiro discipulado cristão não é fácil. Mas não é possível falar em discipulado para pessoas com o véu nos olhos e coração. Não é possível falar em discipulado comigo mesmo enquanto não me dispuser a tratar a minha miopia, o meu problema de visão espiritual. É preciso colocar cada coisa em seu devido lugar.
É preciso dimensionar corretamente Deus, vida, homem e pecado nos nossos olhos espirituais. E Paulo nos diz que só há um jeito de fazer isso: O véu de Moisés foi tirado quando ele se voltou para o Senhor. Mas aí é que está o mais complicado, porque olhar para o Senhor é se condenar à morte. Moisés, mesmo, recebeu essa resposta quando pediu a Deus para vê-lo: Não vou deixar que você veja o meu rosto, pois ninguém pode ver o meu rosto e continuar vivo (Ex. 33. 20). Isaías, na sua visão do capítulo 6, também se vê morto ao olhar o Senhor: Ai de mim! Estou perdido! Pois os meus lábios são impuros, e moro no meio de um povo que também tem lábios impuros. E com os meus próprios olhos vi o Rei, o Senhor Todo-Poderoso! (Is. 6. 5). Pedro, após a pesca maravilhosa, se angustia: Senhor, afaste-se de mim, pois sou um pecador! (Lc. 5. 8). E fica atônito no monte da transfiguração, diante da glória do Senhor.
Nós temos medo dessa visão. Temos medo de olharmos para o Senhor mesmo para sermos libertos. Sabemos que é uma experiência que não nos permitirá viver mais as mentiras e fantasias que vivemos até então. Uma vida nossa, que temos muito apreço, sem dúvida se acabará diante da visão do Senhor. Por isso, é mais fácil para nós olharmos o ídolo que construímos no coração e que chamamos pelo nome de Deus (cf. Ex. 32). Ele não nos exige mudança. Não nos manda abandonar velhas ilusões. Não nos põe em nosso lugar devido. Não nos faz ver a realidade de nosso pecado. Não nos desafia a abandoná-lo. Não nos exige o serviço concreto a Si.
É mais fácil, então, permanecer iludido com o véu sobre os olhos. Acreditando nas ilusões que nossa miopia trouxe e construiu em nosso coração. Mas o grande desafio para quem quer começar um discipulado verdadeiro com o Jesus que esteve entre nós é se permitir morrer essa vida ilusória, olhando para o Senhor e deixando-O tirar o véu que nos fez míopes por tanto tempo. E permitindo que Ele nos leve a uma nova e verdadeira dimensão da vida.

3.3.06

Magoado

Quando recebeu esta mensagem, José chorou.
Gênesis 50. 17

Já ouvi muitas vezes a história de José. Sempre, ao ser contada, sua história elogia seu coração bondoso e perdoador: José é sempre mostrado como um homem que não guardou mágoa e jamais tentou dar o troco contra os seus irmãos maldosos, que o surraram e o venderam como escravo (Gn. 37). José, o sonhador, é sempre citado como exemplo de benignidade e perdão, alguém que jamais se pôs no lugar de Deus para tomar vingança contra o que sofreu.
Sinceramente, eu não consigo ver isso no texto bíblico. Eu vejo um homem amargurado que, fazendo uso de sua posição de poder, resolve devolver aos irmãos um pouco da dor e do sofrimento que eles o fizeram passar.
No capítulo 41 de Gênesis, José é exaltado pelo faraó depois de lhe interpretar dois sonhos e lhe dar dicas de como conduzir o reino em virtude dos anos de fartura e, principalmente, de fome que virão a seguir. O faraó o põe como governador da terra. Desde sua descida como escravo ao Egito, ferido e vendido pelos irmãos, alguns anos já se passaram. Seria improvável que José não alimentasse a sua mágoa, até mesmo porque sabia que tudo o que lhe foi feito foi conduzido pela inveja: os irmãos não gostavam de ouvir falar de sonhos que exaltavam José, contados de maneira tão orgulhosa pelo irmão caçula. Agora, certamente José via cada vez mais perto o cumprimento daqueles sonhos. Afinal, ele era governador da maior nação da terra. Parte do que sonhara já se realizava. Possivelmente, pensou algumas vezes nos próximos anos em descer a Canaã para humilhar a família que tanto o maltratou. Mas aquilo era difícil demais por causa da função que exercia.
Certamente, ao reconhecer seus irmãos entre os viajantes que foram ao Egito em busca de comprar mantimentos, José gelou ante a eminência da realização daquilo que ele não sabia mais ser sonho ou uma simples vingança: ver seus irmãos e seus pais prostrados diante dele (Gn. 37. 6 – 10).
Para os que não conseguem pensar em José como vingador, vou recordar a seqüência do que aconteceu daí em diante. Primeiro acusou os irmãos de serem espiões e os pôs na cadeia por três dias. Depois, manteve Simeão preso por um tempo, enquanto os demais voltaram para casa, sabendo que não comprariam mais nada se Benjamim não viesse com eles (Gn. 42. 14 – 24).
Em seguida, quando os irmãos voltam ao Egito (Gn. 43 – 44), trama para incriminar Benjamim como ladrão de uma taça de ouro. Os demais irmãos ficam aflitíssimos sob a perspectiva de perderem Benjamim e permitirem que seu pai morra de tristeza. A situação de Judá, o irmão que propôs que o vendessem aos mercadores anos antes, é a mais angustiante: ele fez um acordo com Jacó que daria seus filhos em lugar de Benjamim. A vingança foi perfeita. Depois disso, José se revelou e trouxe o resto da família para o Egito, a fim de passar pelo apuro da seca e da fome.
Nós somos assim. Deixamo-nos levar pela mágoa e os desejos de vingança e de revanche. Mesmo que ouçamos a voz do Senhor todos os dias nos desafiar à revolução do perdão. Mesmo que, em último caso, saibamos que a vingança é do Senhor. Mesmo assim, conduzidos pelos sentimentos de troco, fazemos o que pudermos para infringir nos que nos feriram o mesmo que fizeram a nós. Ainda que a voz do perdão grite dentro de nós, a mágoa nos faz querer dar o troco.
Mas o troco não nos satisfaz. Ele, talvez, nos angustia mais ainda. Porque percebemos que não traz nenhum efeito para reduzir a dor e o sofrimento. Talvez por isso vemos José chorando tanto nestes capítulos de Gênesis. Provavelmente ele percebia que ainda que fizesse seus irmãos passarem por situação semelhantes a que sofreu, nada ficava mais fácil; nada dói menos. Ele percebia que a vingança só o empurrava para uma situação pior. Mas por mais que tudo isso fosse doentiamente ruim, a espiral da mágoa dominava a tal ponto o coração de José que ele era incapaz de tomar uma atitude diferente.
Eu já fiz inúmeras vezes. E sei que muitos que me lêem também. Magoados, se deixam levar pelo sofrimento e tentam tomar a vingança em suas próprias mãos. Nessas horas somos capazes de dar os argumentos mais religiosos para justificar as nossas ações e sentimentos. Mas no fundo, sofremos ainda mais porque a vingança não apaga a dor e ainda nos faz sentir piores. Especialmente porque a lei do amor é a revolução do perdão.
Mas Deus não desiste de nós. Quando recebeu esta mensagem, José chorou.
Acho que esse choro de José foi diferente de todos os outros. Acho que aqui finalmente a ficha caiu. Depois da morte do pai, ele percebe o desespero dos irmãos que temem a morte. Provavelmente José se tocou que sua mágoa estava a ponto de desfacelar a família – eleita por Deus para ser a realizadora das maiores promessas da história. Finalmente, a seta do amor e a revolução do perdão tocou a alma e o coração de José. Ele chorou porque foi liberto do aguilhão da mágoa e dos sentimentos de vingança: Não tenham medo; eu não posso me colocar no lugar de Deus. É verdade que vocês planejaram aquela maldade contra mim, mas Deus mudou o mal em bem para fazer o que hoje estamos vendo, isto é, salvar a vida de muita gente. Não tenham medo. Eu cuidarei de vocês e dos seus filhos (Gn. 50. 19 – 21). Se Deus transformou o mal em bênção, por que José alimentaria ainda mais o sofrimento com a mágoa que levava no coração? Era hora de se livrar da mágoa. Era hora de se deixar levar pelo amor e perdão.
Talvez essa seja a sua hora. Abandonar a mágoa. Desistir do sofrimento. Permitir que a seta do amor de Deus acerte em cheio o seu coração e a sua alma. Render-se diante da Cruz do Calvário e da revolução de amor e perdão que se manifesta ali. Agora é com você.

