Agarrado ao barco
Mas, já agora, vos aconselho bom ânimo, porque nenhuma vida se perderá entre vós, mas somente o navio.
Atos 27. 22
Nos últimos três anos eu vivi alguns dos momentos mais difíceis de minha vida. Não podia imaginar, antes disso, que alguma coisa pudesse provocar tamanho sofrimento, muito menos que eu poderia suportar tamanha dor. Foram momentos muito dolorosos, muito difíceis.
Em 2002, na parte do final do ano, eu me vi morto. Era uma sensação estranha. Não havia nenhum risco imediato à minha vida biológica. Não se tratava de qualquer situação de morte física, mas a vida que eu tinha até ali estava morrendo. Várias vezes a gente passa por momentos difíceis mas sabe ainda, lá no fundo, que o Deus que cuida de nós pode e vai nos trazer livramento. A gente sabe que nada é definitivo e ainda nos resta um tanto de fé que nos alimenta. Várias vezes eu havia experimentado isso na vida. Mas aqueles dias foram diferentes. Por mais eu buscasse lá dentro de mim, não sobrava nada. Não havia nada. Eu não tinha nenhuma esperança de salvação. Nenhuma mesmo. O poço em que estava era muito fundo, tão fundo que seria impossível mesmo ver qualquer luz, contemplar qualquer saída. É incrível esse tipo de sentimento. O tamanho da tempestade, a constância da luta, todas essas coisas geram um sentimento pleno de morte total. Morte. Fim de tudo. Não pensei, enfatizo, em nenhum momento na morte física. Mas não restava nada em mim. Nem desejos, nem sonhos, nem prazer. Qualquer sensação de vida fôra embora. O que restava era uma morte pior que a física. Fisicamente vivo, estava emocionalmente morto. Era o fim de tudo.
Pouco menos de um ano depois, quando parecia que as coisas se encaminhavam para uma resolução, tudo foi posto abaixo de novo. E, de novo, não me restava nada. Nem fé, nem amor, nem vida, nem paz, nem sonhos, nem desejos. Não me restava nada. Não esperava mais nada. Somente seguia, rotineiramente, com a vida.
Atos 27 conta uma história interessante. Paulo sabe que deve ir à Roma testemunhar de Jesus ao César. Desse modo, ele deixa-se ser preso e vai conduzido de navio até a capital do império. Antes de uma nova etapa da viagem, ele alerta que a viagem não seguirá bem. Deus lhe havia mostrado isso. Mas os homens não lhe dão atenção. Então começa uma tempestade terrível. Tufão. Dias e mais dias de escuridão, de água arremessando o barco de um lado a outro. Todas as esperanças de salvação se esvaíram. O fim era certo. Depois de tanto tempo, nenhum daqueles homens certamente conseguiria escapar. Mas Deus queria levar Paulo a Roma. E, em função disso, avisa que todos serão preservados, mas o navio será perdido.
Para serem salvos, no entanto, eles deviam permanecer no barco. Isso é um absurdo. O navio está sendo partido pelas ondas. Não existe mais carga, os mastros cederam, não há como içar velas. O pior lugar para se estar naquela tempestade é naquele navio. Qualquer um pode perceber isso. Mas a Palavra de Deus foi muito clara: se todos quiserem sobreviver, todos devem permanecer no navio. Se agarrar a cada parte que puderem, mas manter-se no navio. Mesmo diante da morte certa.
Nos dois momentos que eu vivi, experimentei a necessidade de me agarrar ao navio, mesmo que não significasse nada para mim, mesmo que eu não tivesse mais fé nem qualquer esperança. Não fazia sentido para mim manter meus momentos devocionais, porque Deus me parecia muito longe, quando ainda pensava que Ele estava em algum lugar. Não fazia sentido ir aos cultos de minha igreja, ou de qualquer outra, porque não era confortável para mim. Chegava depois de começar, saía antes de acabar, porque não queria falar com ninguém. Mas algo me fazia acreditar que a única chance que eu tinha de sobreviver era me agarrando no navio, mesmo que tudo fosse sem sentido. Mesmo que não significasse mais nada. Eu persistia, apesar da minha falta de fé, apesar de me sentir morto. Eu não acreditava que pudesse ressuscitar. Eu não acreditava em nada. Não possuía nenhuma fé. Mas nos dois momentos, permaneci agarrado ao barco porque sabia que tinha de fazê-lo, mesmo que não quisesse.
O fim dessas histórias é basicamente o mesmo. Depois de todo processo, restaurado por Deus, percebi que tinha morrido mesmo. Aquela vida que eu tinha até então, os sonhos, os planos, os projetos e os prazeres que eu tive até ali foram desfeitos por Deus. Porque Ele desejava me levar a salvo até uma praia, um projeto e uma vida melhor. Se eu não tivesse experimentado tudo aquilo, possivelmente hoje não teria qualquer vida de verdade.
Atos 27 termina com a melhor notícia, relatada em uma frase simples e direta: E foi assim que todos se salvaram em terra. A mensagem é simples, apesar de complicada de viver. Cada um e todos puderam sobreviver porque se agarraram ao barco, mesmo quando parecia a pior a coisa a ser feita. Sobreviveram fazendo uma coisa que lhes parecia completamente sem sentido. Perseveraram, mesmo quando estavam sem esperança. Como eu, que continuei fazendo aquelas coisas que não me pareciam ter sentido. Até que Deus fez uma nova vida em mim. Eu realmente morri naqueles dias, mas revivi em uma nova vida porque tive coragem de seguir fazendo o que não me parecia certo. Tive coragem de me agarrar ao barco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário