11.12.16

Esperando no fundo do poço

Eu esperei, esperei e esperei pelo Eterno
Finalmente, Ele olhou para mim; finalmente, Ele me ouviu.
Ele me ergueu do fosso,
tirou-me do fundo da lama.
Ele me pôs sobre uma rocha sólida
para se assegurar de que eu não escorregaria.
Ele me ensinou a cantar sua mais nova canção,
uma canção de louvor ao nosso Deus.
Cada vez mais pessoas estão vendo isso.
Elas entendem o mistério, abandonando-se nos braços do Eterno.
(Sl, 40. 1-3)

Todos nós já experimentamos o fundo do poço - ainda que possamos nos surpreender ao voltar ao poço e descobrir que o fundo é ainda mais fundo do que da última vez.

Todos nós já experimentamos, em algum grau, a sensação terrível de estarmos afundando em lama. Andar na lama é caminhar sem qualquer estabilidade, sem nenhuma segurança, sem paz, percebendo a possibilidade de se afogar a qualquer instante. Na lama, estamos sem firmeza, escorregando, sujando-se inteiro, receoso de cair e, sem conseguir novamente se erguer, se afogar com a sujeira. Corremos o risco de nos afogarmos - na lama não na água.

O poço de lama, fundo e sem perspectiva de saída, vai se assemelhando a uma tumba, à cova em que resto condenado à dor, ao sofrimento e à morte.

O fosso é fundo, fétido, escuro - quase não entra a luz do sol.  Respirar dói pela atmosfera pesada. Talvez fosse melhor ficar parado, quieto, esperando a morte para nos livrar de tão sofrida dimensão da vida.

Quem já andou em um piso molhado ou escorregadio, no chão enlameado ou mesmo num mangue, é capaz de entender a metáfora exposta pelo salmista.

É impossível sair, seja porque o fosso é muito fundo, seja porque a lama não nos dá estabilidade necessária para apoiarmos uma saída.

Lembro de uma cena da infância quando estavam realizando o esgotamento de uma fossa sanitária no prédio em que morava. Um trabalhador estava dentro do sumidouro vazio, mas a parede arrebentou-se e a lama fétida encheu o fosso rapidamente. O jovem quase morreu afogado pelo esgoto, mas foi retirado em tempo.

Essa é a imagem da dor, do sofrimento, da angústia.

O salmista se vê em um cenário sem esperança de saída por suas próprias forças.

Ele espera - espera muito - pelo Eterno.

Até que, finalmente, Deus o ouve. E o livra.

Há situações sem esperança na vida: de dor, angústia, sofrimento. Há situações em que esperamos contra a esperança, em Deus, porque é a única coisa que nos resta, a única coisa que nos protege da loucura. “Não havia esperança, mas Abraão creu” (Rm. 4.18).

Estar no fundo do poço, cercado de lama, se afogando, sem perspectiva de saída, é flertar com a loucura provocada pela dor e pelo isolamento.

O salmista esperou, esperou, esperou.

E findou por experimentar o socorro:

Ele me ergueu do fosso,
tirou-me do fundo da lama.
Ele me pôs sobre uma rocha sólida
para se assegurar de que eu não escorregaria.


Deus nos carrega. Ele nos conduz em Seus braços, em Suas poderosas mãos.

Ele nos tira do poço e nos ergue a um chão firme, a uma rocha onde podemos ter segurança, onde não escorregaremos, onde não há mais risco.

Pés firmes no chão.

Pode levar o tempo que levar - para o salmista pareceu tempo demais -, mas tudo é esquecido quando podemos trocar a lama e a insegurança dos nossos passos pela firmeza da rocha para onde somos conduzidos pelo Senhor.

Estamos livres daquele lugar fétido, apertado, escuro, instável e sem saída aparente no qual nos metemos e onde sofríamos de maneira indescritível.

Agora temos um ar para respirar, o sol para iluminar, uma vida e um mundo para observar, uma existência para curtir - não mais para sofrer.

Ele nos tira do poço de lama e nos salva.

E por isso mesmo, coloca em nós uma nova canção porque o coração, cheio de paz e alegria, agora quer cantar, dançar, pular em gratidão por tudo o que aconteceu.

Ele me ensinou a cantar sua mais nova canção,
uma canção de louvor ao nosso Deus.


E essa gratidão, e essa história de sofrimento e libertação, sendo cantada e sendo contada, falará do Deus que nos ama para cada vez mais pessoas, convidando-as a mergulharem no Mistério (melhor que um poço de lama sem fundo) e a abandonarem-se “nos braços do Eterno”.

O amor do Eterno nos traz de volta à vida.

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