A santa semente
Isaías 6. 13.
A religião do povo de Israel tinha duas dimensões. De um lado, havia uma dimensão nacional. Aquele povo fôra formado pelo próprio Deus no momento em que Ele separou Abrão na Mesopotâmia. Assim, nesse sentido, a relação do povo com o Senhor era nacional. Mas ninguém precisava de relacionamento pessoal com o Senhor ou de entregar sua vida a Ele para estar nesse nível de relação. Cada um fazia parte do povo por direito nato e por meio da circuncisão. Ninguém estava obrigado a ter no coração a vida do Senhor. Havia uma série de leis a serem cumpridas, normas a serem seguidas, cultos a serem freqüentados, mas ninguém estava obrigado à transformação no íntimo. Tudo era externo e suficiente. Os judeus, dessa maneira, formavam um povo para Deus, mesmo que o nível de comprometimento espiritual fosse bastante baixo, ou mesmo nulo. Desse modo, era muito fácil seguir a religião de Javé, ao mesmo tempo que o coração adotava o culto a Baal debaixo das árvores sagradas. Essa dimensão da relação do povo com Deus era nacional, não espiritual.
Mas havia uma outra dimensão. Uma dimensão do espírito. Os que tomavam parte nisso era diretamente chamados por Deus. Sua circuncisão era no coração e não no corpo. Era sua mente que se voltava a Deus. Eles entendiam a necessidade de um relacionamento pessoal, individual, espiritual com o Deus vivo. Eles experimentavam a vida com Deus. Não havia apenas uma questão nacional, mas era uma crucial questão de vida. Desse grupo fazia parte, inclusive, gente que jamais fez parte do povo de Israel. Veja o exemplo de Melquisedeque e de Jetro. Esses tinham vidas de intimidade e de relacionamento com o Senhor. Mas sempre foram o resto. Sempre foram o toco, a santa semente que sobrou.
A profecia de Isaías nos diz que, por mais que o profeta pregasse, o povo não teria ouvidos para ouvir, ou olhos para ver, não se converteria. Os seus corações estariam insensíveis. Sua relação com Deus era apenas uma questão de identidade nacional. O profeta perguntou até quando isso duraria e Deus lhe respondeu que até toda a nação ser dizimada. Inteiramente, ao ponto de só restar um toco. O resto. Era esse resto que seria a santa semente para um vida diferente com Deus. Uma nova vida, uma nova história.
Deus sempre trabalhou com a minoria. Nos dias do rei Acabe, todo o povo seguia o soberano no seu culto a Baal. A pessoa mais influente do reino era a sua maligna esposa Jezabel. Elias se levantou para enfrentar toda essa situação difícil. No monte Carmelo bateu de frente com os profetas de Baal e do poste-ídolo, protegidos pela rainha. Todos terminaram destruídos quando o Senhor mostrou quem era, verdadeiramente, Deus. Elias fugiu, deprimido e com desejos de morte. Até que teve um restaurador encontro com o Senhor, na brisa do Horebe. Duas vezes, no diálogo com Deus, Elias se lamenta, dizendo: Tenho sido em extremo zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança, derribaram os teus altares e mataram os teus profetas à espada; e eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida (1 Reis 19. 10 e 14). A isso, Deus responde: Conservei em Israel sete mil, todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda boca que o não beijou (v. 18). O Senhor lhe dizia: Não se preocupe: eu sou Deus do resto, eu sempre conservarei um resto. Você não está só. Há um resto fiel.
A gente pode até ficar triste. Mas a verdade é que muito provavelmente nem todos no meio da Igreja de hoje vão entender o sentido de se ter uma vida íntima com Deus, de se buscar a Sua face. Nem todos vão assumir a vida de discipulado, de quebrantamento na presença de Deus, de amor, louvor, adoração e intimidade com o Senhor. Muitos vão preferir continuar com uma espécie de relacionamento “nacional” com o Senhor, firmado em ser membro de uma igreja, ser fiel nos cumprimentos de suas obrigações eclesiásticas e na freqüência aos seus cultos, mas sem vida de intimidade com o Senhor, sem o coração voltado para Ele, sem compromisso efetivo em ouvi-Lo e viver com Ele, sem transformação real de vida. Somente um resto, um toco, uma santa semente assumirá essa postura de uma efetiva e transformadora vida com Deus. E, haverá, então, um instante em que a ação poderosa do Senhor vai nos varrer a todos pelo Seu amor. E esse resto dará início a uma nova história de vida e relacionamento com Deus. Como nos dias de Elias, como nos dias de Isaías, até como nos dias da Reforma de Lutero, Calvino e Zwínglio. Restará a santa semente, o toco que brotará nova vida.
O desafio para nós é escolher qual das duas dimensões de vida com Deus, qual dos dois tipos queremos para nossa vida. Estaríamos dispostos a assumir uma vida de real compromisso, intimidade, temor e adoração a Deus? Estaríamos dispostos a suportar todo o processo de desasossego e transformação de vida que isso implicaria? Queremos ser o resto, a santa semente, ou preferimos ir ao gosto da maioria? Restará a santa semente apenas, o toco que brotará vida.
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