O sol vai nascer

O choro pode durar a noite inteira, mas de manhã vem a alegria.
Salmo 30. 5

Como conter um coração que explode da alegria da libertação? A Bíblia nos fala sempre das festas de libertação do povo do Senhor. Eu as imagino repletas de uma celebração entusiástica que nenhum de nós poderia se sentir completamente à vontade. Acho que o sentimento de alegria pela libertação nas histórias bíblicas sempre foi tão intenso que não seria difícil chamá-lo de exagerado.
Já falei antes sobre a festa do outro lado do Mar Vermelho. A conjunção dos fatores – escravidão de quatro séculos, aperto diante do mar, morte iminente e livramento maravilhoso – só me conduzem a imaginar que a explosão de festa e alegria do outro lado colocaria as luzes da festa de Carnaval a uma inimaginável distância desta celebração. Festa do Deus libertador é sempre uma festa tremenda.
Se esse sentimento for transposto para a celebração do povo de Deus no Novo Testamento, liberto de escravidão e morte ainda mais sérias que o Egito, deveríamos reconhecer na Igreja o povo mais festivo e alegre da terra. Afinal, o povo transportado do império das trevas para o Reino do Filho amado: É Ele quem nos liberta e é por meio dEle que os nossos pecados são perdoados (Cl. 1. 13 – 14).
Isso nos fala das maiores libertações que geram em nós a mais intensa e extasiante alegria. O culto da Igreja de Cristo deveria ser a maior festa que jamais foi vista no mundo. A cada reunião. Mas se Deus nos alegra nas grandes e maiores libertações, Ele nos liberta no dia-a-dia de coisas menores.
Comecei a pensar nisso hoje quando conversava com uma amiga minha sobre o refrão de uma música do U2, da qual falei esta semana, Yahweh. A letra diz assim: Yahweh, Yahweh/ sempre dói antes que uma criança nasça/ Yahweh, Yahweh/ ainda estou esperando pelo amanhecer.
Já experimentei libertações e a alegria desse momento. Mas também já experimentei a dor e a dúvida da luta e do sentimento de morte. Nessas horas nos questionamos, reclamamos, clamamos acerca do porquê ainda estarmos esperando o sol nascer. Por que esta noite dura tanto?
Nessas horas de dúvida, palavras não servem para nada. E se eu acredito que devemos lembrar das festas de libertação é porque precisamos manter a fé: a história ainda não acabou. O sol vai nascer. O choro pode durar a noite inteira, mas de manhã vem a alegria. Ou como dizem os irlandeses: (...) sempre dói antes que uma criança nasça/ (...)/ ainda estou esperando pelo amanhecer.
Se é noite em sua vida, espere o amanhecer. Se tudo falha em seu coração, tenha pelo menos um certeza: o sol vai nascer. A alegria da libertação, nesse dia, inundará a sua vida.