Ele [Jesus] fez isso para que, por meio da sua morte, pudesse destruir o Diabo, que tem poder sobre a morte.
Hebreus 2. 14
Há alguns meses eu já sabia que, independente do resultado da votação de ontem, era isso que escreveria neste 24 de outubro. Entrei na campanha do desarmamento em maio e, desde o início, independente dos motivos sociais que me deixavam profundamente convicto da escolha correta, tive a mais pura convicção de que estava envolvido com aquilo muito mais de uma perspectiva ministerial. Deus me vocacionara para a tarefa. E, dia a dia, Ele foi me guiando em toda a caminhada, mesmo na campanha pela votação derrotada de ontem.
No dia 20 de maio deste ano, enquanto estava em uma reunião de minha base de pesquisa na universidade, um irmão querido me ligou. Era o fim da tarde daquela sexta-feira quando ele me chamou para uma reunião na manhã seguinte, em uma igreja. Como já tinha, por motivos diversos, dito não em algumas ocasiões a ele, me senti compelido a aceitar e ir para a reunião, que trataria sobre o desarmamento. Eu hoje posso dizer que não tinha a menor idéia do que se tratava a reunião.
No sábado pela manhã, Deus me pegou pela palavra. Antes de sair de casa, comentei com minha família que lamentava não ter tomado parte das lutas pela democratização do Brasil. Ao terminar de falar, disse que ainda restava uma luta na qual ainda podia me envolver: a luta contra a desigualdade social. Deus me pegou por essa palavra, porque quando cheguei à reunião percebi que a questão do desarmamento era muito mais do que simplesmente recolher armas da sociedade – coisa que poucos brasileiros entenderam na votação de ontem. Eu me vi naquela manhã no meio de pessoas que, por anos, têm lutado contra a desigualdade, por um país mais justo. Pessoas que têm perspectiva de que precisam enfrentar as causas da violência. Imediatamente percebi que a questão do desarmamento era muito mais ampla que jamais podia ter imaginado. Muitas outras questões a perpassavam. Mais que isso: Deus me falou nitidamente ao coração que aquela oportunidade respondia às minhas palavras de mais cedo. Não podia fugir ao Seu chamado. Tu és mais forte do que eu e me dominaste (Jr. 20. 7).
Ao mesmo tempo em que percebi a questão social mais ampla envolvida no desarmamento – e que era clara na mente de todos os religiosos e militantes que ali estavam – comecei a discernir a questão espiritual envolvida. Sobre ela, eu jamais discorri em qualquer debate ou em outra circunstância. Mas os meses só foram me confirmando a certeza de que essa era uma luta, não contra seres humanos simplesmente, mas contra poderes espirituais do mal nas regiões celestes (Ef. 6. 12). Afinal, nossa luta era contra uma indústria que lucra com a morte dos outros: Ele [Jesus] fez isso para que, por meio da sua morte, pudesse destruir o Diabo, que tem poder sobre a morte. Nossa luta era para salvar vidas contra forças espirituais que se esforçam por destruí-las. Nossa luta era para manifestar a vitória de Jesus contra as forças da morte do diabo.
Um dos momentos mais marcantes para mim nessa caminhada foi numa manhã de segunda-feira no mês de junho. Eu voltava de uma reunião do comitê quando, por incrível que pareça, escorreguei em uma casca de banana. No dia anterior, eu havia pregado na minha igreja uma mensagem bíblica sobre compromisso social. A Palavra que Deus dera fora tão radical que uma irmã chegou a me contradizer durante a pregação. Já falei sobre essa experiência alguns meses atrás. Sabia que estava mexendo em ninho de vespas. Deus me mostrara em vários sonhos as tentativas que o Diabo, que tem poder sobre a morte, estava levantando contra a minha vida. Naquela segunda, eu escorreguei em uma casca de banana e não encostei nada do meu corpo no chão, a não ser minha mão esquerda que ralou na calçada. No mesmo instante, Deus me falou ao coração com clareza que aquela tinha sido uma seta lançada pelo maligno, mas que Ele me dera livramento. Eu escorrei em uma calçada e, por pouco, não batia minha cabeça no meio fio. Mas, como marca desse livramento, trago em mim a cicatriz para o resto da minha vida. Eu sorria enquanto as pessoas se preocupavam com a ferida na minha mão porque sabia o que havia acontecido, o que significava. Ao mesmo tempo em que se tratava de um claro livramento de Deus para mim, era também o sinal mais claro de que, do ponto de vista espiritual, o meu envolvimento com a causa social do desarmamento estava incomodando as forças das trevas. Eu sorria porque me sabia no centro da vontade de Deus.
