7.3.05

Na dimensão correta

Pois a Lei do Espírito de Deus, que nos trouxe vida por estarmos unidos com Cristo Jesus, livrou você da lei do pecado e da morte.

Romanos 8. 2.

Agostinho dizia que havia um temor servil e havia um temor casto, enquanto enfatizava que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria. O temor servil seria aquele que faria, por exemplo, um ladrão passar-se por regenerado, não cometendo nenhum crime porque teria certeza de que seria apanhado e sofreria a pena devida. Se este homem tivesse uma oportunidade de cometer um crime que jamais pudesse ser descoberto, ele o faria sem pestanejar.

O temor casto, ao contrário, se fundamentaria no amor e na essência do caráter. Enquanto o primeiro faria o que é certo pelo temor de ser punido e sofrer as duras penalidades, o segundo age da maneira correta porque é a única que conhece. Este tem um temor casto que se firma no amor.

Agostinho aplica isso falando de nossa relação com Deus. De um lado, teríamos homens que vivem vidas corretas apenas pelo temor do castigo. Assumem a vida cristã porque temem o inferno. Se este não existisse, sua vida seria outra. Do outro lado, pessoas assumem seu compromisso unicamente por amor. Temem a Deus e O honram porque descobriram que não há nada mais precioso do que isso.

Essa reflexão sempre me faz pensar na relação entre moral e ética. Do ponto de vista da Cruz, a relação entre moral e ética estabelece três tipos de homens. O primeiro é o que vive na dimensão da moral. A Lei de Deus é algo que, externamente, lhe cobra um comportamento digno. Moralista e formalista, este homem leva, na aparência, uma vida correta. Faz tudo de acordo com os preceitos morais que regem a vida em sociedade e que, cremos, vêm da Lei de Deus. Mas sua vida é superficial. Não teve uma experiência pessoal que tenha transformado o seu interior. É cristão, mas muito provavelmente nem sabe o que isso significa no fundo de sua alma. Seu compromisso é moral. Faz as coisas que julga corretas motivado pelo medo. Nem só o medo da punição de Deus, mas principalmente por medo da punição da Igreja. Ouve a voz da Igreja dizendo o que fazer, porque não sabe ouvir a voz de Deus.

O segundo tipo de sujeito é o que faz a sua própria ética. Não se preocupa com leis morais, nem ouve ninguém. Seu único árbitro é a própria consciência. Faz o que julga o melhor para si, sem importar com suas conseqüências para outros. É o sujeito autônomo. Sua única Lei é a consciência. Não ouve a moral, mas também não ouve a Deus. O autônomo pode ser alguém que a sociedade julgue que vive uma vida correta, como também pode ser que não, já que ele não julga ter a responsabilidade de prestar contas com ninguém. Pode entrar na Igreja, mas mesmo aí nem ouvirá a Igreja nem muito menos ouvirá a voz de Deus. Só ouvi a si mesmo. Este é aquele de quem Paulo fala: Por isso as pessoas que têm a mente controlada pela natureza humana se tornam inimigas de Deus, pois não obedecem a Lei de Deus e, de fato, não podem obedecer a ela. As pessoas que vivem de acordo com a sua natureza humana não podem agradar a Deus (Rm. 8. 7 – 8).

O terceiro sujeito é o que foi alcançado pela graça transformadora de Deus. Não pauta sua vida nem pela moral, nem pela própria consciência apenas. Esse sujeito é aquele, que alcançado pela salvação de Cristo, vive na dimensão da qual fala Paulo: Pois a Lei do Espírito de Deus, que nos trouxe vida por estarmos unidos com Cristo Jesus, livrou você da lei do pecado e da morte (Rm. 8. 2). Esse tem a vida interior transformada pela Palavra de Deus. Ele não pode ouvir sua consciência apenas porque a sua consciência está marcada pela Lei do Senhor, a Lei do Espírito e da Vida. A Palavra de libertação e de serviço. A Lei de Deus não é externa a si, mas foi impressa com letras de fogo no Seu coração. Agora, Ele mesmo é conduzido pelo Senhor. Quando esse tempo chegar, farei com o povo de Israel esta aliança: eu porei minha lei na mente deles e no coração deles a escreverei; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo. Sou eu, o Senhor, quem está falando. Ninguém precisará ensinar o seu patrício nem o seu parente, dizendo: “Procure conhecer a Deus, o Senhor”. Porque todos me conhecerão, tanto as pessoas mais importantes como as mais humildes (Jr. 31. 33 – 34).

Esse sujeito transformado fica sem opção. A vontade, a Lei, a Palavra de Deus foi impressa na sua consciência. Ele conhece o Seu amor. Seu caráter está sendo transformado. Santificado, vive sua vida na dimensão da vontade de Deus. A Lei de Deus não lhe é exterior, por isso não vive na dimensão moral. Não dá ouvidos ao seu coração, marcado pelo pecado, mas a transformação interior de coração promovida pela Lei do Espírito da Vida, que imprime em sua consciência a Palavra do Senhor lhe dá uma dimensão de vida cristã diferenciada. É real. É transformada. Está na intimidade do Senhor.

O desafio do Senhor para nós é escaparmos das garras do moralismo e da autonomia. Lamentavelmente muitos dentre nós vivem na dimensão desse temor servil ou da independência total de tudo e de todos, como se não houvesse um Deus a Quem prestar contas. Mesmo dentro das igrejas cristãs. O desafio do Senhor é que abramos o coração, rasguemo-lo em arrependimento, e clamemos para que o Espírito nos marque a mente, o coração e a consciência com a Sua Lei e Palavra. Para que vivamos vidas libertas, na dimensão da intimidade do Senhor, conhecendo-O pessoalmente, buscando-O cada dia mais, se servindo com alegria e liberdade. Assim, ninguém precisará ensinar o seu patrício nem o seu parente, dizendo: “Procure conhecer a Deus, o Senhor”. Porque todos me conhecerão, tanto as pessoas mais importantes como as mais humildes. O desafio é descobrir e viver no temor casto, regido pelo amor, do Senhor. Que é princípio da sabedoria.

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