28.2.05

Sem esperanças

Não tenho mais esperança, pois Deus me matará; mas assim mesmo defenderei a minha causa diante dele.

Jó 13. 15.

Jó sempre é lembrado pela sua paciência. Costumamos pensar nas coisas que ele passou, nas perdas que sofreu, nas dores que amargou e pensamos em como ele resistiu a isso tão pacientemente. Mas quando olho algumas falas de Jó em seu diálogo com aqueles amigos – da onça – que o acusavam, vejo um homem desesperado.

Jó perdeu tudo que poderia perder, à exceção da própria vida: perdeu os filhos, perdeu os bens, perdeu a saúde. Sentado sobre o lixo, lhe restava coçar-se com cacos de telha. E ouvir a ladainha interminável de seus amigos que o acusavam de ser pecador. Afinal, na concepção deles, Deus só permite que a aflição atinja o pecador e o infiel. É triste perceber como o comportamento e a mentalidade – reprovados por Deus – dos amigos de Jó ainda se podem encontrar em várias teologias e comunidades cristãs pelo mundo afora.

Como dizia, Jó em alguns momentos me parece um homem desesperado que, além de sofrer toda a dor porque está passando, ainda pena sem que ninguém o consiga consolar. Não tenho mais esperança, pois Deus me matará; mas assim mesmo defenderei a minha causa diante dele. Essas palavras traduzem o desespero final de quem não agüenta mais a dor e não tem mais o que perder. Jó tem certeza que estar na presença de Deus pode representar a morte ao ser humano. Ele sabe disso, mas acha que não há mais jeito para sua vida. Prefere arriscar uma audiência no tribunal de Deus: Talvez esta coragem venha a salvar-me, pois nenhuma pessoa má iria até a presença dEle (Jó 13. 16). E nesse desespero, Jó praticamente faz um desafio para que Deus venha até ele, diga aquilo por que o está punindo e permita que Jó exponha a sua defesa. Ainda que isso represente a morte, Jó sente que não tem mais nada a perder e prefere se arriscar a esse ponto. Para ele, a esperança acabou, a vida está morrendo aos poucos. Para ele, há mais esperança para árvore cortada e morta do que para si mesmo.

Mas Jó não está entendendo nada. Na sua cabeça, Deus o odeia. E pior: sem motivo. E, por isso, tem-lhe tirado tudo, sobretudo a paz, a fé e a esperança. Ele diz: Na Sua ira, Deus me arrasou completamente; Ele olha para mim com ódio e, como uma fera, me persegue e me ameaça (Jó. 16. 9). Jó não compreende nada porque sua visão ainda está limitada. Ele, em seu desespero, dá prova de que precisa realmente daquilo que Deus está-lhe preparando: visão além do alcance.

Jó olha as circunstâncias à sua volta e não vê lógica em coisa alguma. Não entende como Deus pode permitir que algo assim aconteça a ele, que tem buscado uma vida de justiça e fidelidade na Sua Presença. Tantas vezes é assim que eu e você nos sentimos. Desanimamos por não entendermos todas as coisas envolvidas nas circunstâncias de nossa vida. E vêm as lutas, as dores e os sofrimentos que drenam nossas esperanças e esgotam a nossa fé. Tentamos encontrar o erro em nós, tentamos descobrir os motivos do Senhor. Mas nos falta, como a Jó, uma coisa: visão além do alcance.

Deus não odeia Jó. Nós que acompanhamos a sua história de um ponto de vista diferente sabemos disso. Deus o ama ao ponto de mostrá-lo a Satanás como servo íntegro, fiel e exemplar. Mas Jó não tem essa visão. Isso lhe foge à capacidade de entendimento. Por isso, ele clama para que o Senhor lhe venha dar explicações, desesperado.

Deus não odeia Jó. Se ele pudesse ver além das circunstâncias e pudesse contemplar, desde já, aquilo que é o propósito amoroso do Senhor na sua vida e em todas as coisas que estão acontecendo, certamente Jó teria atitudes e pensamentos diferentes. Jó é tão amado pelo Senhor que Deus quer lhe dar uma nova experiência e uma nova dimensão de relacionamento com Ele. Mas essas coisas não conseguem ficar claras aos olhos de Jó, cercado que está pelas nuvens de tribulação, impedido de ver com clareza pelas lágrimas de dor que rolam de seus olhos. Jó não consegue contemplar aquilo que o Senhor tem preparado para aqueles que O amam. Falta-lhe visão além do alcance, que o Senhor terminará por lhe conceder.

Assim somos nós. Tantas vezes nos desesperamos com as circunstâncias de nossas vidas. São tantas lutas, tantas dores, tanto sofrimento, que achamos que não iremos suportar. As nuvens pesadas que nos cercam e as lágrimas que cegam nosso olhar não nos permitem uma visão além do alcance. E realmente só nos resta o desespero de nos acharmos odiados pelo Senhor. Só nos resta, muitas vezes, a sensação de que tudo acabou, que a morte de todas as coisas é o caminho inescapável.

Falta-nos visão além do alcance para percebermos, andando conosco, o Deus que cuida de nós e que nos ama infinita, gratuita e irrestritamente. Falta-nos visão além do alcance para que sintamos, plenamente, o amor de Deus nos envolvendo e nos protegendo em todos os momentos. Mesmo naqueles em que as palavras não resolvem. Nessas horas, quando o desespero ameaçar tomar conta de tudo, olhe para Cruz. Ela sempre vai estar lá. Ela sempre terá sido por você. Sempre será prova de que Deus é desesperadamente apaixonado por você.

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