Quando se aproximou a campanha eleitoral, percebemos o jogo sujo que estava para ser jogado. E como não podia deixar de ser, o pai da mentira usou inúmeros subterfúgios para manipular a opinião pública brasileira. Nunca imaginei que ainda fosse possível um jogo eleitoral com tamanha quantidade de mentiras. Mas quando me deparava com isso era ainda mais consciente de que estava em uma batalha espiritual.
Tenho a mais absoluta convicção de que ontem o Brasil não experimentou um simples referendo: tratou-se da mais intensa batalha espiritual. Por isso, não me surpreendia quando eu via muitos crentes acreditando na vigorosa propaganda subliminar e nos efeitos de sentido discursivos da campanha vencedora. Se alguém podia vencer a batalha de ontem seria a igreja unida em oração. Mas, como em toda luta espiritual, Satanás e suas hostes trataram de dissipar o exército intercessor, fazendo o que é de sua natureza: mentindo, enganando. E um exército enfraquecido foi à luta, uma vez que muitos cristãos cederam ao outro lado. O diabo faz tudo para enganar, se possível, até o povo escolhido de Deus (Mt. 24. 24).
Era preciso ter olhos espirituais para perceber do que estava se tratando, mas não apresentei, propositalmente, essa perspectiva nos debates de que participei. Sabia que deveria deixar para expô-la após o pleito. Mas todas as vezes em que, ao debater com alguém, convencia-o de que o que estava acreditando não tinha fundamento (o que aconteceu várias vezes), qual não era a minha surpresa ao perceber que a pessoa dizia: Você está certo, mas ainda assim vou votar não! As pessoas percebiam estar acreditando em mentiras, mas ainda assim mantinham-se cegas pelo não. Força das trevas, ação do mal.
A força contra a qual nos levantamos ontem em oração não foi a força do dinheiro da Taurus. Foi a força de principados e potestades que têm submetido o país no mar de violência em que nos encontramos. Os poderes espirituais do mal que atuam na disseminação da violência e na indústria da morte foram muito eficazes na propagação do medo, revolta e raiva.
Era impressionante como a gente se deparava com tanta gente raivosa nos debates nos quais me envolvi. As expressões dos rostos e a intransigência das falas, apesar da disposição democrática de todos os que fizemos a campanha em Natal, podiam ser facilmente confundidas, em um ambiente eclesiástico, com possessões. Não estou exagerando. Algumas pessoas pareciam dominadas por paixões primitivas, próximas àquelas que manifestam os endemoninhados, quando defendiam o não em alguns momentos. E, mesmo que convencidos da falsidade de seus pressupostos, reafirmavam a decisão passional de seu voto. Não pareciam decisões firmadas em qualquer motivo racional, mas parecia influência espiritual.
Intercedi bastante pela votação de ontem, mas estava certo de que não era o suficiente. O diabo venceu a luta dividindo a igreja por meio do engano. Desde o início da minha história nesse movimento, em maio deste ano, era consciente da dimensão da batalha espiritual em que estava inserido. Sabia que se perdêssemos o referendo, o perderíamos na (falta) de oração. Enfrentamos adversários poderosos, mas já derrotados – poderes espirituais por trás da indústria da morte, maior segmento econômico do planeta –, mas os cristãos enganados se dividiram e não cerraram fileiras para que se manifestasse em nosso meio a vitória eterna de Jesus: Ele [Jesus] fez isso para que, por meio da sua morte, pudesse destruir o Diabo, que tem poder sobre a morte.
Um comentário:
Caro Daniel
Infelizmente, aí, como cá (em Portugal), e um pouco por todo o mundo dito civilizado, o Diabo levou uma vez mais a melhor, aparentemente, mas só enquanto Deus o permitir.
Não desanime, lute sempre com as armas espirituais/cristãs que Deus lhe confiou - ao contrário dos que disputam essencialmente com armas físicas/satânicas -, pondo Jesus Cristo à margem, quando não no próprio alvo a destruir, como bons escravos do espírito das trevas.
Infelizmente, não é só no reino da guerra injusta, do terrorismo selvagem e do banditismo traiçoeiro, que matam cobardemente pessoas, filhos de Deus, a maior parte dos quais sendo inocentes, com armamento mais ou menos sofisticado, e tantas vezes criminoso.
No abominável crime do aborto, por exemplo, matam seres humanos, muito mais inocentes e indefesos ainda, sem armas de fogo, mas com armas brancas ou venenos químicos atrozes, diabólicos, o que é ainda deveras mais iníquo e monstruoso, com a agravante de fazerem-no como quem bebe um copo de água, por "dá lá aquela palha"!
Saudações fraternais e cristãs.
JM
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