15.2.05

Rasgar o coração

O Senhor Deus diz: “Mas agora voltem para mim com todo o coração, jejuando, chorando e se lamentando. Em sinal de arrependimento, não rasguem as roupas, mas sim o coração”

Joel 2. 12 – 13

Quando li esta manhã este versículo muita coisa veio à minha mente e ao meu coração. Desde que Deus começou a me instigar a buscar uma vida de intimidade com Ele, em que meu único compromisso seja com Ele, seja obedecê-lo, mesmo que tudo o mais seja custoso, tenho sido alertado para a realidade de fatos antes não percebidos. E a realidade de meu pecado tem saltado cada vez mais viva aos meus olhos.

Não há como fugir do fato: somos pecadores. E isso não é nada impessoal: eu e você temos cometido terríveis faltas diante de Deus. E somos instigados e incomodados com isso, à medida que nos aprofundamos no relacionamento com Ele.

Do mesmo modo que a alma inteira tem sede do Deus vivo, Deus nos diz que a alma inteira precisa se render, confessando a rudeza dos seus pecados. Não se trata de ritos ou palavras vazias. Não se trata de repetir recomendações ou pagar penitências pelo perdão dos pecados. Jesus já morreu por cada um deles. Os que já cometemos, os que ainda cometeremos, os que nem imaginamos que cometemos. Ele, como disse o anjo a José, veio para salvar o povo dos pecados deles (Mt. 1. 21).

A questão é mais séria. Quando entramos no quarto da intimidade com Deus, quando penetramos na sala do trono da graça, nos deparamos com o Deus santo. É impossível o homem pecador ficar em pé. É impossível que sejamos os mesmos quando ouvimos o canto dos anjos, que dizem: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos! Estar na sala do trono, para o pecador, é desesperador. Porque o pecador se olha no espelho da sua alma e vê a sua indignidade. Se vê condenado.

Por isso, quando a nossa vida é um culto real a Deus, a confissão dos pecadores que somos não pode ser um rito. Não adianta lançar terra à cabeça e rasgar as vestes. A realidade do Deus santo e do nosso pecado é tão impactante que só nos resta rasgar a alma e o coração. O arrependimento é tão arrebatador que nos partimos, esmigalhados, diante do Deus da vida. E só quando fazemos isso podemos ser restaurados em nosso ser, porque somente assim o nosso Deus pode pegar os nossos cacos e nos refazer. É assim que diz o salmista: “Ó Deus, o meu sacrifício é um espírito humilde; tu não rejeitarás um coração humilde e arrependido” (Sl. 51. 17).

Nesse sentido, lembrei que Kierkergaard disse, com propriedade, que a nossa única chance de ser alguém é diante do Deus vivo. Porque diante do Deus vivo e santo, nós, pecadores, rasgamos a nossa alma e o nosso coração, e podemos ser feitos alguém pela graça do Senhor. Somente diante de Deus eu posso ser um “eu”: “O eu não é destas coisas a que o mundo dê muita importância. Com efeito, é aquela que menos curiosidade desperta e que é mais arriscado mostrar que se tem. O maior dos perigos, a perda desse eu, pode passar tão desapercebido dos homens como se nada tivesse acontecido” (Sören Kierkergaard, O desespero humano). E aí ele diz que somente serei eu quando me lançar ao infinito na direção de Deus. Por isso, “carecer de Deus é carecer de eu (...). É necessário um Deus para orar (...), porque Deus é o absoluto possível, ou, em outras palavras, a possibilidade pura é Deus. E somente aquele que um tal abalo fez nascer para a vida espiritual, compreendendo que tudo é possível, apenas esse tomou contato com Deus” (O desespero humano).

Somente podemos ser alguém, termos um “eu”, quando estamos em posição de sofrer o abalo espiritual de nos depararmos com o Deus vivo e santo. Abalo que gera as coisas para a vida espiritual. Abalo que nos faz conscientes de nossa miséria, que nos faz rasgar o coração em arrependimento e permite que o próprio Deus nos faça sermos alguém, restaure e instaure o nosso ser, pleno de vida espiritual.

Por isso, o desafio do Senhor para mim nessa manhã foi ecoar as palavras do livro de Joel: “Mas agora voltem para mim com todo o coração, jejuando, chorando e se lamentando. Em sinal de arrependimento, não rasguem as roupas, mas sim o coração”.

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